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Cadastro nacional completa três anos com mais de 3 mil adoções

G1

Em três anos, 3.015 adoções, quase três por dia. A marca, alcançada pelo Cadastro Nacional de Adoção, criado em abril de 2008, surpreende e faz a principal ferramenta para unir pretendentes a pais às crianças que aguardam uma família no Brasil ser considerada um avanço na área da infância e juventude.

“Antes não havia nada. Não havia uma relação de crianças disponibilizadas para adoção. Também não havia um cadastro de candidatos elencados em todo o Brasil. Isso gerava um transtorno porque eles tinham que percorrer comarca por comarca levando sua carta de habilitação e às vezes tendo que se submeter a um processo iniciado do zero”, diz Maria Bárbara Toledo, da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Angaad).

A presidente do Grupo de Apoio à Adoção de SP (Gaasp), Mônica Natale, lembra bem dessas dificuldades. Há oito anos, foi a 25 cidades diferentes fora do estado de São Paulo para tentar acelerar o sonho de ser mãe. Um ano após a peregrinação, obteve resultado: conseguiu adotar um menino, ainda bebê, no Rio Grande do Sul. Alberto tem hoje 7 anos.

Após a implementação do cadastro de forma efetiva nos 26 estados há cerca de dois anos, Natale, que tem 45 anos e é tecnóloga em construção civil, decidiu dar um irmão ou uma irmã a Alberto. Sem sair de casa, recebeu uma chamada de Minas Gerais. Era o prenúncio da chegada de Bruna, hoje com 1 ano e 8 meses, que passou a fazer parte da família em dezembro de 2009.

“Eu tenho a absoluta certeza de que o cadastro facilitou a vida de todos. Ele evita a chamada adoção à brasileira e permite que toda a equipe que trabalha nas varas da infância tenha acesso aos dados. No Paraná, há o caso de um juiz que foi à procura de pais para cinco irmãos. Não havia nenhuma expectativa de conseguir esse perfil em Cascavel, mas uma família de fora do estado estava aberta a essa opção no cadastro e a aproximação foi feita com sucesso. É um exemplo emblemático”, afirma a diretora-adjunta da Coordenadoria da Infância e Juventude da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Maria Roseli Guiessmann.

Apesar dos avanços, nem tudo é motivo para comemoração. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) obtidos pelo G1 mostram que existem hoje 4.513 crianças cadastradas aptas à adoção. Nos abrigos, a estatística oficial aponta 29.144, mas o número pode ser ainda maior. E apesar de haver 26.820 mil pretendentes no cadastro, o abismo que os separam das crianças e adolescentes ainda é enorme. Mais de 30% das crianças disponíveis aguardam um futuro lar nessas instituições junto com seus irmãos, enquanto menos de 20% dos pretendentes estão abertos a levar para casa mais de um filho.

Segundo o CNJ, São Paulo é o estado com mais crianças cadastradas (1.198) e pretendentes (6.936). Amapá e Piauí não têm nenhuma criança no cadastro (apesar de possuírem mais de cem em abrigos).

“O cadastro está funcionando, sim, mas não da forma que deveria. Depois de ele implantado, descobriu-se que o processo não andava tão mais rápido porque nem todas as crianças estavam no cadastro, apesar de todos os pretendentes estarem lá. Se for pegar o dado atualizado, há muitas crianças e muitos adolescentes que não estão no perfil que a maioria deseja. E esse número não muda”, diz Natale.

“De fato quando se faz o diagnóstico do número de crianças disponibilizadas comparando com as que estão nos abrigos, é possível ver que há algum nó, algum equívoco, algum mistério não revelado”, diz Toledo.

Problemas de estrutura
O problema, na maior parte dos casos, diz respeito à não destituição do poder familiar. No cadastro só são incluídas as crianças e adolescentes que já não possuem mais vínculo algum com os pais. Para isso, é preciso que tenha sido dada uma sentença e que ela tenha transitado em julgado (ou seja, que não seja mais possível recorrer dessa decisão), o que pode fazer com que os casos se arrastem por anos.

A demora nos julgamentos acontece, muitas vezes, por falta de estrutura, reconhece o juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça. “Falta estrutura material e humana nas varas de infância e juventude. Faltam psicólogos, assistentes sociais, pedagogos e outros profissionais para as equipes interdisciplinares. O numero é irrisório para atender a demanda, o que atrasa o processo, porque o juiz necessita do auxilio dos profissionais”, afirma Lupianhes Neto.

Segundo a nova lei de adoção, de novembro de 2009, a permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional não deve se prolongar por mais de dois anos, “salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pela autoridade judiciária”.

