Caçula entre os 20 principais times do futebol brasileiro, o Cuiabá, nascido em 2001, amargou o primeiro rebaixamento da sua história nesta temporada após um caminho de ascensão no esporte, o qual chegou ao ápice em 2021, quando acessou a Série A do Brasileirão. Desde que nasceu, o Dourado nunca havia sofrido um descenso, pelo menos até 2024, ano atípico que foi atingido por fatores que colaboraram com o péssimo desempenho dentro de campo.
Leia mais: Cuiabá encerra 2024, sua pior temporada no Brasileirão desde o acesso; veja números
Apesar de ter conquistado mais um Campeonato Mato-grossense invicto, ter investido milhões num centro de treinamento padrão europeu e participado da Sula, o time não conseguiu levar tais conquistas para o principal objetivo: o Brasileirão.
Indefinição no comando
O primeiro baque sofrido na temporada foi a demora para definir um técnico após a saída do português António Oliveira do comando. O treinador deixou o time em fevereiro para comandar o Corinthians.
A partir de então, quem comandou o elenco foi o auxiliar técnico Luís Fernando Iubel, que atuou como interino até o final de abril, quando decidiu se desligar após sofrer mais uma derrota na Série A. Sob Iubel, o time jogou 21 vezes, venceu 12, empatou cinco e perdeu quatro. Ele assumiu o time ainda na quinta rodada da primeira fase do Campeonato Mato-grossense e sagrou-se campeão estadual - o primeiro título como treinador.
Quando do desligamento de Iubel, o time já vivia péssima fase no Brasileirão. Ocupava a lanterna e ostentava o pior início do campeonato: foram seis longas rodadas sem pontuar e sequer marcar gols. A primeira vitória foi contra o Criciúma, por 5 a 2, depois de dois meses do início dos pontos corridos.
Afastamento de Deyverson e ataque ao elenco
E foi neste começo abaixo das expectativas, e antes da definição por Petit como novo técnico, que o presidente do Auriverde, Cristiano Dresch, revelou a indisposição entre diretoria e elenco. Logo após a derrota por 3 a 0 para o Galo, na Arena, resultado que culminou no desligamento de Iubel, o cartola disse que Deyverson não jogaria mais pelo time.
E foi além: Dresch lembrou que os altos salários dos atletas, alguns em R$ 500 mil mensais, seriam motivos suficientes para que eles estivessem motivados a jogar. A declaração não pegou bem e evidenciou, pela primeira vez, que a lua-de-mel da Série A estava em apuros. Até então, o time se manteve classificado sem cair e não ostentou tantas polêmicas internas.
Porém, na ocasião, Dresch disse que Deyverson seria afastado até que resolvesse questões contratuais e que “os caras ganham R$ 100 mil, R$ 50 mil, R$ 200 mil, R$ 400 mil, R$ 500 mil por mês. É ridículo falar em motivação. Para mim, isso se chama falta de vergonha na cara quem não tiver motivado. Vão mexer com outra coisa quem não tiver motivado jogando em uma arena de Copa do Mundo”.
Após a declaração, o então artilheiro e ídolo auriverde, Deyverson ficou afastado por meses e, quando voltou, marcou um único gol e se desvinculou com o time para assinar justamente com o Atlético-MG. Foi um golpe fatal para o ataque do time, que já não era tão faminto em detrimento de uma defesa consistente e, depois disso, teve que esperar milagres de Isidro Pitta, o que obviamente não aconteceu.
O time encerrou o campeonato sendo o segundo pior ataque e segunda pior defesa, carimbando como seu pior ano no brasileiro: terminou na lanterna
com 30 pontos, somados em apenas seis vitórias, 12 empates e 20 derrotas. Foram 29 gols marcados e cinquenta sofridos.
E a indisposição entre direção e jogadores também atingiu o meia Denilson (que enfrentou questões disciplinares e físicas) e, mais recentemente, Derik Lacerda (problemas de disciplina) e até todo elenco, que chegou a ficar sem receber os salários do mês de outubro.
Derrocada de Petit e anúncio de Franco
Para amenizar o clima hostil que ia surgindo, a direção teve que correr para anunciar um novo técnico, já que Iubel saiu em meio à turbulência do pior começo da história. Com negociação frustrada pelo nome do português João Pedro Souza, o outro luso, Petit, aceitou a missão.
