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Notícias / Informática & Tecnologia

Cientista americano quer parceria com colegas na Coréia do Norte

New York Times

Em fevereiro, o bioquímico vencedor do Prêmio Nobel, Peter Agre, 60 anos, tomará posse como o 163º presidente da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS), a maior organização científica do país. Agre é diretor do Instituto de Pesquisa para a Malária da Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health. Nós conversamos em janeiro por duas horas em um cômodo nos fundos do American Visionary Art Museum, em Baltimore (a exposição que ocorre atualmente é "O Casamento da Arte, Ciência e Filosofia") e, mais tarde, por telefone. Segue abaixo uma versão editada da conversa.

Pergunta: Em 2003, o senhor ganhou o Prêmio Nobel de química por sua descoberta dos aquaporins. Do que se trata, exatamente?

Agre: É o sistema de encanamento das células. Cada célula do nosso corpo é composta basicamente de água. Porém, a água simplesmente não fica parada na célula, ela se move de uma forma muito organizada. O processo ocorre rapidamente em tecidos que têm esses aquaporins ou canais de água.

Até 1985, quando meu laboratório descobriu a proteína da qual eles são feitos, os aquaporins não tinham sido identificados. Houve uma controvérsia na biologia por cerca de 100 anos sobre como a água se movia nas células. A suposição era que ela, de alguma forma, vazava através da membrana celular. E, de fato, a água em alguns casos se move dessa forma. Porém, o movimento extremamente rápido da água através das células não podia ser explicado por essa teoria.

Pergunta: Como chegou a essa descoberta?

Agre: Por pura sorte. Tínhamos recursos do NIH (Instituto Nacional de Saúde) para estudar o antígeno do grupo sanguíneo Rh. Desenvolvemos um método para isolar a molécula Rh. Mas uma segunda proteína, chamada de 28K, continuava a aparecer nos testes. Primeiro, pensamos que a 28K era uma parte da molécula Rh – algum tipo de componente do RH, um contaminante presente durante os testes. Porém, à medida que a estudamos mais a fundo, a 28K parecia uma molécula nunca antes descoberta. Nenhum cientista jamais havia relatado sobre ela. Mas o que ela fazia?

Como projeto paralelo nos finais de semana, buscamos resolver essa questão. Calculamos a presença da 28K em diferentes tipos de células. Essa misteriosa proteína era enormemente abundante em células vermelhas e tubos renais. Depois de cloná-la e sequenciá-la, descobrimos que ela estava relacionada a uma séria de proteínas de origens bastante diversas – como o cérebro da mosca da fruta, bactérias, as lentes dos olhos, até tecidos vegetais. Ainda assim, a questão permanecia: o que era aquilo?

Então, em 1992, visitei John Parker (falecido em 1993). Ele havia sido meu professor de hematologia na Universidade da Carolina do Norte. Parker disse: "Amigo, essa coisa é encontrada em células vermelhas, tubos renais, tecidos vegetais; você já considerou que isso pode ser o tão buscado canal de água?" Foi a sugestão dele que me levou a mudar a direção da minha pesquisa. Minha equipe do laboratório depois conseguiu provar que a 28K formava esses pequenos tubos dentro de muitas células e a água passava através deles. Com isso, mais de cem anos de controvérsia científica terminaram.

Pergunta: Por que foi importante aprender isso?

Agre: Porque, uma vez tendo identificado a proteína, temos a possibilidade de manipulá-la. Há a possibilidade de resolver problemas médicos como retenção de fluido em doenças cardíacas, edema cerebral após derrame, até a síndrome dos olhos secos. Isso ainda não aconteceu. Mas realizamos a pesquisa fundamental.

Pergunta: O senhor ficou surpreso em ganhar o Prêmio Nobel por essa descoberta?

Agre: Havia sinais de que isso poderia acontecer. Como ser convidado a ir até a Suécia para dar palestras. Porém, às 5h30 de uma manhã de outubro, meu telefone tocou. "Alô, Professor Agre? Falamos de Estocolmo. O senhor ganhou o Prêmio Nobel de Química. Dentro de uns dez minutos vamos realizar uma coletiva de imprensa e o mundo inteiro irá ouvir – então, é melhor começar logo seu dia". Eu corri para o banho e minha esposa, Mary, ligou para minha mãe, que disse: "Isso é muito bom, mas não deixe que isso suba à cabeça".

Pergunta: Sua mãe disse mesmo isso?

Agre: Ela é uma camponesa da Dakota do Sul, luterana. Eu contei essa história uma vez a um colega judeu, e ele disse: "Minha mãe teria dito: 'Por que o Comitê do Nobel demorou tanto?'"

Pergunta: Agora, mudando de assunto. O senhor considerou concorrer ao senado para a mesma cadeira do estado de Minnesota que Al Franken está buscando. Por que não investiu nisso?

Agre: Porque era um tiro no escuro, apesar de aparentemente viável. Há dois anos, as pesquisas indicavam que Norman Coleman, encarregado do Partido Republicano, teria problemas em se reeleger. Sou democrata por toda a vida, e meu partido, na época, não tinha um candidato – apesar de Franken falar em concorrer.

Cresci em Minnesota. Quatro gerações da família do meu pai estão enterradas lá. Então, a primeira coisa que fiz foi falar com democratas importantes de lá. Eles foram gentis, mas não apoiadores. O que um cientista faz em uma nova área? Fazem um experimento-piloto, que, em política, se chama pesquisa. Nossas pesquisas indicavam que, se eu obtivesse a indicação do partido, poderia ganhar. No entanto, eu teria de levantar dez, vinte milhões de dólares. Sem o apoio entusiasta do pessoal do partido, isso me pareceu impossível.

Pergunta: A Research America, grupo de defesa de Washington, tem tentado fazer com que cientistas concorram a cargos no governo. Isso é realista?

Agre: Ah, isso é possível. Porém, o senado é um lugar muito sofisticado para se começar, a não ser que você seja muito importante ou extremamente rico. Existem outros lugares onde cientistas podem trabalhar: comitês educacionais, conselhos municipais, legislativo estadual, até no congresso. Bill Foster, físico do Fermilab, concorreu a uma vaga no congresso quando Dennis Hastert desistiu do cargo. Leon Lederman (físico ganhador do Prêmio Nobel) nos organizou para apoiar Bill, e ele ganhou.

Durante a gestão do governo Bush, ouvíamos muitas reclamações sobre as políticas envolvendo a ciência. Ficarmos dentro do laboratório não iria mudar a situação. Uma das coisas que gostaria de fazer no senado é trazer um rosto humano para a ciência. Posso fazer isso também este ano, como presidente da Associação Americana para o Avanço da Ciência

Pergunta: O senhor faz parte de um grupo de cientistas que desejam abrir a comunicação com cientistas norte-coreanos. O que tem a nos dizer sobre isso?

Agre: Existe uma equipe tentando organizar visitas científicas à Coreia do Norte. Mesmo durante a Guerra Fria, quando os governos da antiga União Soviética e dos Estados Unidos estavam em conflito, os cientistas mantinham contato.

Acredito que, particularmente com a Coreia do Norte, existem várias razões para que os cientistas façam parte do grupo simpático à volta dos norte-coreanos na comunidade internacional. Vemos isso como uma abertura para realizar algo como o intercâmbio cultural ocorrido com a Filarmônica de Nova York. Então, sim, esperamos fazer a visita ao país. Mas isso ainda está em fase de planejamento.
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