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Sexta-feira, 29 de março de 2024

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Hidrelétricas no rio Cuiabá vão matar os peixes, além de diminuir qualidade e quantidade da água, diz pesquisadora

Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto

Hidrelétricas no rio Cuiabá vão matar os peixes, além de diminuir qualidade e quantidade da água, diz pesquisadora
Foram mais de 80 pesquisadores de todo o Brasil e outros países, R$ 8 milhões investidos e anos de estudos para chegar à conclusão de que caso sejam construídas as ‘Pequenas Centrais Hidrelétricas’ (PCHs) no rio Cuiabá, é questão de tempo para acabarem os principais peixes (dourado, cachara, piraputanga, etc), além de diminuir a qualidade e a quantidade de água na bacia. Apesar disso, o processo de construção das PCHs segue em análise pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), que é responsável por dar o licenciamento para a construção, e a Agência Nacional de Águas (ANA), responsável pela outorga. Para a doutora em ciências e pesquisadora da Embrapa Pantanal Débora Calheiros, autorizar estas obras mesmo após os estudos é um “negacionismo gritante provavelmente para atender a interesses econômicos”.


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Segundo a pesquisadora, o plano para a construção de cerca de 180 hidreléticas em toda a bacia do Pantanal mato-grossense e sul-mato-grossense é antigo, e em 2013 alguns pesquisadores e a sociedade civil conseguiram, no Conselho Nacional de Recursos Hídricos, que fosse elaborado um plano para estas instalações. Junto a este plano, também conseguiram que fosse incluso um estudo científico para analisar os danos que seriam causados pelas hidrelétricas. O estudo analisou a hidrologia (possíveis alterações na quantidade de água e no curso da bacia do Pantanal), a qualidade da água (já que as barragens retêm nutrientes e sedimentos importantes para o funcionamento da planície) e histologia (estudo dos peixes).

Os pesquisadores concluíram, dentre outras coisas, que há áreas onde as hidrelétricas podem prejudicar muito mais do que outras, e determinaram 30% de proibição em relação a todas as que estavam planejadas. Mesmo assim, as empresas responsáveis insistem em construir todas as barragens, o que, para Débora, seria desastroso.

Impacto ambiental

O estudo concluiu, por exemplo, que a construção de hidrelétricas pode causar a diminuição da quantidade de água, mas não só isso, como também a diminuição de sua qualidade, pois as barragens retêm nutrientes e sedimentos que são importantes para o funcionamento da planície. Além disso, o grande impacto seria na existência e manutenção das mais importantes espécies de peixes.

“Os peixes migradores sobem para as cabeceiras, e quando tem uma barragem [ela] impede essa migração reprodutiva. E aí você acaba com os peixes migradores da bacia, que são os maiores e mais importantes economicamente e culturalmente como pintado, cachara, dourado, piraputanga, curimba, todos os mais importantes para pesca, tanto turística quanto profissional, e para alimentação das pessoas”, explica a pesquisadora. Segundo Débora, o Rio Paraná, por exemplo, que possui uma bacia muito maior que a do Paraguai, não tem mais pesca profissional por conta das barragens construídas por lá.

Para além da existência dos peixes, o estudo também analisou o impacto socioeconômico e cultural que a construção teria nas comunidades pesqueiras e ribeirinhas. “É uma falta de responsabilidade, porque a Constituição determina que o Pantanal seja conservado e a produção pesqueira é importante para a conservação do peixe na região, que é importante ecologicamente, e também social, cultural e de segurança alimentar de todas essas comunidades ribeirinhas. O alto e o médio Cuiabá tem muita colônia de pescador. Tem em Rosário Oeste, tem colônia de pescador em Nobres, tem colônia de pescador em Cuiabá, Várzea Grande, Santo Antônio, Barão...”, argumenta.

Em resposta a este argumento do dano aos peixes, começou a circular recentemente nas redes sociais um vídeo de um empreendedor afirmando que os donos das hidrelétricas manteriam as barragens abertas em época de piracema. Segundo Débora, este compromisso seria difícil de cumprir. “E à noite, a gente vai ver? Porque quando abre a comporta você não gera energia, eles vão perder dinheiro nesse nível? Durante a época da piracema é a época que está chovendo, teoricamente tem mais água no rio”, afirma.

