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“Era jovem demais pra suportar a pressão”, diz Ronaldo sobre a Copa de 98

Globo

Ronaldo chegou atrasado para a entrevista. Mas foi por uma boa causa: buscar os filhos na escola. Essa é uma das coisas que ele pretende fazer cada vez mais.

A gente começou no jardim. Mas choveu granizo.

Patrícia Poeta: Vamos fazer dentro de casa que é mais garantido.

Tentamos gravar na sala, um barulhão danado. Depois, no escritório. Bom, cada pedaço dessa entrevista é num lugar da casa dele. Tudo pra fugir dos temporais de fim de tarde, em São Paulo. Sem mais desculpas, vamos ao começo da nossa conversa.

Patrícia Poeta: Que você ia se aposentar, não era novidade para nenhum de nós. O que aconteceu de fato que você parou e disse "é agora, não vai ser semana que vem, não vai ser mês que vem, muito menos no fim do ano". O que você acha que foi o marco decisivo ali?

Ronaldo: Outra lesão. Eu estava treinando, estava com uma dor no adutor esquerdo e de repente a dor foi pro outro lado, pra perna direita, e aí eu cheguei em casa, deu um estalo e eu pensei em realmente tomar essa decisão.

Patrícia Poeta: Nessa volta ao Brasil, você escolheu um casamento profissional intenso, que foi com o Corinthians. Isso acelerou seu relógio? Fez com que você quisesse se aposentar antes da hora?

Ronaldo: Não. Esse casamento, essa relação com o Corinthians só me ajudou. Me trouxe mais de 30 milhões de torcedores pra gostar de mim.

Patrícia Poeta: Você parece ter um carinho muito grande pelo Corinthians.

Ronaldo: O Corinthians é demais. Eu conheci a torcida mais empolgante da história do futebol.

Patrícia Poeta: O Roberto Carlos deu uma declaração dizendo que os protestos da torcida corintiana tinham acabado antecipando a sua aposentadoria. Tem algum fundo de verdade?

Ronaldo: Não, não. Eu não pensei em nenhum momento, acho que os protestos violentos que aconteceram depois da eliminação na Libertadores, eu reprovo, eu recrimino, mas em nenhum momento isso influenciou na minha decisão.

Entre os motivos da decisão de parar, uma disfunção chamada hipotireoidismo, que dificulta a perda de peso.

Patrícia Poeta: Você pretende começar o tratamento logo?

Ronaldo: Vamos ver. Se piorar meu aspecto físico, aí eu tenho que começar urgente.

Antes de conhecer a nova vida do Ronaldo, eu tinha que passar pelo momento mais misterioso da carreira dele: a final da Copa de 98, que Ronaldo jogou depois de ter sofrido uma convulsão.

Ronaldo: Eu lembro que o Leonardo, treinador da Inter de Milão, me chamou pra conversar e ele veio me falar que futebol não era a coisa mais importante do mundo, que uma final de Copa do Mundo eu poderia jogar outras tantas. E eu "esse cara está maluco, falando isso pra mim". Até então eu não sabia que tinha tido a convulsão.

E ele revela, então, que se sentiu sozinho naqueles dias na França.

Ronaldo: Eu acho que eu era jovem demais pra suportar aquela pressão e também não tinha a estrutura em volta pra me proteger daquela pressão toda.

Mas eu estava na casa dele pra falar do futuro.

Patrícia Poeta: Que Ronaldo vai entrar em campo nesse segundo tempo de vida?

Ronaldo: Vou me empenhar para aprender o mais rápido possível essa vida de executivo e de empresário. Temos o Anderson Silva, que é um grande campeão do MMA. A gente está começando com o pé direito.

Pé direito é força de expressão. Anderson Silva venceu a esperada luta contra Vítor Belfort com um golpe de pé esquerdo. Sobre a rotina na agência, Ronaldo brinca.

Ronaldo: Estarei lá, de segunda à sexta, em horário comercial.

