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Mães que criam filhos com deficiência lutam pela redução de jornada no serviço público: “não é privilégio”

Da Redação - Fabiana Mendes

Pessoas que cuidam de familiares com deficiência enfrentam desafios diários em uma sociedade capacitista. Essas barreiras podem ser impostas pelo mercado de trabalho e também pelo próprio governo. Em Mato Grosso, mães servidoras lutam redução de jornada de trabalho sem desconto na folha de pagamento.

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Apesar dos apelos, o governador Mauro Mendes (União) resolveu vetar integralmente o projeto de lei (11/2022), que fixou em 20h a jornada de trabalho de servidoras e servidores públicos que têm cônjuges ou dependentes com deficiência.

Esses familiares ainda esperam que o veto seja derrubado pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT), no próximo dia 18, quando os deputados irão analisar o projeto novamente. Caso o veto seja mantido, o projeto é arquivado.

O texto vetado é um substitutivo integral aprovado pela Assembleia Legislativa no dia 1º de abril, e que mudou o patamar originariamente fixado pelo Poder Executivo para a redução da carga horária do servidor que possua cônjuge ou dependente com deficiência. Enquanto o texto original havia previsto a redução de apenas 25% sobre a jornada semanal do servidor beneficiado, a emenda pré-definiu a redução para o patamar fixo de 20 (vinte) horas semanais, indistintamente.

Segundo Mauro, a proposta dos deputados implica, inevitavelmente, diversas consequências para a Administração Pública, principalmente em razão de considerável parte dos cargos públicos possuir carga semanal de 40 horas/semanais, de modo que o novo valor fixado por emenda passaria a representar metade da carga horária desses servidores.

Reconhecimento do cidadão com deficiência

Paula Albuquerque é servidora desde 2014 e mãe do pequeno Matheus que nasceu em 2019, com Trissomia do cromossomo 21 ou Síndrome de Down, como é popularmente conhecida.

Ainda com 40 dias de vida, Matheus passou pela primeira fisioterapia. Desde então, a família nunca mais parou de acompanhá-lo nos tratamentos necessários para sua evolução como consultas com fonoaudiólogo, terapia ocupacional, fisioterapia e natação. “A semana inteira é terapia no período da tarde. É bem cansativo para ele, para a gente. Mas ele precisa e a gente deixa o cansaço de lado e segue a vida”, cita a servidora.

Muitas pessoas com a Síndrome de Down apresentam além do comprometimento cognitivo, cardiopatias congênitas, alterações nas tireoides e até doenças autoimunes. Este não foi o caso de Matheus. Porém, com 1 ano e 10 meses ele precisou ficar acamado por um período. Com seis semanas sem as sessões de fisioterapia, o pequeno teve uma diminuição do tônus muscular.

“Os médicos desconfiam que seja a covid que tivemos. Ele ficou acamado por 6 seis semanas, porque teve uma artrite séptica que comprometeu a questão do quadril esquerdo. Foram feitas duas cirurgias e durante esse tempo foram canceladas todas as terapias. O que ele teve foi uma perda da hipotonia. Não perdemos muito, mas ele sentiu. Ele perdeu a parte de musculatura”, pontua.
 
A demanda de esforços para cuidar de um filho com qualquer deficiência é alta. Muitas mães abandonam o mercado de trabalho para se dedicar aos cuidados integrais da pessoa com deficiência. Aquelas que optam por trabalhar, enfrentam muitas dificuldades.

Ao receber a notícia que poderia ter a redução na jornada de trabalho, Paula Albuquerque sentiu que seu filho e outras pessoas com deficiências estavam sendo reconhecidas pela sociedade e principalmente pelo Estado como um cidadão brasileiro.

“A pessoa já tem a deficiência e como ela vai levar a vida se não tem a pessoa que possa estar do lado dela, mostrando o que é certo ou errado? Por isso que reconhecer o direito dessa pessoa com deficiência e ter o acompanhamento do tutor nas terapias, não é um privilégio, não é viver numa ilha de privilégios. É o Estado reconhecer que esse cidadão brasileiro tem esse direito e esse direito tem que ser dado e recebido”, salienta.

“Essa redução é importante para que o tutor dessa pessoa com deficiência, que necessita desses cuidados, ele possa acompanhar o seu filho nas terapias para estar recebendo do terapeuta quais a necessidade que ele precisa dentro de casa, o que essa família também precisa trabalhar com seu dependente para estar colaborando no desenvolvimento dele. As terapias são apenas um instrumento de análise e avaliação desse paciente, para que seja feito o relatório e posteriormente passado para a família para fazer um trabalho dentro de casa, porque quem tem que ajudar esse dependente é a família. Os terapeutas fazem a terapia, mas o paciente vai voltar para a casa. E esse voltar para casa, o dia a dia, a vivencia da família com essa pessoa portadora de necessidade, que são fundamentais para o desenvolvimento intelectual e cognitivo”, pontua.

No Brasil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há 45,6 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, sendo que entre elas, uma a cada 7,5% são crianças de até sete anos.

“Quando você entra no mundo atípico você vê que não está sozinha e existe muitas e muitas mulheres na situação de como o mundo titula, mãe atípica. São muitas mulheres com filhos deficientes, mulheres com síndromes e doenças raras em seus filhos, são mulheres com 1 ou 2 filhos com a mesma condição genética, mesma síndrome rara, muitas com filhos com paralisia cerebral em consequência ou de um pré-natal não bem feito ou de parto não bem realizado”, diz.

Na avaliação de Mauro, é comum que os deputados estaduais acabem cedendo a pressões como neste caso, em que servidores lotaram as galerias do plenário. "Mas, nós temos que ser justos e o Estado não pode ser uma ilha, tão distante daquilo que é uma realidade da sociedade. Lamento, vou analisar com muito critério. Para enviar um projeto, a gente precisa estudar, olhar o impacto e ver se aquilo é correto e justo".

Para a servidora, é preciso olhar com atenção para essas pessoas com deficiência. “Para nós mães e qualquer pessoa com dependente com necessidade, a gente não escolheu, ele veio. Então esse olhar dele [do governador], é essa questão da redução da carga horária sem redução do salário, é isso que ele não quer falar. Mas essa é a leitura dele como gestor e empresário. Ele não olha para esse ser humano, esse brasileiro que necessita desses cuidados e tem esse direito garantido dentro da Constituição. Isso que falta nele, enxergar esse cidadão brasileiro, que não pediu para nascer com síndrome ou qualquer outra doença, mas que necessita de cuidado de seus familiares. Pois se ele não tem cuidado do seu familiar, o Estado também não fornece para ele uma saúde pública de qualidade, o Estado não fornece inclusão, o Estado não fornece uma educação de qualidade, que possa ajudar. O Estado não dá para esse cidadão o que ele necessita, e o que Estado não quer dar nem o direito dessa pessoa ter o responsável do lado para estar mostrando o certo e o errado”, finaliza.
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