Petit, que foi ex-jogador da seleção portuguesa, chegou com contrato previsto até o final de 2025. O anuncio oficial do contrato foi dado no começo de maio, menos de uma semana depois de Dresch revelar os atritos entre direção e atletas.
No entanto, mais uma vez, as expectativas foram frustradas. Apesar da experiência como jogador e de ter se destacado no comando do Boavista, além de liderar o Tondela, Moreirense, Paços de Ferreira, Marítimo e Belenenses, Petit não tinha familiaridade com o futebol brasileiro, o Brasileirão e, menos ainda, o elenco auriverde.
A busca “relâmpago” por um novo técnico depois do naufrágio de Oliveira e Iubel refletiu diretamente na atuação do desconhecido Petit. Em menos de 4 meses no cargo, ele mesmo pediu demissão do Dourado, logo após sofrer goleada de 5 a 0 para o Palmeiras.
Ele alegou motivos pessoais e que não teria mais condições de ajudar o clube. Sob seu comando, foram 25 jogos, oito vitórias, oito empates e nove derrotas - 42,6% de aproveitamento dos pontos em disputa. Porém, quando da saída, o auriverde já estava atolado: era vice-lanterna e não vencia há oito rodadas, entre Brasileirão e Sula.
Erros na janela
Em meio à saída de Petit, a janela de transferências estava aberta. No começo do ano, o Dourado fez contratações abaixo do nível esperado para a Série A, com Lucas Fernandes, Max, Railan, Eliel e Madruga, nomes que pouco renderam. Na janela de agosto, anunciou apenas Gustavo Sauer e viu Deyverson, Luciano Gimenez, Rikelme e Alysson saírem. Embolsou cerca de R$ 28 milhões, mas o “descaso” com os reforços também corroborou com o péssimo desempenho em campo.
Todo esse cenário, além de ter culminado na queda, impactou diretamente na torcida. Para gerir a crise, a diretoria se descuidou da proximidade com os cuiabanos, o que culminou na pior média de público do time jogando em casa, na Arena Pantanal.
Descuido com a torcida
Isso ficou evidente no primeiro jogo após o rebaixamento ter sido decretado. No dia 30 de dezembro, quando recebeu o Bahia, em derrota por 2 a 1, o Dourado levou apenas 2.613 torcedores para as arquibancadas, rendendo míseros R$ 31.630,00.
Para se ter uma ideia da baixa, o recorde de público de 2024 foi de 16.680 torcedores, na derrota por 1 a 0 para o Corinthians, no dia 28 de outubro, número que representa marca muito abaixo da capacidade máxima da Arena, que comporta cerca de 44 mil pessoas.
Com uma média bem abaixo do normal, seja pelo baixo desempenho na tabela, ou pelo acesso via facepass (reconhecimento facial), a maior quantidade de expectadores que havia sido registrada até então foi no confronto contra o Fluminense, em 21 de julho, quando 13.231 torcedores compareceram na casa dourada.
Tratando-se de números inexpressivos, a título de exemplo, o duelo contra o Deportivo Garcilaso, pela Sula, teve apenas duas mil pessoas. O mata-mata da Copa do Brasil contra o Goiás apenas 4.6 mil. O jogo contra o Flamengo, no último dia 20, teve 12.891, muito abaixo de outras ocasiões em que quase bateu recorde. Nos jogos contra Cuzeiro, Juventude e Criciúma o número de torcedores não alcançou os 6 mil.
Investimentos e missão Série B
Apesar de tudo isso, o ano também foi marcado pelo investimento de R$ 50 milhões na construção do novo Centro de Treinamento, que tem nível europeu e valorizou o passe do time, que agora vai ter estrutura completa para formar jogadores de base, a qual também serve como incentivo para firmar contratações de peso.
Com a primeira queda decretada, agora as metas são voltar mais forte para reascender à elite. Para isso, vai precisar reorganizar a casa e reoxigenar o elenco para a próxima temporada. E os trabalhos já começaram: o primeiro passo do planejamento de 2025 foi pela manutenção da comissão técnica liderada por Bernardo Franco, que já começou a traçar com a diretoria o perfil do time na segundona.