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Notícias / Meio Ambiente

Vestindo resíduos descartados de uma semana

Da Assessoria

Jornalista paulistano de 36 anos se deu conta que a quantidade de lixo que produzia era muita. Percebeu ainda que uma pessoa, com bom senso, pode guardar uma embalagem de chiclete ou de bolacha no bolso até chegar à lixeira mais próxima nas ruas. Como sujar as vias não é sua opção, o comunicador Peri Pane aliou sua veia artística, que já atua com a banda de rock alternativo Odegrau, para se vestir de lixo em uma performance que mostra o quanto de resíduos é descartado.

Em 2003, Peri compartilhou a ideia com a amiga Marina Reis, artista plástica e figurinista. Ela o ajudou a criar o parangolixo-luxo, um sobretudo de plástico transparente com diversos bolsos, como uma capa de chuva. A roupa foi desenvolvida em homenagem aos parangolés, obra feita pelo artista Hélio Oiticica, que atuou como pintor, escultor, artista plástico e performático com aspirações anarquistas e responsável nos anos 1960 por essa obra conhecida como capas, estandartes, bandeiras para serem vestidas ou carregadas por participantes de alguma ação. Com esse figurino diferenciado, surgiu o Homem Refluxo, que reunia os resíduos descartados de uma semana.

Na primeira performance, o jornalista gravou um minidocumentário como Homem Refluxo. A atitude surtiu efeito: o SESC Vila Mariana abriu uma exposição multimídia para a exibição dessa produção, que também participou em diversos eventos e mostras, como o Festival de Cinema de Porto Alegre, de 2004, e o Cineamazônia, realizado em Rondônia em 2005. Três anos depois da primeira experiência paulistana mudou-se com a esposa para Barcelona (Espanha) e levou o traje do Homem Refluxo na bagagem. Lá, o fotógrafo alemão David Rusek, colega de república, sabia das performances de Peri e informou sobre uma convocação de uma exposição. “Era de um festival chamado Drap Art, que só reunia artistas que mexiam com lixo. Tinha tudo a ver com o Homem Refluxo”, conta. Aceito para apresentar sua arte, Peri contou com a participação de sua esposa, Renata Caos, tornando-se a Mulher Refluxo. Essa exposição contou com fotos das andanças do casal pela cidade publicadas no jornal El País e na TVE (Televisión Española).

Sua temporada na Europa levou nove meses. Retornou ao Brasil no início do primeiro semestre de 2007. À convite da organização do Napoli Teatro Festival Italia, em 2009, o casal voltou para Europa por conta de uma gravação de outro documentário. Dessa vez a cidade italiana seria sede do evento. “Deu pra me virar com o italiano macarrônico que aprendi em algumas aulas antes de partir”, brinca Peri sobre o vídeo produzido inteiramente no idioma local. Ao final dos sete dias guardando os resíduos, o parangolixo-luxo e o vídeo foram expostos durante 15 dias no Pallazzo delle Arti Napoli (PAN). No mesmo ano ele apresentou junto com a cantora Anelis Assumpção, por um ano, o programa Ecoprático, resultando em uma temporada de 12 episódios veiculados na TV Cultura.

O idealizador do Homem Refluxo percebe o potencial do personagem como educador ambiental. Já deu palestras para crianças, participou de outras intervenções urbanas e fundou a TV Reflux, uma ideia conjunta com o amigo Luis Dávila que resolveram levar para internet em formato televisivo reportagens relacionadas com sustentabilidade e ecologia. Acompanhe abaixo a entrevista cedida ao Setor3 sobre as andanças e os próximos passos do Homem Refluxo.

Portal Setor3- Quando você saiu pela primeira vez às ruas como Homem Refluxo, registrado no vídeo “Homem Refluxo em São Paulo – 2003”. Como foi essa experiência? Qual foi a reação da família, dos colegas de trabalho e aconteceu algum fato curioso?

Peri Pane: Essa foi a primeira vez que fiz a performance. No começo foi engraçado, porque, embora São Paulo seja uma cidade muito fria, louca, onde as pessoas nem se importam muito, elas passavam olhando. Causou certo estranhamento entre os pedestres. Depois de um tempo, alguns entenderam a proposta logo de cara, já outras pensavam que eu estava vendendo algo. Algumas catadoras de latinha adoraram a capa e queriam saber onde podiam comprar por precisarem de uma igual. Outras deram conselhos para eu parar de fumar, por notarem a quantidade de maços de cigarros pendurados. Houve um pastor que veio conversar comigo e me questionou pela quantidade de latinhas de cerveja. Com a capa parangolixo-luxo, as pessoas podem ver meus hábitos do dia a dia. Algumas me perguntaram para onde ia o lixo mental. Não sabia o que responder (risos).

