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Sem leis específicas, gays garantem direitos em batalhas na Justiça

G1

Na falta de leis específicas, casais homossexuais conquistaram direitos graças a batalhas na Justiça. Das principais garantias, apenas uma é resultado da legislação, indireta, e grande parte apenas poderá começar a ser exigida graças à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que alterou a interpretação do conceito de família em maio.

Nesta semana, casais homossexuais de São Paulo e do Distrito Federal conseguiram converter uniões estáveis em casamentos graças a decisões judiciais. A medida é um dos alvos das oito propostas que tramitam na Câmara.

“Com certeza há uma omissão legislativa, perversa, preconceituosa, discriminatória. Os projetos de lei estão completamente engavetados”, critica a advogada Maria Berenice Dias, pioneira em direito homoafetivo no país e hoje defensora da causa.

“Falta lei prevendo direitos. Não há uma lei que reconhece a união homossexual, todos os direitos foram alcançados pela Justiça”, complementa Sylvia Maria Mendonça do Amaral, também especialista no tema.

Segundo Maria Berenice, a única lei que especifica hoje um direito a casais homossexuais é a Lei Maria da Penha, criada para punir a violência doméstica contra as mulheres, mas que contém um artigo referindo-se especificamente a um direito homossexual. O restante são atos normativos e resoluções, que não são resultado do trabalho do Congresso Nacional. "A maioria dos direitos homossexuais tem origem em decisões judiciais", diz a advogada.

União civil x Casamento civil
Pela decisão da Suprema Corte, que tem efeito vinculante, ou seja, deve ser cumprida por todos os tribunais do país, a família não pode ser mais entendida como um casal formado apenas por um homem e uma mulher. Mas a decisão não acabou com a dúvidas sobre se a união civil poderia ser convertida em casamento civil, como era possível nas uniões heterossexuais.

“O STF reconheceu a união civil. Mesmo assim, havia uma barreira sobre se podia ser convertido em casamento. Nesta semana, essa barreira também foi vencida”, diz Berenice, referindo-se à conversão de duas uniões estáveis em casamentos civis, uma entre homens em Jacareí (SP) e outra de lésbicas no Distrito Federal.

O trâmite, segundo ela, é o mesmo em relação aos casamentos civis entre heteros, mas era dúvida justamente por depender da interpretação do que o Supremo decidiu. Para a advogada, os novos casamentos não significam apenas que essa etapa foi vencida, mas que mais de cem outros direitos garantidos somente a casais heterossexuais devem ser equiparados em novas decisões judiciais.

Ainda assim, para especialistas, a falta de leis ainda pode permitir distorções, como a decisão de um juiz de Goiás, que negou a união estável de um casal homossexual mesmo após o entendimento do Supremo. “Ainda há adversidades para os casais. Até para adoção o Judiciário tem que se manifestar”, diz Sylvia.

Chyntia Barcelos, presidente da Comissão de Direitos Homoafetivos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Goiás, considera que a falta de legislação pode permitir a permanência do preconceito. “Como os homossexuais geralmente são os que não fazem exigências, pode ser que ainda sejam colocados no fim da fila da adoção”, afirma. “É necessário uma lei para regulamentar essas questões.”

Congresso
Após a decisão do Supremo, duas propostas sobre o tema foram protocoladas na Câmara, onde tramitam oito projetos de lei para conferir direitos aos homossexuais. Um deles, o PDC 232/2001, do deputado André Zacharow (PMDB-PR), que não começou a tramitar, propõe um plebiscito com a seguinte questão: “Você é a favor ou contra a união civil de pessoas do mesmo sexo?”. O outro, PDC 224/2001 do deputado João Campos (PSDB-GO), pede que seja cancelada a decisão do STF.

“Eu diria que o Congresso é mais que omisso nesta questão, o Congresso age deliberadamente para impedir estes direitos, a maioria age neste sentido", diz o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ). "Quando digo maioria, incluo a bancada evangélica e aqueles deputados que temem represálias nas eleições."

O deputado disse ainda que está recolhendo assinaturas para a proposta de emenda à Constituição (PEC) do Casamento Civil, apresentada por ele. “O único jeito de mudar isso, de fazer o Congresso responder, é uma pressão externa da sociedade, de fora para dentro, como foi com o movimento Ficha Limpa. Só isso fará com o que os deputados que têm medo se posicionem a favor ou contra publicamente”, afirmou.

'Caráter religioso'
Para o deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), que já foi presidente da Câmara dos Deputados, é difícil tratar o tema no Congresso porque envolve "polêmicas de caráter religioso".

Quando Rebelo presidia a Câmara, a proposta que criminaliza a homofobia, que agora é discutida no Senado, chegou a ser aprovada em uma comissão da Casa.

"Há muitas propostas na Câmara que não andam, como aborto, a violência contra homossexuais e muitas outras. Há em torno dessas matérias convicções religiosas, morais, de costumes."

"Uma parte dos parlamentares tem muita dificuldade em tomar posição, que envolve polêmicas de caráter religioso, caráter moral", completou o deputado. Rebelo concorda, porém, de que há omissão do Congresso em relação ao tema.
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