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Laqueadura sem filhos: “médico disse que eu era jovem e que mudaria de ideia”

Da Redação - Fabiana Mendes

“Decidi que não queria mais fazer uso de contraceptivos devido aos hormônios e fui ao ginecologista, pelo plano de saúde. Eu acredito que quando tomei a decisão, há mais ou menos dez anos, eu já havia decidido não ter filhos e não queria continuar com contraceptivos”, relata a moradora de Cuiabá, Gisele Nogueira*, de 38 anos.

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Gisele não queria ter filhos e decidiu fazer laqueadura, cirurgia para esterilização voluntária definitiva em que as trompas da mulher são amarradas ou cortadas, evitando que o óvulo e os espermatozoides se encontrem. No entanto, a sua vontade nunca foi realizada.

“Me decepcionei com a atitude, o médico disse que eu era jovem e que mudaria de ideia sobre ter filhos. Que eu deveria viver a experiência da maternidade”, lembra.

Mesmo com a primeira recusa, Gisele não desistiu. Dois anos depois procurou um profissional novamente. “A resposta continuou a mesma e outros ginecologistas não apoiaram o que eu queria fazer. Me influenciavam a colocar o DIU”.  

O DIU é um dispositivo intrauterino que funciona como método anticoncepcional reversível, de longa duração, e de alta eficácia.

Gisele conta que à época não pensou em procurar ajuda jurídica. “Acabei desistindo. Um pouco também porque toda vez que eu falava sobre o assunto as pessoas se assustavam com a minha decisão”, diz.

Atualmente, ela não toma contraceptivos e é casada há 10 dez anos. Diante da dificuldade de conseguir a laqueadura, foi o companheiro que decidiu fazer a vasectomia.

“Eu já imaginava essa resposta dos médicos. Acho que seja incomum essa decisão.  Mas me frustrei. Meu marido já tem filhos e foi bem mais tranquilo para ele. Mas acredito que mesmo para os homens, o médico quer que ele já tenha tido a experiência de ter filhos”, pondera.

Diferente da postura que teve na época, Gisele aconselha que as mulheres procurem ajuda judicial em caso de recusa médica.

“[Isso ainda] acontece porque ainda vivemos em uma sociedade que todos querem ditar as regras para o nosso corpo. Nascemos e fomos criadas desde pequenas para ser mães, ter família, sermos boas esposas e para muitos ainda é inconcebível a mulher dizer não a maternidade, ou não ao casamento”, finaliza.

Na avaliação do advogado João Victor Gomes Siqueira a Lei n. º 9.263, de 1996, que regulamenta o Planejamento Familiar no Brasil é desatualizada e retrógrada.

“Há excessiva ingerência sobre a escolha individual. A Lei diz que somente é permitida a esterilização voluntária de "homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos". Há uma indefinição sobre a forma de interpretar este artigo, o que leva alguns profissionais de saúde e operadores do direito a entender que o homem ou mulher precisam ter mais de 25 anos e dois filhos vivos para a esterilização voluntária. Outros entendem que pode ser 25 anos ou dois filhos vivos”, pontua.

Ainda segundo o advogado, há jurisprudências com as duas interpretações, o que dificulta a resolução pacífica da questão.

“Existem outros requisitos também, como o prazo mínimo de 60 dias entre o pedido e a realização da esterilização, limitações a realização durante o parto e a necessidade de consentimento expresso do cônjuge ou convivente, caso a pessoa a ser esterilizada tenha relacionamento estável ou união civil”.

“Caso surjam dúvidas e a equipe médica não queira atender o pedido do homem ou mulher que pretenda ser esterilizado, um processo judicial será necessário. Legalmente, o médico é realmente proibido de atender a vontade da pessoa, mesmo que livremente exercida, caso os requisitos legais não estejam preenchidos”, finaliza.

Assim como Gisele, muitas mulheres encontram dificuldades para conseguir realizar a cirurgia. No Instagram, o perfil Laqueadura Sem Filhos gerenciado pela advogada Patrícia Marxs, que conseguiu realizar o procedimento, oferece detalhes sobre como realizar a esterilização sem filhos. Além disso, ajuda mulheres a exercerem a maternidade por escolha e disponibiliza informações sobre os métodos contraceptivos.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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*Nome fictício usado para preservar a identidade da personagem. 
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