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Quinta-feira, 18 de abril de 2024

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Cineasta indígena vai à COP26 denunciar impacto das queimadas e do agronegócio no Xingu: "Cada vez mais rios secando”

Foto: Reprodução / Complicite / YouTube

Takumã Kuikuro documenta a crise climática no Xingu.

Takumã Kuikuro documenta a crise climática no Xingu.

Takumã Kuikuro deixou o Parque Indígena do Xingu (972 km de Cuiabá), maior terra indígena do país, para embarcar rumo à Europa ainda em outubro. Em Glasgow, na Escócia, o cineasta indígena reconhecido mundialmente está participando do maior evento que discute mudanças climáticas no mundo, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP26). Integrante do povo Kuikuro, considerado o de maior população do “Alto Xingu”, Takumã respondeu a perguntas do Olhar Direto sobre o que pretende denunciar no encontro: “Incêndio e agronegócio”, disse. 


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Em 2020, junto com o Instituto Família do Alto Xingu (IFAX), o cineasta promoveu uma campanha que foi destaque no mundo todo para combater os incêndios que avançaram as fronteiras e invadiram o Parque Indígena do Xingu. Segundo o Monitor de Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Parque foi a terra indígena com o maior número de focos de incêndio naquele ano. Ao mesmo tempo, Takumã e o Coletivo de Cinema Kuikuro também filmaram e documentaram a devastação causada pelas chamas.  

“Nossa Terra Indígena do Xingu foi demarcada em 1966, era pouco ainda o agronegócio, não tinha muito. Hoje em dia, isso aumentou e impactou muito a terra indigena. Muito desmatamento, cada vez mais interesse do novo governo, deputados estão muito ligados com terra indígenas. A gente percebe o impacto direto na nossa mata, na nossa terra, sentimos isso”, destaca.“A gente percebe que tá tendo muito impacto, muita mudança climática, cada vez mais rios esquentando, secando, a gente não consegue mais plantar”.

Aos 38 anos, o cineasta participa pela primeira vez da conferência e diz que o encontro deve marcar um espaço importante para o reconhecimento das denúncias do movimento indigena brasileiro, que segundo ele é alvo direto das ações da gestão Bolsonaro. Takumã explica isso ao mencionar os “Projetos de Lei (PL) da Morte”, como os indígenas chamam as propostas governistas ou as que são apoiadas pelo Governo. Entre elas, por exemplo, o PL 490/2007 (restringe a demarcação de terras indígenas), o PL 191/2020 (libera a mineração em terras indígenas) e a votação da tese do chamado “Marco Temporal” no Supremo Tribunal Federal. 

Este último se trata de uma tese defendida pela bancada ruralista que defende que indígenas apenas têm direitos às terras as quais habitavam na data da promulgação da Constituição Federal. Ou seja, cinco de outubro de 1988. “Eu acho que é o momento da gente falar sobre isso, falar a verdade, o que que tá acontecendo no Brasil … [na] Amazônia, desmatamento, muito agronegócio, incêndio florestal. Momento pra gente falar do ponto de vista dos indígenas, moradores daqui da aldeia, moradores daqui da terra indigena”. 

Ao avaliar a atuação do Governo brasileiro, Takumã fez alusão ao “Projeto Independência Indigena” — iniciativa da Fundação Nacional do Índio, presidida por Marcelo Xavier, delegado da Polícia Federal nomeado por Jair Bolsonaro, o Sindicato Rural de Primavera do Leste e do Governo de Mato Grosso, que criou uma cooperativa para a produção agrícola mecanizada de arroz em território Xavante — para enfatizar que a missão da gestão Bolsonaro é criar uma fissura no movimento indígena. 

“A atuação do governo é colocar, incentivar a população, até indígenas, não indígenas, à exploração da terra. Uma coisa muito perigosa que tá acontecendo na terra indigena. É isso que o governo quer fazer, quer dividir a população indigena, dividir a luta dos povos indígenas, colocar as pessoas [uma] contra a outra, [contra] seus próprios parentes, seus irmãos, e isso que é o perigo”.

Ainda segundo o cineasta, entre as expectativas do que deve ser determinado através das discussões da COP2 está a inserção da participação dos indígenas no mercado de carbono pelo seu papel na preservação da Amazônia. As regras para este comércio estão em pauta e devem ser firmadas até o fim do encontro, que acontece no dia 12 de novembro. 