Patrícia Poeta: E você pretende morar em São Paulo?

Ronaldo: Eu vou ficar permanente em São Paulo, com a diferença que a partir de agora, como todo cidadão normal, eu terei sábado e domingo pra curtir com a família.

Patrícia Poeta: Coisa que eu não tenho.

Ronaldo: Você não tem.

Patrícia Poeta: Entendo bem isso. Agora deixa eu fazer uma proposta pra você. A casa não é minha , mas eu queria fazer um convite pra você. Dá pra gente dar uma subida? Conhecer o escritório?

Lá em cima, fiz uma brincadeira. Pedi que ele se imaginasse como um comentarista de futebol, um possível colega na TV.

Patrícia Poeta: Vamos imaginar aqui uma cena. O jogador foi lá, driblou um, driblou dois, driblou três, quatro. Quando chegou na cara do gol, chutou pra fora, teve medo de fazer o gol.

Ronaldo: O jogador foi muito egoísta. Driblou quatro jogadores, talvez tivesse outro jogador livre. Na hora de concluir estava cansado e concluiu mal.

Patrícia Poeta: Muito bem. O pessoal aprovou, a equipe já gostou.

Mas ele avisou que, comentarista, só assim, de brincadeira mesmo. Ainda mais agora que ele conseguiu os fins de semana de folga.

Patrícia Poeta: Agora a gente quer saber o seguinte: como é que foram esses primeiros dias de aposentado, aposentado trabalhando numa nova função?

Ronaldo: Eu tive uma semana de paizão, levando as crianças às 7h, que eu acho cedo demais pra mim. E essa foi minha rotina. Algumas reuniões durante o dia e nenhuma atividade física.

Patrícia Poeta: Por enquanto está liberado, né?

Ronaldo: Por enquanto estou me aliviando de toda uma vida estressada e de muita correria, muito esforço físico. Vou descansar um pouco.

Patrícia Poeta: Você gosta de brincar com seus filhos?

Ronaldo: Fico o dia todo numa competição tremenda com eles.

Patrícia Poeta: São quatro competindo.

Ronaldo: São quatro, mas no videogame com o Ronald e o Alex é o dia todo, e é uma rivalidade tremenda.

Patrícia Poeta: E as meninas, as Marias?

Ronaldo: As meninas são incríveis, são carinhosas demais.

Patrícia Poeta: Ela disse que você pintou a unha dela, a Maria.

Ronaldo: Sem o menor jeito, tudo borrado, mas pintei a unha dela.

Patrícia Poeta: Eu vi, valeu o esforço.

Patrícia Poeta: Você parou pra pensar do que você vai sentir mais saudade nas tardes de domingo?

Ronaldo: Eu vou sentir saudade de tanta coisa. Primeiro do ambiente, de estar num grupo de jogadores. É um ambiente muito leve, muito gostoso de conviver.

Patrícia Poeta: Da torcida gritando seu nome?

Ronaldo: Da torcida. Até da pressão. Sentir falta do protagonismo dentro de campo. Vou sentir falta de um monte de coisa. Até de concentração, que eu odeio, odiava, eu vou sentir falta.

Patrícia Poeta: Se você fizesse uma lista com os dez nomes dos maiores jogadores brasileiros de todos os tempos, em que posição desse ranking você botaria o nosso Ronaldo Fenômeno?

Ronaldo: Bom, vamos falar de atacante. O Pelé foi muito superior. Pelé já era moderno na época dele. Eu acho que eu estaria ali entre o segundo e o terceiro.

Patrícia Poeta: Por quê?

Ronaldo: Porque eu, modéstia a parte, fui muito bom no que me propus a fazer, que era fazer gol.

Patrícia Poeta: Ronaldo, obrigada por nos receber na sua casa. A gente espera que a sua nova fase de vida seja fenomenal, pra combinar com seu apelido, cheia de desafios, porque senão não tem graça, mas também com muitas vitórias.

Ronaldo: Muito obrigado, eu espero que sim.
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