Notícias / Ciência & Saúde
Gagueira inspira filme favorito ao Oscar. Saiba mais sobre o problema
R7
O ator Colin Firth é forte candidato a levar a estatueta do Oscar 2011 pela sua atuação no filme O Discurso do Rei, do diretor Tom Hooper, que concorre em 12 categorias. Na história, ele interpreta George 6º, o rei gago que assumiu o trono da Inglaterra depois que seu irmão abriu mão para se casar com a amante norte-americana.
Um dos motivos do barulho em torno do filme é um problema que atinge 1% da população mundial e é cercado de estereótipos – a gagueira.
Trata-se de um distúrbio no ritmo e na fluência da fala e se caracteriza por bloqueios, pausas inadequadas, repetições de sons, sílabas e palavras pequenas, e prolongamentos que rompem a fluência da comunicação.
A pessoa que gagueja tem de enfrentar rupturas frequentes e involuntárias tanto no início da fonação como na transição dos sons e das palavras. E quando ocorre essa ruptura, a retomada nem sempre é fácil – às vezes demora alguns segundos.
Geralmente motivo de piadas, o gago sempre sofreu preconceito por parte da sociedade. Mas especialistas e pessoas que convivem com o problema esperam que, com o sucesso do filme, a gagueira passe a ser encarada como um transtorno que merece atenção.
Há dois tipos de gagueira: a adquirida e a de desenvolvimento. A adquirida pode ser identificada como psicogênica (que ocorre na idade adulta e é consequência de um trauma sério, como sequestro relâmpago ou estupro) ou a neurogênica, que é fácil de identificar e ocorre após um forte trauma na cabeça.
No entanto, a mais comum (e a que é retratada no filme) é a gagueira de desenvolvimento, que afeta 1% da população mundial, surge ainda na infância e tem a genética como base – e é hereditária. Quem sofre com a gagueira, muito provavelmente, tem alguém na família com o problema.
A gagueira é genética, e não psicológica
Um dos principais erros relacionados à gagueira é dizer que a pessoa gagueja porque tem algum tipo de problema psicológico. Segundo Lucia Maria Gonzales Barbosa, neuropsicóloga estudiosa do assunto, “a gagueira tem fundo genético e hereditário”.
– Não há nada de psicológico, por isso, não pode ser tratada por psicólogo.
Ignês Maia Ribeiro, fonoaudióloga especializada no tratamento dos distúrbios da fluência e presidente do IBF (Instituto Brasileiro da Fluência), explica ainda que “o indivíduo sabe exatamente o que quer dizer mas, ao mesmo tempo, é incapaz de dizê-lo devidamente”.
-Todo o problema ocorre no cérebro, que manda comandos motores para a boca fora do tempo, provocando as rupturas na fluência que identificamos como gagueira.
Estudos mostram que o cérebro de uma pessoa que gagueja apresenta alterações no hemisfério direito durante a fala – ao contrário de uma pessoa normal, que tem o lado esquerdo, responsável pela fala, alterado.
Para Ana Maria Schiefer, professora do departamento de fonoaudiologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), “isso prova que, de fato, o problema é orgânico”.
– Há uma predisposição genética.
É por isso que pessoas que gaguejam quando falam não aparentam o problema quando cantam ou interpretam um personagem na TV, teatro ou cinema. A psicóloga Lucia Barbosa explica que “decorar um texto ou soltar a voz cantando aciona outra parte do cérebro, diferente daquela responsável pela fala”.
Ana Maria, da Unifesp, diz ainda que basta mudar a entonação da voz para que a pessoa pare de gaguejar.
- Se o gago falar com sons ritmados, afinar a voz, mudar a entonação, ele provavelmente vai parar de gaguejar.
Apesar de o problema ser genético e hereditário, não se pode desprezar os fatores ambientais. Por razões ainda não conhecidas, situações externas acabam disparando o gatilho da gagueira em pessoas com predisposição genética.
Outro mito bastante difundido é o de que a pessoa é gaga porque é tímida, insegura e tem baixa autoestima. De acordo com Ana Maria, “a pessoa que gagueja pode desenvolver comportamentos secundários, com reações emocionais negativas em função do problema”.
- Depois de passar anos diante de situações frustrantes, a pessoa passa a ter vergonha de falar em público, torna-se mais retraída e insegura. A gagueira causa esses comportamentos, não o contrário.
Veja abaixo os mitos e verdades sobre a doença
Mitos: Verdades:
1- A gagueira é um hábito adquirido ou é psicológico.
1– A gagueira é um distúrbio neurobiológico causado, provavelmente, pelo mau funcionamento de áreas do cérebro responsáveis pela fala. Essa disfunção é resultado de predisposição genética ou de uma alteração na estrutura do próprio cérebro.
2- Pessoas que gaguejam são menos inteligentes.
2– A gagueira não tem nenhuma relação com inteligência. Grandes empresários, músicos, atores, médicos, músicos e escritores convivem com a gagueira. O grande escritor brasileiro Machado de Assis era gago.
3- A criança gagueja para chamar a atenção dos pais e professores.
3– Ninguém gagueja porque quer. Nem mesmo as crianças. É normal que crianças entre dois e cinco anos apresentem fluxo descontínuo da fala, uma disfluência verbal, e com o tempo voltem a falar normalmente.
4- “Ela começou a gaguejar depois que o irmão nasceu”.
4– Gagueira não é psicológica.
5- Susto pode causar a gagueira.
5– Mentira. Essa é uma justificativa freqüente dada, principalmente, por famílias sem muita instrução.
6- Nervosismo, ansiedade, insegurança, timidez e baixa autoestima causam gagueira.
6- Ao contrário. Nervosismo, timidez, insegurança e baixa autoestima são consequências da gagueira em algumas pessoas.
7- Se a criança começar a gaguejar, não se preocupe. Com o tempo passa.
7- Nem sempre a guagueira é passageira. De cada cem crianças, cinco gaguejam em algum momento. Dessas, uma vai apresentar gagueira crônica.
8- A gagueira melhora se a gente diz para a pessoa ficar calma, relaxar, respirar fundo ou pensar antes de falar.
8- Esse é pior conselho que alguém pode dar a quem gagueja. É como se a pessoa não pudesse controlar a própria fala ou não soubesse o que falar, o que não é verdade. O monitoramento da fala só piora a gagueira.
9- Todo gago é nervoso, tenso.
9- Muitas pessoas que gaguejam tornam-se nervosas se tiverem passado por muitas situações constrangedoras devido ao seu transtorno.
10- “Ele gagueja só para me irritar”.
10– Ninguém gagueja por que quer.
11- Todo gago tem tique nervoso.
11– Afirmar que todo gago tem tique nervoso é outro estereótipo criado pela sociedade.
12- Se uma pessoa com gagueira consegue cantar sem gaguejar, então ela gagueja porque quer.
12– Cantar ou interpretar ativam partes do cérebro distintas da área responsável pela fala.