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'Ela era a vítima', diz promotor que pediu absolvição de mulher em PE

G1

A absolvição pelo júri popular de uma mulher de 44 anos, acusada de mandar matar o próprio pai com quem teve 12 filhos, em julgamento no Recife nesta quinta-feira (25), foi defendida pelo próprio promotor do caso. De acordo com o processo, o pai submetia a dona de casa a abuso sexual desde que ela tinha 9 anos.

“Ela é a grande vítima. De certa forma, ela já foi condenada pela vida”, disse o promotor Edvaldo da Silva ao G1. O representante do Ministério Público, responsável pela acusação no processo contra a dona de casa de Caruaru, conta que decidiu pedir a absolvição, assim como queria a defesa, com base na história de vida da ré. “Uma mulher pobre, agricultora, analfabeta. Nunca peguei um caso desses, mas, para mim, pedir a condenação seria uma violação terrível, e violaria também minha consciência.”

A dona de casa foi inocentada do crime de homicídio duplamente qualificado (motivo torpe, fútil, e sem oferecer chance de defesa à vítima). Ao menos quatro dos sete jurados concordaram com a tese da defesa, de inexigibilidade de conduta diversa. Por essa tese, o réu não pode ser considerado culpado porque não se pode exigir dele, um ser humano, uma conduta excepcional diante de uma situação de coação ou pressão psicológica muito grave.

“Durante anos ela esteve sob coação moral irresistível permanente e não se podia exigir dela outra conduta, mesmo que trágica, se não o assassinato do próprio pai”, disse o promotor. “Desde os nove anos ela foi estuprada. O pai mantinha três relações sexuais com ela por semana, uma criança de nove anos. Isso só quando ela era criança. Se multiplicar a quantidade disso, por mês, por ano, vamos ter aí quantos crimes de estupro continuado?”

“Depois, a mãe e o irmão a mantinham sob vigilância constante em função do pai. E ainda houve vários crimes de privação de liberdade, abandono material intelectual do pai em relação às crianças, que não permitia que estudassem até para que não o denunciassem”, continua o promotor. A ré, segundo ele, teve 12 filhos com o próprio pai, mas sete morreram, “possivelmente de anomalias e falta de atendimento pré-natal”.

Um ano presa
“Essas cinco crianças que sobreviveram. Duas têm problemas de saúde. Então, um dia, uma das crianças completa 11 anos, começa a desabrochar o corpo, o pai afirma que vai ter relações sexuais com a neta. A mulher resolveu prestar queixa na delegacia, mas ninguém fez nada. Então ela arquitetou a morte do próprio pai, e contratou outras pessoas para matá-lo. De fato, ela premeditou o crime. Só que, na circunstância a que ela estava submetida, era inexigível dela uma outra conduta se não tirar a vida do próprio pai, diante de uma escalada contínua de atrocidades a que era submetida”, completou.

Ainda conforme o promotor, a dona de casa chegou a ficar presa por um ano, entre 2005 e 2006, sob argumento de alta periculosidade. “Ela era a vítima. Como manter uma mulher presa por um ano? Isso é um absurdo. Com todo respeito, ela foi vítima da monstruosidade do pai e também de um sistema processual penal insensível.” A dona de casa foi solta por decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça), depois de ter pedidos de habeas corpus negados em primeira e segunda instância.

Ao final do julgamento desta quinta, que encerra o caso, segundo o promotor, a plateia de estudantes reagiu com aplausos à leitura da sentença pelo juiz Antônio Francisco Cintra, da 4ª Vara do Júri do Fórum Thomaz de Aquino. “Parecia mesmo que estavam torcendo em favor dela. De certa forma, a absolvição era uma expectativa. Mas ela mesmo não sorriu.”
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