Nos últimos meses, foram feitas em todo o país as chamadas audiências concentradas nos abrigos. Lupianhes Neto estima que até 30% das crianças abrigadas tenham voltado para as famílias de origem. “Se elas forem reintegradas e ali conseguirem se desenvolver satisfatoriamente, dignamente, é o desejado por todos. A adoção tem de ser a última opção, a exceção. O ideal é que a criança conviva na sua família”, diz.

Toledo afirma, no entanto, que o número esconde uma realidade perversa. “Muitas vezes em que se coloca uma criança de volta à família, o numero baixa, mas depois volta a crescer. A tentativa de reintegrar nem sempre dá certo. O que se precisa entender é que a criança não pertence à família biológica, ela pertence àquela família capaz de amar mais, cuidar mais.”

Perfil

Um problema que ainda persiste quando o assunto é adoção é a falta de sintonia entre as preferências de quem quer adotar e a realidade dos abrigos. Dados do CNJ mostram, por exemplo, que apenas 1/3 das crianças aptas no cadastro são brancas. O índice dos que só aceitam crianças brancas, entretanto, ainda é alto: 37%.

Natale, do Gaasp, diz que há um trabalho sendo feito para mudar essa posição dos pretendentes e que ele tem dado resultado. No ano passado, segundo ela, o grupo fez um acompanhamento de 14 adoções feitas em São Paulo. Seis famílias mudaram o perfil desejado de início. “Ou queriam um bebê e adotaram um maior, ou queriam um branco e adotaram uma criança parda ou negra, ou queriam um e adotaram irmãos. Três preencheram o cadastro após ir ao grupo, o que já fez eles entrarem abertos às opções. Só cinco mantiveram a posição inicial.”

“A gente vem trabalhando para trazer o filho desejado o mais próximo possível do filho real. E a gente tem que trabalhar o porquê daquele perfil. Muitas vezes os pais querem uma criança que se pareça com eles para não contar para ela. Quando eles percebem que se essa mentira for escondida, um dia a criança vai descobrir e, se isso ocorrer na adolescência, mina todo o relacionamento, muda essa mentalidade.”

Ela conta que, no seu caso, a única exigência ao adotar a segunda criança é que ela fosse mais nova que o outro filho, prestes a fazer 6 anos. “A gente só queria mais nova para ele não se sentir enciumado. A gente dizia que ia chegar um irmãozinho que ele ia ensinar a jogar videogame ou uma irmãzinha e que ele ia ser o ajudante.”

A adoção tardia e de grupo de irmãos ainda são as mais difíceis. Isso porque apenas 17% dos pretendentes aceitam adotar mais de uma criança. “É difícil, mas não impossível. Isso acontece porque as famílias estão preparadas financeiramente para um filho. É até desonesto falar em preconceito. As famílias na verdade estão sendo responsáveis, têm um planejamento. E quando acontece essa adoção é porque os pais se apaixonam mesmo pelo grupo de irmãos”, afirma Toledo.

Exemplo disso é o caso do economista Marcelo Monteiro, de 42 anos, e da mulher Luciana, de 40. Os dois decidiram se tornar pais muito tarde e não conseguiram ter um filho biológico. Ao optarem pela adoção, ficaram logo com três, todos com mais de 1 ano de idade.

“Eu e minha mulher trabalhamos o dia todo e já não queríamos bebê. Eu não queria ficar à noite acordado, com bebê chorando. A gente queria conversar com a criança, interagir com ela. Mas nós pretendíamos adotar filhos menores de 6 anos. Com o tempo, passamos a frequentar a ONG Quintal de Casa de Ana e fomos mudando o perfil.”

Monteiro diz que foi convidado a conhecer três crianças em um abrigo, um menino então com 3 anos, uma menina com 8 e um outro garoto com 10. “No primeiro momento, a gente já se identificou com as crianças e elas com a gente. É por isso que eu falo para as pessoas esqueceram essa questão de perfil. Elas têm que se dar o direito de conhecer a criança. Porque a criança ideal não existe. Já a real vai rir com você, se divertir no momento em que estiver lá.”

Dois anos depois da adoção, e de uma mudança total na vida do casal, o economista diz que o fato de eles serem irmãos só ajudou. “Acabou facilitando o processo de integração porque um ajudou o outro nessa nova realidade, nessa nova família. Foi um processo de transição sem que eles se sentissem isolados.”

Monteiro conta que, agora, o que existe é uma “relação de troca” e de “cumplicidade”. “Eles nos fazem felizes e a gente tenta fazer o mesmo.”
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