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"Terminei a oração, coloquei um hino para ela ouvir e ela me agradeceu, falou ‘eu só precisava orar’”, conta enfermeiro

Da Redação - Marcos Salesse

Assim como o tempo, a pandemia tem se mostrado implacável desde a confirmação do primeiro caso de Covid-19 em Mato Grosso, no dia 19 de março de 2020. De lá pra cá se passaram 1 ano, 2 mês e 18 dias de mudanças constantes na rotina de profissionais da saúde, como a do enfermeiro Josy Venero, de 33 anos. Supervisor de três Unidades de Terapia Intensiva (UTI’s) do Hospital Municipal São Benedito, o profissional conta os momentos críticos que ainda vive dentro da unidade, enquanto os olhos se inundam de úmidas gotas de tristeza e esperança.
 
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“Tudo para mim era um desafio, mas nunca tive medo”, afirma Josy ao lembrar do momento em que se tornou responsável por uma equipe de aproximadamente 100 enfermeiros e técnicos de enfermagem. A nova função surgiu ainda antes da pandemia, em julho de 2019, e ganhou novos contornos desde a chegada do novo coronavírus em terras cuiabanas. Mais que direcionamentos técnicos, o enfermeiro relata que é imprescindível ter sensibilidade para amparar e acolher seus colegas de trabalho. 

“Deixamos nossas famílias, deixamos uma vida para poder cuidar de outras vidas. Direto tenho colegas em crise de choro ou profissional que está precisando conversar. Temos enfermeiros que adoecem, inclusive na minha equipe”, conta o enfermeiro. O relato não é inédito, mas ainda atinge de forma profunda aqueles que revestem toda a angústia com Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) antes de iniciar cada plantão. 

Além de atuar no Hospital São Benedito, Venero também atravessa semanalmente os corredores da Unidade de Pronto-Atendimento do Pascoal Ramos (UPA Pascoal Ramos), onde realiza o trabalho de coordenação da equipe. “Hoje vivemos um ápice de estresse e de várias emoções, e é necessário ter uma pessoa para dar direcionamentos, para amparar nos momentos que for necessário”, conta. 

“Eu saio da unidade, mas ela não sai de mim”  

Casado há 15 anos, Josy também sente de forma expressiva o impacto da pandemia no seu relacionamento com a esposa e a filha de 3 anos. “Sempre chego em casa com um sentimento muito carregado, às vezes até bem nervoso, então isso afeta todo um relacionamento. Nesse contexto que estamos vivendo, não somos a mesma pessoa”, revela. 

Assim como a mãe, que também atuava na área da saúde, o enfermeiro relata que passa pouco tempo em casa e apesar da mudança de espaço, as preocupações permanecem as mesmas, seja diante das lembranças que chegam em sua mente, ou por meio das notificações que rapidamente tomam toda a tela do celular. “Particularmente eu não desligo. Para chegar em casa e conseguir dormir preciso desligar meu celular por pelo menos duas horas, porque não para. Saio da unidade, mas ela não sai de mim”, diz. 

Nos momentos em que o coração pede calma, Josy conta que o carinho de sua filha é um de seus principais apoios para seguir em frente. “Quando chego em casa e vejo minha filha, dá uma aliviada no coração. Às vezes, quando estou dormindo, ela chega falando, ‘mamãe não faz barulho, o papai tá dormindo’. Esse carinho dela faz dar uma relaxada de toda a tensão, dá um fôlego”, confessa o enfermeiro. 

“Sinto que não tenho nem lágrimas para chorar”  

Enquanto caminhava pelos corredores da UPA Pascoal Ramos, Josy viveu um dos momentos mais marcantes de sua carreira, protagonizado por uma paciente internada na unidade. “Estava saindo do plantão e resolvi passar pelo Box de Emergência, até que uma senhora me chamou, falou ‘Fia, vem aqui’. Aí ela pegou na minha mão e disse ´faz uma oração pra mim?’”, relata. 

Josy Venero segurando as mãos da paciente durante a oração. | Foto: Arquivo Pessoal

Sentindo o peso das mãos de quem lutava contra a Covid-19, o profissional abriu espaço para fé e acatou o pedido da senhora. “Terminei a oração, coloquei um hino para ela ouvir e ela me agradeceu, falou ‘eu só precisava orar’”, relembra. A melodia, que por alguns minutos tocou mais alto que o som dos equipamentos que monitoram a respiração e os batimentos, era entoada pela dupla César Menotti & Fabiano, com a música “Tá Chorando Por Quê?”. Depois da troca sensível entre paciente e enfermeiro, o profissional deixou a sala onde a senhora estava e encerrou seu dia de trabalho. 

Dias após o encontro, a senhora não resistiu e faleceu em decorrência das consequências causadas pelo vírus. Desta relação de afeto, ficou a lembrança do toque, da música e do carinho, que também se tornou sinônimo de alento para a filha desta vítima da pandemia. 

Olhar Direto · OD - Áudio enviado pela filha da vítima para o enfermeiro dias após o falecimento da mãe
 
“Me marca muito. Todo paciente que a gente atende, sentimos essa emoção, ainda mais agora, sinto que não tenho nem lágrimas para chorar”, revela. Apesar dos momentos de tristeza, Josy afirma que a necessidade de se manter alerta no quadro de todos os que precisam de cuidado o impulsiona para tentar salvar o máximo de vidas. 

“A doença só vai diminuir quando a população entender ela” 

Para o enfermeiro, a equação da pandemia é resolvida por meio da soma de alguns fatores: “Pode abrir mil leitos de UTI, que terão duas mil pessoas para ocupar. Enquanto a população não se conscientizar que depende dela, as coisas não vão mudar”, afirma Josy. Para além dos cuidados pessoais, o empenho dos gestores públicos em promover as medidas de biossegurança também conta na hora de fechar a conta. 

Durante o diálogo, o enfermeiro reforçou a necessidade do uso de máscara, higienização constante das mãos e adesão da população ao distanciamento social. “Você usar uma máscara é simples, mais simples que usar uma máscara de oxigênio depois”, finaliza. 

Diante da possível terceira onda da doença em Mato Grosso, o que parece repetitivo deve ser seguido como regra para salvar vidas. Até este sábado (7), a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MT) notificou 1.109 novos casos da doença no estado, além de 36 óbitos nas últimas 24 horas. Desde o início da pandemia já foram 415.669 mil casos confirmados e 11.141 óbitos contabilizados em Mato Grosso.

Acompanhe a entrevista completa aqui:   

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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