Portal Setor3- Notei que você produziu mais lixo nos sete dias em Nápolis, que o mesmo período em São Paulo. Qual o motivo? Que diferença, em relação aos brasileiros, você percebeu quanto à recepção, à reação e às opiniões omitidas sobre a performance?

PP: Em Barcelona, a questão do lixo é bem mais evoluída. Eles têm um sistema de tratamento e coleta seletiva já há algum tempo. Há uma consciência e a sociedade é educada sobre esse tema. Em Nápoles é um pouco como São Paulo. É tudo uma bagunça, uma zona. Eles ainda estão começando a se achar nesse ponto. A diferença é que, em Nápoles, eles são muito mais abertos. É um povo muito expansivo, muito extrovertido. Todos vinham conversar comigo na rua, o tempo todo. Se em São Paulo a coisa é meio fria e as pessoas ficam um pouco acuadas, lá é o contrário. Elas chegam junto mesmo e conversam, uma experiência interessante. O povo daquela região da Itália é bem receptivo e, comparando com o Brasil, é o equivalente ao povo do Nordeste. Eles têm essa questão do lixo um pouco mais resolvida, apesar de serem mais consumistas e gerarem mais resíduos. Acredito que a quantidade de lixo consumida no Brasil e na Europa foi parecida. Lá, principalmente em Nápoles, é diferente por ser um lixo de viagem. Quando você não mora no lugar e só está de passagem, come muito na rua e talvez eu tenha gerado um pouco mais de lixo.

Portal Setor3: Como será sua participação na Virada Sustentável, que acontece em São Paulo nos próximos dias 4 e 5/6? Alguma mudança nas perfomances? Como surgiu a oportunidade?

PP: Surgiu de uma parceria com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) e o Vitae Civilis, duas ONGs ligadas ao direito do consumidor e meio-ambiente respectivamente. Eles têm um projeto chamado Clima e Consumo em São Paulo, que viabilizou a experiência reflux com minha performance na Virada. Como as demais experiências, serão sete dias coletando e guardando o meu lixo. A única diferença é a ajuda de mais seis pessoas que farão essa ação comigo, no mesmo período. A cada dia vou visitar uma delas para mostrar a evolução do armazenamento. No penúltimo dia, um sábado, a gente se reunirá no Parque do Ibirapuera. O desfecho será no dia seguinte, no Parque da Água Branca. Vamos iniciar a coleta do lixo no dia 30/5 e continuar isso durante a semana. De segunda a domingo, vamos participar de algumas intervenções pela cidade, em regiões da subprefeitura da Lapa, zona oeste de São Paulo, que falam sobre o clima e o consumo para mostrar essa relação de como o que consumimos pode impactar o clima.

Portal Setor3 – Qual a situação atual e os planos ao Homem Refluxo? Poderia dar alguns detalhes sobre as últimas performances – se aconteceram mesmo? E sua participação em eventos?

PP: Depois da Virada Sustentável, com certeza faremos uma exposição grande, mas ainda não sei onde vai ser. Vai ser itinerante com as sete roupas usadas. Outra coisa bem legal que conseguimos com o IDEC e o Vitae Civilis foi a oportunidade de fazer palestras em bibliotecas, com várias crianças. Vimos o potencial do Homem Refluxo como um educador ambiental. Pretendemos fazer ainda uma exposição itinerante com esse caráter e dialogar com as crianças para desenvolver um projeto de levar isso para as escolas. Homem Refluxo com a as crianças é algo que queremos muito realizar. Temos planos de tocar a TV Reflux, com muitas matérias sobre várias coisas ligadas ao tema da sustentabilidade, sempre pela internet. Por último, algo que ainda estamos elaborando para o Homem Refluxo, é o Câmeraflux, que pode ser qualquer pessoa. Ainda não fizemos o vídeo para explicar como isso funciona, mas é o seguinte: você veste um saco de lixo e se transforma no Câmeraflux. A pessoa pode estar em qualquer parte do mundo fazendo matérias sobre sustentabilidade ou sobre alguma iniciativa interessante, como um evento na cidade onde mora ou alguma crítica que faz, para depois publicar na TV Reflux.

Portal Setor3- Para finalizar nossa conversa, o que acontece com todo o lixo parangolixo-luxo depois das performances?

PP: O lixo fica dentro da roupa mesmo, que armazeno dentro de uma sacola, daquelas grandes. O primeiro lixo, o de 2003, ainda está comigo e tem oito anos de idade. Uso a mesma roupa desde a primeira vez, em algumas exposições e palestras, além das entrevistas da TV Reflux. Ess lixo coletado na Europa ficou lá com as respectivas roupas. Uma delas ficou em Barcelona, numa galeria chamada La Carboneria. A outra roupa, de Nápolis, ficou na sala do diretor do festival, que gostou tanto do resultado final que colocou num manequim e está exposta permanentemente.
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