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Marcos e Rogério Ceni, os últimos românticos do futebol

GLOBOESPORTE.COM

Estádio Palestra Itália, 17 de janeiro de 1993. Palmeiras e São Paulo jogam pela Copa São Paulo de juniores. Ali surge uma relação de amizade e rivalidade sadia entre dois goleiros que se tornaram ícones de seus clubes. Marcos, pelo Verdão, e Rogério Ceni, pelo Tricolor, duelam há 18 anos.

- Desde o antigo Campeonato Paulista de aspirantes - diz o goleiro palmeirense.

- Não, senhor! O primeiro jogo foi em uma Copa São Paulo de Futebol Júnior. Terminou empatado em 1 a 1, nós passamos de fase e acabamos campeões – corrige o camisa 1 são-paulino, sorrindo orgulhoso da memória privilegiada.

- Desde o começo dava pra ver que o Rogério era diferente – elogia Marcos.

- Foi ali que começou essa longa caminhada de duelos. Uma pena que ele tenha se machucado tanto, poderíamos ter nos enfrentado muito mais – emenda Rogério.

Como se vê, o que poderia ser uma grande rivalidade se tornou uma das maiores e mais antigas amizades do futebol brasileiro. Nesta segunda-feira (21), os dois se reencontraram no “Bem, Amigos”, no SporTV. Durante os intervalos e depois do programa, conversaram com o GLOBOESPORTE.COM sobre a origem dessa relação. Relembraram e revelaram detalhes dessa relação de respeito e admiração mútuos.

Durante a Copa do Mundo de 2002, por exemplo, Marcos ia até o quarto de Ceni para “roubar as bolachinhas diferenciadas”. Fã de rock, o são-paulino, além de sofrer com os “furtos” de biscoito, padecia diante da trilha sonora sertaneja adorada pelo palmeirense. Todo dia ele colocava para tocar a mesma música, “Vestido de Seda”, de Teodoro & Sampaio. Ceni respondia no violão – em um dos intervalos do “Bem, Amigos”, por exemplo, pegou o violão do cantor Rodrigo Rios e dedilhou “Wish You Were Here”, do Pink Floyd, e “Knockin’ On Heaven’s Door”, escrita por Bob Dylan e consagrada pelos Guns N’ Roses. Marcos não perdoou:

- Desde que eu me conheço por gente, o Rogério toca as mesmas músicas!

O palmeirense chegou à sede da Rede Globo 40 minutos antes do “Bem, Amigos”. Trouxe um sobrinho e andou pela emissora com passos lentos, parando para “prosear”. Entrou no estúdio pedindo um cafezinho – bem doce. Ainda beberia outros dois nos intervalos. Marcos é completamente viciado em café. Já tomou até durante um jogo da Libertadores, contra o The Strongest, da Bolívia, em 2000, no Palestra Itália.

Rogério Ceni chegou em cima da hora. Entrou no estúdio segundos antes de subir a vinheta de abertura. Mas fez questão de cumprimentar o velho amigo antes de qualquer coisa.

Os dois parecem ser os últimos românticos do futebol. Exemplos de identificação com a torcida, bandeiras de seus clubes, ídolos incontestes. Rogério é titular do São Paulo desde o fim de 1996. Marcos se firmou durante a Libertadores de 1999. Uma série de lesões acabou fazendo com que o número de jogos de Marcos pelo Verdão fosse bem menor que o de Rogério pelo São Paulo – 509 contra 963.

Os dois conquistaram uma Libertadores cada. Rogério Ceni ganhou um Mundial de Clubes no Japão, em 2005. Marcos foi vice – falhou no gol da vitória do Manchester United, em 1999. Redimiu-se três anos depois, como titular da Seleção. Ceni era reserva, assim como Dida. Marcos diz que foi a “concorrência sadia” com esses dois que fez com que crescesse na carreira.

- Eu era o titular do Palmeiras, o Rogério do São Paulo e o Dida do Corinthians. A gente concorria nos clubes, entre aspas, claro, e se ajudava na Seleção. Isso é amizade, cara.

- O Dida, na verdade, a gente conhece desde aquela nossa primeira Copa São Paulo, em 1993. Ele era do Vitória – emenda Rogério.

O são-paulino é oito meses mais velho – fez 38 anos em janeiro e já completou duas décadas de clube. Marcos chega em agosto aos 38 anos, 18 deles dedicados ao Palmeiras. Ele já avisou que esta deve ser sua última temporada como jogador. Ceni diz que ainda tem lenha pra queimar. A meta no curto prazo é chegar ao centésimo gol – está com 98. Marcos torce pelo amigo, com uma ressalva:

- É um feito histórico para um goleiro. O Rogério conseguiu se destacar num fundamento em que quase ninguém dava bola. Só espero que o centésimo não seja contra o Palmeiras.

- Eu nem faço questão que o centésimo seja num clássico. Essas coisas você não programa. Elas simplesmente acontecem. Uma hora vai sair – emenda Ceni.

Os dois se divertem com a imagem de “monstros sagrados” que carregam em seus clubes. O principal jogador de linha do São Paulo na atualidade, o meia Lucas, nem tinha nascido quando Rogério chegou ao Tricolor – e o reverencia nas entrevistas.

Novos tempos: Internet, Twitter...


Os dois goleiros também veem com espanto como o futebol profissional mudou desde que começaram a jogar.

- Hoje, qualquer garoto da base já tem empresário, assessor de imprensa. Mas não acho isso ruim, acho importante. Eu negocio os meus contratos até hoje. Só tive empresário durante uma época, mas meu primeiro contrato e meu último quem negociou fui eu – diz Marcos.

- O futebol mudou muito mesmo, acho até que mais fora de campo do que dentro. E a gente foi se adaptando – emenda Ceni.

Uma das “novidades” que não seduziu os goleiros é o Twitter. Marcos, que mal sabe mexer no celular e nem tem e-mail, já viu de perto que a ferramenta, quando mal utilizada, pode ser um perigo.

- O Felipão, quando chegou, disse no vestiário que, se visse qualquer coisa interna sendo falada no Twitter, afastaria o jogador. Ainda bem que eles acabaram se entendendo depois.
Rogério tem um site pessoal bem produzido - http://www.rogerioceni.com.br/ - mas reluta em entrar no Twitter ou no Facebook, por exemplo.

- Sou muito antiquado.

O que espanta mesmo a dupla é a fama, que parece só aumentar.

- Quando nós começamos a jogar, não existia um programa como este (“Bem, Amigos”), não existia TV a cabo, não existia internet. Hoje, a gente chega a todos os cantos do Brasil – diz Rogério.

- Nada é mais gostoso do que o carinho do torcedor – finaliza Marcos.

Carinho que ambos, naquele longínquo dia 17 de janeiro de 1993, não imaginavam que um dia viriam a receber.
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