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Demarcação de Terra Indígena: prefeitos prometem ofensiva e consideram autorização de estudo 'esdrúxula e absurda'

Da Redação - Rodrigo Costa

Desde que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) deu sua aprovação para a realização de estudos de identificação e demarcação da Terra Indígena (TI) Kapôt Nhĩnore, situada em Santa Cruz do Xingu e Vila Rica, no estado de Mato Grosso, e São Félix do Xingu, no estado do Pará, políticos e produtores rurais da região mato-grossense têm se mobilizado para evitar o progresso desses estudos, com o intuito de impedir a demarcação de uma área de 362 mil hectares. Grande parte dessa área se encontra em território mato-grossense.

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Esse foi o tema do episódio 6 do podcasto Ouça Direto, do Olhar Direto, no qual os jornalistas  Lucas Bólico e Isabela Mercuri falam sobre a demarcação de terra indígena e pressão pela aprovação do marco temporal.

O anúncio para os estudos ocorreu durante um evento convocado pelo Cacique Raoni Metuktire na Aldeia Piaraçu, com a presença de lideranças indígenas de todo o país e autoridades. Participaram a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, a presidenta da Funai, Joenia Wapichana.

No entanto, a autorização não foi bem recebida entre os políticos e também os produtores rurais de Mato Grosso que possuem propriedades nos municípios de Santa Cruz do Xingu e Vila Rica. Logo após a determinação da Funai, senadores e a bancada federal do estado se reuniram em Brasília para debater a decisão, que a maioria considerou absurda.

Confira abaixo o episódio completo:



O senador Jayme Campos (UNIÃO), que também é produtor rural, se destaca como um dos principais líderes do contra-ataque dos parlamentares à autorização de estudo concedida pela Funai. Durante uma audiência no Senado Federal para discutir estratégias relacionadas a essa questão, ele chegou a alegar que algumas pessoas estavam se pintando e colocando cabelos com a intenção de parecerem pertencer a alguma etnia.

Dado que muitos políticos de Mato Grosso se posicionaram contra o estudo realizado pela entidade representativa dos povos originários, o portal Olhar Direto entrou em contato com outros interessados nesse embate, incluindo a prefeita de Santa Cruz do Xingu, Joraildes Soares de Sousa, também conhecida como Jo (PSD), e o prefeito de Vila Rica, Abmael Borges da Silveira (PL).

Ambos compartilham uma perspectiva unânime contra a demarcação da Terra Indígena Kapôt Nhĩnore. Em declarações ao Olhar Direto, eles destacaram que estão se organizando para uma ação conjunta contra os resultados do estudo, contando com o respaldo do governador Mauro Mendes (UNIÃO), dos três senadores e da bancada federal de Mato Grosso.

“É um absurdo. E não fica só nessa área não. Tem mais 30 áreas em estudos no Mato Grosso. Se o Senado Federal não nos ajudar, se a gente não tomar medidas enérgicas, ir pra cima, daqui  algum tempo estaremos inviabilizando a produção no Estado”

Essa cobrança de mais energia é de Abmael (PL), o prefeito de Vila Rica. A economia da cidade se baseia principalmente na pecuária, contando com o sexto maior rebanho bovino do estado. Segundo ele, por enquanto, a atividade econômica do município não será afetada caso a demarcação das T.I’s seja bem sucedida. No entanto, diz estar preocupado em relação ao futuro

“A minha economia não vai ser afetada no momento. Como eu falei que já tem 30 áreas de estudo no estado, qual vai ser a próxima. A minha cidade não vai ter um impacto muito grande porque vai atingir 5 mil hectares”, disse. “Nesse momento eu não tenho problema nenhum, mas futuramente eu posso ter. Se começar com isso, vai dificultar a produção de alimentos. Nós produzimos alimentos para o Brasil e para o mundo”.

Abmael acredita que a eventual aprovação da demarcação das Terras Indígenas pode abranger uma área maior do que os 360 mil hectares inicialmente calculados pela Funai. Possivelmente chegaria 400 mil hectares. O gestor justifica essa estimativa devido às chamadas zonas de amortecimento, que, no caso da Terra Indígena em questão, se estendem por 20 quilômetros.

Zonas de amortecimento são áreas estabelecidas ao redor de uma unidade de conservação com o objetivo de filtrar os impactos negativos das atividades que ocorrem fora dela, como: ruídos, poluição, espécies invasoras e avanço da ocupação humana, especialmente nas unidades próximas a áreas intensamente ocupadas.

