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Gilberto Silva aplica o 'estilo mineiro' no comportamento em campo

Globo Esporte

No século XVI os bandeirantes arriscaram-se rumo ao oeste brasileiro, desbravando regiões inóspitas. Abriram caminhos que levaram ao coração do país, na gênese do que se tornaria, muitas décadas depois, o estado de Minas Gerais.

Lá nasceu, há 34 anos, Gilberto Silva. Mineiro, da cabeça aos pés. Discreto, humilde, concentrado no trabalho, dedicado e tranquilo. Características facilmente observadas durante seus dois primeiros jogos com a camisa 3 do Grêmio.

Em campo, Gilberto Silva mantém fidelidade ao estilo mineiro com o qual sabe preservar a família, separando as vidas particular e pública. Movimenta-se com elegância, sem arroubos de fúria, sem gestos ostensivos, sem gastar as cordas vocais exasperando-se de qualquer forma.

Gilberto Silva também lembra os bandeirantes, pioneiros de Minas Gerais, quando tem a bola aos pés. Desbrava caminhos obstruídos, encontra novas trilhas, e apresenta aos companheiros os atalhos por onde a bola pode estabelecer trajetória livre de interceptações.

Mineiro sem a bola, Gilberto Silva joga em pé. Combatendo de forma limpa, executou 11 desarmes em 180 minutos, 7 deles considerados roubadas de bola clássicas - em contato direto com o oponente. Cometeu apenas 7 faltas, e sofreu outras três.

- Sou mineiro mesmo, sei separar o profissional e o pessoal. O lado público é meu trabalho, não tem como esconder, mas no pessoal eu sou mais reservado. Isso é bem mineiro, ser reservado, sem alvoroço - explicou, para completar:

- Na base do América tive dois treinadores que me passaram muitas coisas sobre esse tipo de comportamento em campo, o Edson Gaúcho e o Ricardo Drubscky, em pouco tempo. O Edson me dizia que um zagueiro - e eu jogava na zaga - deitado é um homem morto, não tem como se recuperar. E o Ricardo também dizia isso, dava atenção a este fundamento. Ficar em pé para dar combate às vezes não é fácil, mas procuro sempre visar à bola. Parar um contra-ataque sem falta dá uma dinâmica maior à equipe.

Este capricho de Gilberto Silva se torna ainda mais significativo quando se percebe que ele teve a carreira na base interrompida. Com apenas 16 anos chegou ao América-MG, sob comando de Edson Gaúcho, mas cinco meses depois voltou a Lagoa da Prata, para trabalhar durante dois anos e meio em uma fábrica de doces ao lado do pai.

Com 19 anos Gilberto Silva retornou ao América-MG, já com Drubscky de treinador, na transição dos juniores aos profissionais. Interrompeu o processo de aprendizado, mas parece detentor de um talento inato para desempenhar as atribuições do volante moderno.

Bandeirante com a bola, Gilberto Silva fez sucesso durante seis anos no inglês Arsenal, integrando a geração dos 'invencíveis' campeões de 2004 - ao lado de Bergkamp, Ljungberg, Henry e Pires, entre outros. Valorizar o bom passe, a precisão na transição ofensiva após executar o desarme limpo, foi importante para o jogador brasileiro se adaptar rapidamente ao futebol europeu.

- Na minha posição o passe é fundamental. Não adianta roubar 15 bolas e entregar 10, teu esforço seria em vão. Tem que procurar o máximo de acerto senão precisa correr atrás de novo. Na Inglaterra um zagueiro me perguntou porque eu não levava cartão - e eu passei uma temporada inteira sem ser advertido (a primeira dele) - e eu disse que era porque eu jogava em pé. Isso somou muito, foi importante, me ajudou bastante na Inglaterra. É um futebol rápido, competitivo, dinâmico. Tive a felicidade de entrar em um time qualificado, onde o acerto de passe era fundamental.

E no Grêmio, os torcedores estão assistindo ao mesmo Gilberto Silva dos tempos de Arsenal, e da Seleção Brasileira, cuja camisa amarela defendeu em 115 partidas durante uma década. Em dois jogos, executou 67 passes, e errou apenas 4 - índice de 94% de acerto. Somadas aos desarmes, as entregas bem sucedidas de bola aos companheiros ajudaram o Grêmio a ter maior posse de bola nos dois confrontos, derrota para o Cruzeiro e vitória sobre o Coritiba, com gol dele.

Um êxito que chega a surpreender Gilberto Silva. Afinal, ele passou nove anos atuando na Europa, e não esperava se mostrar readaptado ao futebol brasileiro em pouco tempo.

- Estou surpreso com esses dois jogos, não esperava ter essa resposta. Mas o Brasileiro é longo, é difícil, nem sempre conseguirei manter esta regularidade. Estou feliz com meu princípio no Grêmio. Senti que no Brasil a maior dificuldade ainda está nos gramados, que são mais secos, altos e fofos, isso tira um pouco a velocidade do jogo, dificulta o passe e o domínio - afirmou.

Nesta quarta-feira a família chegou a Porto Alegre. Gilberto Silva assinou contrato de um ano e meio com o Grêmio, após três temporadas no grego Panathinaikos, e após a disputa da Copa do Mundo de 2010 pela Seleção Brasileira. Está feliz com o novo momento, com a receptividade dos gremistas, e com as perspectivas lançadas pelas suas atuações iniciais.

- Estou animado com este retorno, é um recomeço voltar ao Brasil, um desafio. Quero dar sequência ao que vinha fazendo. Estou gostando de tudo, do clube, da cidade. É um início positivo, que ajuda a se readaptar aos poucos.
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