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Recuperação em São Luiz do Paraitinga começa por casas próprias

G1

Ainda afetada pela enchente que inundou e danificou diversos imóveis na virada do ano, São Luiz do Paraitinga, a 171 km de São Paulo, começa a dar os primeiros sinais de recuperação. Fachadas coloridas despontam entre tapumes e escombros nas ruas centrais. Casas e estabelecimentos particulares ficam prontos mais rápido do que os prédios públicos ou aqueles que dependem de alguma ação estatal.

Para moradores ouvidos pelo G1, a recuperação só ocorre para quem pôde se reerguer sozinho. "Está tudo bem melhor, mas na opinião de todos ainda falta muito ainda", diz a moradora Rosienny da Silva Rangel.

O funcionário público Luciano Frade, que mora temporariamente de aluguel, conta que ainda não conseguiu voltar para o casarão herdado dos avós, onde morava. "Se não tiver muita pressão da opinião pública, muita cobrança sobre o motivo de a recuperação não ter recomeçado ainda, não vai", disse ele.

Para outro funcionário público que se identifica apenas como JF, a recuperação do centro comercial e dos serviços é uma boa novidade. "O comércio está se recuperando. Ficamos mais ou menos um mês sem comércio. Tinha um supermercado só", afirmou. Agora, em volta da praça matriz há pelo menos duas lan houses, ambas estavam com movimento intenso na sexta-feira (14) e no sábado (15).

Restaurantes

No sábado, foi possível ver restaurantes, lojas de conveniência e até de eletrodomésticos em funcionamento, mas quem é da cidade diz que a estrutura ainda é precária. "Ainda temos pousadas, bares, restaurantes e supermercados fechados", disse o administrador de empresas aposentado José Alberto da Silva.

A prefeita Ana Lúcia Sicherle afirma que a recuperação anda em "ritmo bom", mas reconhece que ainda falta muito. Ela anuncia investimentos dos governos federal e estadual em São Luiz do Paraitinga. Diz que em junho devem ser inauguradas as primeiras 45 de 150 casas populares construídas pelo governo estadual. E que na semana passada recebeu R$ 6 milhões de um total de R$ 15 milhões enviados pela Defesa Civil nacional para recuperação de estradas, pontes e das margens do rio que passa pelo município.

De acordo com ela, 84 casarões recebem escoras, etapa preliminar à restauração, que deve ser lenta e sofisticada, díficil de prever. Escombros das igrejas e prédios públicos estão cercados por tapumes e exibem placas de engenharia com descrição e custo das obras.

Serestas de volta
Tradição em São Luiz do Paraitinga, um grupo seresteiro formado por dez pessoas percorreu as ruas do centro da cidade do Vale do Paraíba na madrugada de sábado. Desta vez, no entanto, não puderam cantar em alguns casarões antigos porque eles estão abalados, vazios, sem ninguém para ouvir as serestas, devido à enchente que arrasou estes imóveis centenários na virada do ano. As adversidades não desanimaram os músicos, que percorreram os bares relembrando aos clientes músicas da vida cultural do município antes da água que inundou e derrubou casas.

Veja imagens da Festa do Divino

Diante do restaurante Cantinho dos Amigos, eles cantam "A dor da saudade", do compositor, filho da cidade, Elpídio dos Santos (1909-1970), que segundo eles parece ter sido feita para os flagelados pela chuva: "A dor da saudade, quem é que não tem? Olhando o passado, quem é que não sente saudade de alguém? Vá embora saudade, da minha casinha que eu quero bem", diz um trecho da música.

Quase seis meses após a tragédia, os escombros ainda fazem a seresta mudar de itinerário. O grupo cantou em frente à casa de Elpídio, como faz todos os anos, mas evitou a da viúva dele e outras oito moradias, arrasadas pela chuva.

Há nostalgia, mas nada de tristeza, declaram os músicos. "Ficamos três meses sem cantar por causa da enchente. As casas ainda estão vazias, mas o clima é para cima, de reconstrução. Quem canta seus males espanta", afirma o administrador de empresas aposentado José Alberto da Silva.

"Cantamos para voltar às origens, mas a vida continua", diz Helvécio dos Santos Pinto. Ele garante ser sobrinho legítimo de Juca Teles, personagem folclórico local que deu origem até a um bloco carnavalesco. O seresteiro descreve o ilustre parente como um poeta que viveu na cidade até 1962 e que era capaz de compor a partir de coisas simples da vida no interior,

Sob a névoa da madrugada, ao som de dois violões, os seresteiros lembram composições como "Nervos de aço", do gaúcho Lupicínio Rodrigues (1914-1974), e "Meus tempos de criança", do mineiro Ataulfo Alves (1909-1969).

O dono do restaurante, José Roberto da Silva, sai à porta e oferece bebidas. Os seresteiros aceitam apenas água. Abraçado à mulher, Solange Briet, e encostado nos batentes do prédio de 1938 agora totalmente reformado, o comerciante ouve a seresta. No meio fio, um cachorro vira-latas dorme enquanto os músicos cantam.

Os pedidos não cessam e os músicos cantam pelo menos 25 músicas por noite, sem contar as repetições. "A serenata resgata a nossa cultura", diz o comerciante José Roberto Silva. "Passa uma imagem de tranquilidade que pouquíssimas cidades têm."
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