“Quando você fala em 360 mil hectares, não fica só nisso não, vem uma área de amortecimento em torno, que é cerca de 20 quilômetros. Então pode chegar a 400 mil hectares. Tudo que a gente for fazer em torno dessa área, a 20 quilômetros, tem que ter permissão. Porque se a gente não tiver com autorização dos povos indígenas, da Funai, a gente não vai poder fazer nada”, explicou. 

Quando questionado sobre a presença de comunidades indígenas na região, Abmael declarou que não existem povos indígenas em sua cidade e sugeriu que as demarcações deveriam ser direcionadas para áreas localizadas em São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia.

“Não tem nenhuma terra indígena. É área consolidada, é área aberta”, afirmou. “Tem que começar a demarcar no Rio de Janeiro, em São Paulo. Foi lá que iniciou. Eles estão demarcando área lá? Os índios não iniciaram aqui pelo Mato Grosso, entrou pela Bahia, pelo Rio de Janeiro, vamos demarcar lá também. 

A prefeita Jo, de Santa Cruz do Xingu, cidade que faz fronteira com o Pará, também disse estar preocupada com os impactos econômicos advindos da possível demarcação. Ela destacou que a produção de grãos, que é a principal atividade econômica do município, será fortemente impactada.

“Santa Cruz é uma cidade pequena. E a lavoura chegou, e chegou o desenvolvimento. Vários produtores plantando trouxeram economia e trouxeram emprego”. “São mais de 112 mil hectares plantados. 218 mil hectares de áreas que vão ser tomadas somente em Santa Cruz do Xingu”. 

Em seguida, Jo questionou a quantidade de hectares que seriam destinados aos povos originários caso a demarcação se concretize. 

“Hoje são 60 índios para 218 mil hectares. O que que 60 índios vão fazer com 218 mil hectares? Se eles têm direito, vamos sentar e dialogar, mas não querer a metade do município”. 

“O índio precisa de saúde, educação e condições de vida. O que eu entendo, o governo federal tem que melhorar. Tem que dar condições de trabalho para eles, não só demarcar área, dar condições pra eles trabalharem e sobreviver”.

Uma das soluções proposta pela prefeita é a votação do Marco Temporal - tese jurídica segundo a qual os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.  

Segundo Jo, na semana passada ela esteve em Brasília e se encontrou com o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, para uma conversa sobre a questão. Ela relatou que Fávaro buscou tranquilizar os produtores e afirmou que o próprio presidente Lula (PT) não é favorável a deixar "os produtores rurais desamparados".

“O ministro Fávaro,  que também é produtor, ele passou para a gente que hoje o próprio presidente Lula não é a favor de tirar a terra do produtor, não que ele não seja a favor, não foi essa a palavra que ele usou, mas sim porque ele, o próprio presidente, não vai deixar os produtores desamparados”, disse. 

“A conversa foi muito boa. Ele falou para a gente estar trabalhando a defesa. Ele passou e transmitiu tranquilidade para nós. Mas não é para a gente baixar a guarda. Foi muito produtiva a reunião que tivemos com ele”, acrescentou. 

Terra indigena Kapôt Nhĩnore

“Kapôt Nhĩnore” significa, em língua Kayapó, “Ponta do Cerrado”. A expressão se refere à área de transição entre o Cerrado e a floresta, localizada na porção centro-sul da TI. Para os Mẽbêngôkre, as áreas de transição entre floresta e Cerrado são tradicionalmente valorizadas, do ponto de vista econômico, histórico e cultural.

Kapôt Nhĩnore é o local onde se originou o subgrupo Mẽtyktire, os “homens de negro”, ao qual pertence o Cacique Raoni, entre muitas outras lideranças. Não é coincidência, portanto, o fato de a demarcação da TI ter sido reivindicada mais fortemente pelo subgrupo Mẽtyktire ao longo dos últimos 30 anos. Trata-se da terra onde se originou esse subgrupo, e com a qual ele possui um vínculo originário indissolúvel, que não se enfraqueceu com a demarcação das outras TI’s Kayapó (onde habitam tradicionalmente outros sub grupos Mebêngôkre), mas que, ao contrário, subsiste ainda hoje com bastante vigor.
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