O mercado, por sua vez, foi instaurado a partir da assinatura do Protocolo de Quioto, em 1997, e trata da normatização para que países industrializados compensem a sua emissão de gases de efeito estufa através da compra de créditos de carbono de projetos que atuam diminuindo tais poluentes, mesma tarefa que, segundo Takumã, é desempenhada naturalmente pelos indígenas. 

"Quem tá preservando o manto, quem tá cuidando da nossa mata, quem tá cuidando realmente de tudo isso é os indígenas. A gente precisa entender também outro jeito de ganhar com a preservação da mata, a preservação de natureza, da água e lutar pelo meio ambiente, pela recuperação de área que foi desmatada", diz o cineasta ao defender que parte dos recursos do mercado que combatem a crise climática também sejam direcionados aos povos indígenas. 

Confira os principais trechos da entrevista:

Takumã em discuro nesta terça-feira (2) na COP26, denunciando os impactos da crise climática no Xingu. (Foto: Arquivo Pessoal)

OD: Qual a importância da participação dos povos indígenas nesse encontro da COP26?

T:
A COP 26 é muito importante para todos nós indígenas, não somente do povo do Xingu, que enfrentamos problemas do governo brasileiro, cada vez mais atacando os povos indígenas, colocando fogo na terra indigena. Eu acho que é o momento da gente falar sobre isso, falar a verdade, o que que tá acontecendo no Brasil … [na] Amazônia, desmatamento, muito agronegócio, incêndio florestal. Momento pra gente falar do ponto de vista dos indígenas, moradores daqui da aldeia, moradores daqui da terra indigena. Esse é o momento da gente denunciar o que tá acontecendo, nós representando nossa terra. [Momento de] dizer não a essas coisas que o Governo vem criando de falar sobre marco temporal, esse negócio de PL [Projeto de Lei] 490, falar sobre isso, do ataque do novo Governo sobre os povos indígenas, isso que é importante dizer. Como eu trabalho com uma organização nas aldeias, pelo instituto que eu tenho, através disso que eu tô indo, representar esse instituto, o IFAX [Instituto Família do Alto Xingu]. Estamos trabalhando com [combate a] incêndio florestal, reflorestamento. 

OD: Em um encontro que discute o clima, na sua percepção enquanto morador do Parque Indígena do Xingu, que impactos os povos indígenas têm enfrentado com as mudanças climáticas? Esse impacto é direto? 

T: Nossa Terra Indígena do Xingu foi demarcada em 1966, era pouco ainda o agronegócio, não tinha muito o agronegócio. Hoje em dia, isso aumentou e impactou muito a terra indigena. Muito desmatamento, cada vez mais interesse do novo governo, deputados estão muito ligados com Terra indígenas. A gente percebe o impacto direto na nossa mata, na nossa terra, sentimos isso. Quatro anos atrás, em 2017, 2018, de lá pra cá, teve muita crise em todo o Xingu. [Por exemplo] todas as [vezes] que a gente plantava, fazia mandioca, assim tradicionalmente, e não nascia, não teve nada em quase todo o Xingu. Todo mundo ficou só com roças, todas [as mudas] morreram, ninguém conseguiu plantar. A gente percebe que tá tendo muito impacto, muita mudança climática, cada vez mais rios esquentando, secando, a gente não consegue mais plantar. Mudamos a nossa rotina por isso, pelo aquecimento, pelo clima muito quente. As pessoas começaram a comprar muito nos supermercados, [comprar] polvilho da cidade, tudo industrializados e trouxe também outro problema, o da saúde do povo do Xingu.

OD: Voltando a COP26, o movimento indígena tem defendido a sua participação no mercado de carbono, que "premia" iniciativas que combatem a absorção de poluentes em países em desenvolvimento. O que isso significa, porque é importante?

T.
Tem muitos interesse das empresas grandes, trabalhar com créditos de carbono, é isso que eu vejo, só que nós não entendemos como é que é o crédito de carbono. Quem tá preservando o  manto, quem tá cuidando da nossa mata, quem tá cuidando realmente de tudo isso é os indígenas. Por isso, a gente precisa entender também outro jeito de ganhar com a preservação de mata, a preservação de natureza, da água e lutar pelo meio ambiente, recuperação de área que foi desmatada. 

OD: Enquanto cineasta, como é o seu trabalho documentando a realidade dos impactos climáticos no Xingu?