Além disso, a pesquisadora lembra que a ANA solicitou novos estudos sobre as ‘escadas de peixes’ (sistema de transposição), que não estavam no projeto original. A promessa, aqui, é de que os peixes conseguiriam subir mesmo com as barragens. Débora, no entanto, também não vê com bons olhos. “Tem estudos mostrando, há muito tempo isso, que a escada de peixes não é suficiente. Esse sistema de transposição de peixes não é suficiente, porque o peixe até pode subir, mas ele não consegue voltar. Ele sobe e não tem correnteza lá em cima porque já está no lago, aí ele fica perdido, porque ele se norteia pela correnteza. Não tem influência nenhuma na produção pesqueira esse sistema de transposição. Geralmente é uma decisão só para fingir que está fazendo alguma coisa”, lamenta.

Caminhos para aprovação

Apesar de ser discutido há muitos anos, o projeto de construção das hidrelétricas voltou à pauta, principalmente no que se trata das seis PCHs que estão previstas no rio Cuiabá. Logo após o início do estudo científico, a ANA fez uma recomendação de que as outorgas fossem suspensas até o final da pesquisa. Como a pesquisa foi entregue em 2020, a suspeição já foi retirada.

Para que hidrelétricas sejam construídas é necessário que haja outorga da Política Nacional de Recursos Hídricos e licenciamento da Polícia Nacional de Meio Ambiente. No caso do rio Cuiabá, por ser um rio federal que divide dois estados (MT e MS) quem tem a prerrogativa de conceder a outorga é a Agência Nacional de Águas, mas o licenciamento é de responsabilidade da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), pois as pequenas centrais hidrelétricas estariam localizadas somente na parte do rio que fica em Mato Grosso.

Na opinião dos pesquisadores, o estudo, que faz parte do plano aprovado pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos, deveria ser seguido pois as decisões do Conselho têm status de lei. O setor elétrico, por outro lado, argumenta que não. “Você fez um estudo dessa magnitude, com embasamento técnico muito bom, extremamente inovador para a gestão, para você tomar a decisão para conservar uma bacia hidrelétrica que forma o Pantanal, que é um bioma considerado patrimônio nacional. A responsabilidade é muito grande. Então para que teve esse estudo se não vai seguir?”, questiona Débora.

A pesquisadora afirma que o grupo teme a aprovação pela Sema, por pressões do setor elétrico, e também pela Agência Nacional de Águas, já que houve mudanças nos técnicos responsáveis. “A questão é: a maioria dessas 120 [PCHs], 70% desses 120 o setor elétrico vai poder construir. Dessas 120, 30% não seriam construídas para manter a produção pesqueira na região. Então nossa pergunta é: porque o setor elétrico quer construir os 100%? E eles fizeram parte de todo o processo, desde o começo”, lamenta Débora.

Mapa final da Nota Técnica da ANA apresenta áreas onde podem ser instaladas hidrelétricas (em verde) e onde não podem (em vermelho)

Tentando impedir que esses projetos evoluam, o deputado estadual Wilson Santos (PSDB) protocolou na última quarta-feira (4) na Assembleia Legislativa projeto de lei (PL 671/2021) que proíbe a construção de Usinas Hidrelétricas (UHE) e Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) em toda a extensão do Rio Cuiabá.

Débora comemora e afirma que espera que o PL seja aprovado. Para ela, é necessário que os gestores respeitem a constituição. “Respeitar uma base científica tão importante, R$ 8 milhões que foram investidos. E a gente está falando que se não respeitar, é negacionismo. Porque o que o técnico – nada contra os técnicos, os técnicos da Sema são muito capazes – mas um técnico, dois, três, não têm a dimensão que um estudo desse, de alto nível, do Brasil inteiro, inclusive do exterior. Então é um negacionismo gritante e provavelmente para atender a interesses econômicos, pressões econômicas”, lamentou.

Veja live coordenada pela Profa Carolina Joana da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) sobre a questão:

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