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Morte de lulista por bolsonarista não se enquadra em crime político; entenda

Da Redação - Fabiana Mendes

Embora a morte do lulista Benedito Cardoso dos Santos, de 44, tenha acontecido após uma discussão sobre as eleições com o bolsonarista Rafael Silva de Oliveira, 24, o homicídio registrado em uma chácara a 34 quilômetros de Confresa, não se enquadra em crime político. Benedito acabou morto com cerca de 15 golpes de faca e machado. A vítima chegou a ser atingida nos olhos, testa e os últimos golpes foram no pescoço. O objetivo do assassino era decapitar o rapaz. As armas foram encaminhadas para perícia. 

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O advogado criminalista João Victor Gomes de Siqueira explica que crimes políticos são os que atentam contra o próprio Estado de Direito, a organização social e aos interesses do Estado de forma geral. Eles estão em grande parte definidos na Lei Federal 1.802/53. "É uma definição ampla e aberta, mas que abarca um bem jurídico próprio a ser protegido: a entidade política do Estado", diz. 

Portanto, o acusado precisa agir de forma deliberada contra a segurança do Estado. "Tentar matar o presidente é um crime político, por exemplo. Tentar matar uma pessoa que apoia um presidente, não é". 

Mesmo que a briga possa ter começado por divergências políticas, o direito penal entende que o bem atingido é a vida. A morte aconteceu em decorrência dos ferimentos causados no corpo por arma branca, e não pela opinião do agente ou da vítima.

O delegado Victor Oliveira, responsável por conduzir o inquérito, autuou o bolsonarista em flagrante por homicídio com duas qualificadoras: motivo fútil e meio cruel. Segundo ele, não há crime político. "É uma discussão envolvendo política, não chega a ser crime político", diz. 

A qualificação de um homicídio existe para separar do crime 'comum', alguns crimes mais graves em que certas condutas foram praticadas. "Um homicídio simples tem pena de seis a 20 anos. E um homicídio qualificado tem pena de 12 a 30 anos. Assim, o modo de cometimento de um crime pode torná-lo mais grave que outros. Todo homicídio é grave, mas o legislador escolheu punir com maior rigor aqueles cometidos em certas circunstâncias em que a conduta do agente se mostra mais grave', pontua o advogado. 

O meio cruel é aquele que causa, desnecessariamente, maior sofrimento à vítima ou revela uma brutalidade. "A crueldade decorre do sofrimento excessivo infligido à vítima, não da cena posterior do crime ou do sentimento social decorrente. Por isso o Código Penal exemplifica como cruel homicídios cometidos com uso de fogo, veneno, explosivo e etc. Há crimes que são chocantes, mas não necessariamente são cruéis", salienta. 

"Já a qualificadora como “fútil” se refere a desproporcionalidade do crime em relação a sua origem. Simplificando, seria um crime muito grave por causa de algo banal, por exemplo, um acidente pequeno de trânsito que terminasse em um homicídio", finaliza. 

O homicídio 

O crime aconteceu na noite da última quarta-feira, 7 de setembro, depois de um dia de trabalho. Os dois estavam sozinhos na casa quando começaram uma discussão. Em determinado momento da briga, Benedito deu um soco no queixo de Rafael, que revidou. 

Na sequência, o lulista pegou uma faca e foi para cima do rival, que conseguiu tomar a arma e atingir o adversário. Benedito tentou fugir, mas acabou perseguido pelo bolsonarista e morto com requintes de  crueldade. 

"Eles trabalharam durante o dia e o fato foi à noite. Eles estavam descansando, tinham acabado de jantar, estavam fumando cigarro e começaram a falar de política", relatou o delegado Victor Oliveira.

O lulista e o bolsonarista se conheciam há apenas dois dias e Rafael dormia na chácara temporariamente para cortar lenha. "Eram apenas colegas de trabalho, recém-conhecidos, estavam trabalhando juntos há dois dias e tiveram essa discussão". 

Segundo Victor Oliveira, os dois não eram fanáticos políticos e não participaram de qualquer manifestação realizada no feriado a favor dos candidatos à presidência. Em Confresa, inclusive, houve uma grande carreata em apoio a Bolsonaro, mas tudo ocorreu tranquilamente, conforme o delegado. 

"Aqui [Confresa] teve o desfile de 7 de setembro e uma grande carreta também, só que nenhum dos dois participou do evento, tendo em vista que eles estavam na chácara e também não eram fanáticos. Eles começaram a se desentender, foi uma discussão banal mesmo", lamentou. 


Ao ser preso, Bolsonarista detalhou o crime. Crédito: Reprodução / Polícia Civil. 

Natural de Goiás, Benedito era pouco conhecido na região, não tinha familiares na cidade, onde estava a trabalho. Poucas pessoas souberam falar sobre ele. 

Já Rafael, que residia há mais tempo em Confresa, tinha passagens criminais por delitos cometidos na cidade. Apesar disso, segundo ele mesmo, não tinha parentes na região, apenas uma irmã em Cuiabá, com quem tem pouco contato.

Rafael acabou preso depois de procurar atendimento médico no hospital por causa de um ferimento na mão causado durante o homicídio. No local, a Polícia Militar suspeitou da situação pois já tinha conhecimento de um óbito na chácara. Durante interrogatório ao delegado confessou o crime. 

O delegado representou pela conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva. O juiz da 3ª Vara de Porto Alegre do Norte, Carlos Eduardo Pinho, acatou o pedido em audiência de custódia realizada quinta-feira (8). 

Na decisão, o juiz cita que há indícios suficientes para a qualificação da prisão, uma vez que, o acusado já responde por outros crimes contra a vida.  Ele diz ainda que a intolerância não deve e não será admitida.

"Assim, em um Estado Democrático de Direito, no qual o pluralismo político é um dos seus princípios fundamentais torna-se ainda mais reprovável a conduta do custodiado. A intolerância não deve e não será admitida, sob pena de regredirmos aos tempos de barbárie. Lado outro, verifica-se que a liberdade de manifestação do pensamento, seja ela político-partidária, religiosa, ou outra, é uma garantia fundamental irrenunciável". 

Mais testemunhas devem ser ouvidas e a autoridade policial aguarda o laudo pericial para concluir o inquérito e encaminhá-lo ao Poder Judiciário. O prazo é de dez dias. 
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