T:
Como cineasta, [o meu trabalho é] uma ferramenta de audiovisual, não somente no Xingu, no meu caso também, que trabalho com audiovisual, documentar tudo isso, falar a preocupação das lideranças e sobre as mudanças climáticas, a gente divulga isso em outras comunidades. Não é somente na comunidade, [mas sim] para o mundo conhecer essa mudança climática, o impacto muito forte dentro da comunidade indigena. Falar nosso olhar, nós estamos sentindo através do audiovisual. Isso é importante dentro da comunidade, uma ferramenta de luta, de trabalhar com audiovisual, mostrar a realidade do povo, o impacto dentro da aldeia, dentro da comunidade, o que tá sendo afetado, dentro da aldeia, isso que o audiovisual mostra. O papel do cineasta indigena é muito importante dentro da comunidade, para que a gente possa, nós mesmos contar o que que tá acontecendo, o que nós estamos sofrendo, que estamos enfrentando, é esse o papel do cineasta indigena dentro da comunidade.

OD: Como avalia a atuação do Governo Bolsonaro diante das mudanças climáticas que têm sido potencializadas com o desmatamento e os incêndios, que, por exemplo, fizeram do Xingu a terra indígena com mais focos de incêndios do país em 2020?

T: A gente vê essa atuação do novo governo: vem atacando os povos indígenas, não somente do Mato Grosso, mas vem atacando os povos indígenas [do país todo], incentivando também as pessoas a ficar do lado dele. [O Governo] diz que quer "independência indigena”, diz que indigena não trabalha nada, [diz que] indigena tem que trabalhar. Hoje em dia todo mundo que é bolsonarista, os próprios indígenas [também] dizem “temos que trabalhar”. Uai? Mas a gente trabalha, como é que nós vamos dizer “a gente nunca trabalhou”. Isso é o problema, a atuação do governo é colocar, incentivar a população, até indígenas, não indígenas, à exploração da terra. Uma coisa muito perigosa que tá acontecendo na terra indigena. As pessoa que tão trabalhando com o agronegócio e plantação mecanizada, isso é um perigo para comunidade indigena, não é somente pelo desmatamento, não é somente por colocar veneno na nossa terra, na nossa comida, [mas também] uma coisa que quando as pessoas começam a pensar, colocar na cabeça deles, acabam esquecendo a sua própria cultura, acaba esquecendo a sua própria história, sua raíz. Ele pensa só em agronegócio, “eu quero ganhar dinheiro, eu quero trabalhar” e esquece tudo, sua própria cultura, sua história. É isso que o governo quer fazer, uma coisa muito perigosa, quer dividir a população indigena, dividir a luta dos povos indígenas, colocar as pessoas [uma] contra a outra, [contra] seus próprios parentes, seus irmãos, e isso que é o perigo.

OD: Na COP26, o Brasil não teve a presença do presidente Jair Bolsonaro, mas ele enviou um vídeo dizendo que o país é parte da solução climática. Segundo o que você viu até agora, qual tem sido a imagem do Brasil diante dos governos e ativistas na Europa?

T:
O pior Governo que tem. [Até] nós próprios indígenas, queimando a imagem do brasil, imagem dos povos indígenas. Por exemplo, Ysani Kalapalo, todo mundo fala que ela não representa nada, [daí] chega o Governo e fala que ela representa o povo do Xingu. Na verdade, ela tá queimando a imagem do povo do Xingu, isso que é a imagem do Brasil hoje em dia. O próprio Governo está colocando a terra indigena em risco, manipulando todo mundo, colocando garimpo, colocando desmatamento, colocando fogo na Amazônia. 

OD: Acredita que o mundo tem se preocupado com a situação dos povos indígenas segundo o que tem visto aí? Acredita que o governo Bolsonaro contribui para essa preocupação?

T:
Nós acreditamos que o mundo preocupou com as populações indígenas, a ONU [Organização das Nações Unidas] e outros países da Europa tem preocupado com a situação dos povos indígenas, com o desmatamento, poluição do rio, mineração, muita queimada no Pantanal, no Xingu, na Amazônia e qualquer lugar do Brasil. Com isso, muitos países da Europa querem apoiar a população indigena, com a atuação do governo cada vez mais pior no Brasil. Isso que é a preocupação de algumas pessoas, quem realmente luta pela causa indigena, porque não é todo mundo que preocupa com os povos indígenas”.
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