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Aos 62 anos, passista recifense não pensa em parar de dançar frevo

G1

Aos 62 anos, uma recifense insiste em não deixar a tradição da família morrer: viver dançando frevo. Zenaide Bezerra não se entrega à idade e flexiona perna, cruza braço, agacha o corpo. Tudo com muita vitalidade, sorriso no rosto e a sombrinha na mão, claro. Passista em atividade mais velha do Brasil, segundo a própria, ela diz que só para de frevar quando não der mais. “Depois eu passo para o xaxado, que é só arrastar o pé”, brinca.

Foi com o pai que Zenaide aprendeu a dançar, aos oito anos de idade. O passista Egídio Bezerra era considerado o 'Rei do Passo' nas décadas de 50 e 60. Ele levou a dança típica de Pernambuco para diversas cidades do Brasil. Em uma oportunidade, também mostrou o frevo aos franceses, na Europa.

Com ele, Zenaide fez várias apresentações. Frevou em ruas, salões de clubes, programas de televisão e cerimônias para personalidades, como o ex-presidente marechal Humberto Castello Branco, o ex-governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola e o jornalista e empresário Assis Chateaubriand. “Eu adorava. Só não gostava quando as cortinas se fechavam”, resume.

Após a morte do pai, em 1972, Zenaide parou de dançar, mas o frevo teimava em voltar para a vida dela. Queria formar um novo grupo, mas não tinha dinheiro, nem convites para apresentações. Só contava com o apoio do marido, que comprou uma radiola e alguns discos.

Quando soube que o Chacrinha, famoso apresentador de programa de auditório, ia fazer um show de calouros no Recife, ela viu uma boa oportunidade de divulgar o novo projeto. “Eu tinha quase 30 anos, cinco filhos, mas queria muito dançar. Fui sozinha, troquei de roupa na fila mesmo e ainda ganhei em terceiro lugar. Até foto no jornal ao lado do Chacrinha teve”, contou.

Foi assim que, em 1975, Zenaide fundou o grupo folclórico Egídio Bezerra, em homenagem ao pai. Os primeiros "alunos" foram os próprios filhos. "Sou motorista, mas me apresento quando dá. Eu sou o filho com mais molejo. Alguém tem que dar continuidade ao trabalho da minha mãe para não deixar a peteca cair", comentou Glaucio Bezerra, 42 anos. Hoje, Zenaide tem até bisneto na equipe, formada por familiares e crianças do bairro da Madalena, onde mora.

Além de frevo, ela ensina também xaxado, coco de roda e ciranda. As aulas são na sala da casa dela mesmo. Pouco iluminada, apertadinha, com um pequeno aparelho de som, mas cheia de gente com vontade de aprender a dança centenária. “Estou aqui há quatro anos. Ela é meio exigente, mas muito legal. Mesmo com a idade que tem, acho que ela dança melhor que eu”, falou a estudante Luciara Silva, 18 anos.

Dos filhos de Egídio Bezerra, só Zenaide continuou vivendo do frevo. Na década de 80, ela foi monitora de dança em escolas da rede pública estadual. Também colabora com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no plano de salvaguardar a dança, considerada patrimônio imaterial. Em 2011, foi homenageada pela Prefeitura do Recife, que produziu um livro sobre ela: "Zenaide Bezerra. No passado da vida, são dois pra lá, dois pra cá".

Atualmente, o sonho dela é que o grupo folclórico siga em atividade e os passistas sejam mais reconhecidos. "Hoje, infelizmente, os passistas só são lembrados no carnaval. E quando vão se apresentar, não entram pela porta da frente. Meu medo era ganhar uma homenagem só depois de morrer. Não sou 'aquela' artista, mas sou ruim, insistente, pois o frevo é um pedaço de mim", finaliza.

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