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Ação na Cracolândia eleva incertezas sobre Nova Luz

Valor Econômico

A operação realizada pela Polícia Militar na Cracolândia, para coibir o tráfico de crack no centro de São Paulo, aumentou o receio de moradores e comerciantes da região de que a transferência de posse - via venda negociada ou desapropriação - de 546 imóveis, prevista no projeto Nova Luz, comece em breve.

As propriedades devem dar lugar a novos empreendimentos, de acordo com um plano urbanístico, cuja licença ambiental deve sair em fevereiro. Além da ação na Cracolândia, que tem dispersado usuários das ruas, a prefeitura lacrou nesta semana pelo menos 13 imóveis irregulares na região e iniciou a demolição de mais 6.

Articulado pelo prefeito da capital, Gilberto Kassab (PSD), o projeto Nova Luz prevê a concessão por 15 anos de area de 529 mil metros quadrados (m2) no centro paulistano para um grupo imobiliário investir em revitalização com a restauração de fachadas, melhoria no sistema viário, áreas verdes, entre outras intervenções.



O objetivo do projeto - investimento estimado em R$ 1,4 bilhão, sendo R$ 355 milhões da prefeitura - é transformar o bairro, criando mais espaço livre, mais imóveis residenciais e implantando escritórios e equipamentos públicos, como creches, escolas e postos de saúde.

Dentro da área a ser revitalizada, 546 imóveis serão adquiridos e transformados pelo grupo imobiliário que vencer a concessão. A ideia é que a venda futura dos terrenos desses imóveis, já valorizados, remunere o trabalho da empresa concessionária. Os termos da concessão ainda estão sendo definidos e o edital deve ser lançado depois que sair o licenciamento do projeto urbanístico.

A indefinição sobre como o projeto será tocado, porém, traz insegurança tanto para os comerciantes e moradores - muitos contra o plano - como para as construtoras, que têm grande interesse, mas aguardam as regras do jogo. Por conta da indefinição, outros investimentos no perímetro do projeto estão em compasso de espera. Até a Empresa de Tecnologia da Informação e Comunicação (Prodam) do município, que pretendia se instalar lá, desistiu pela demora. A nova sede da Prodam será no centro, mas não na Luz.

Os lojistas da Santa Ifigênia, rua famosa pelo comércio de informática e eletroeletrônicos, querem ser investidores diretos na revitalização da área por meio de incentivos. "Do jeito que está, o projeto não atende à região. Vai descaracterizar o bairro. Nós queremos sobreviver aqui", diz Joseph Riachi, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas da Santa Ifigênia (CDL-SI).

Procurada, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU) apenas se manifestou por nota e informou que essa modalidade de incentivos diretos para os comerciantes não está contemplada no Nova Luz. Eles terão espaço para participar em eventual parceria com o concessionário para realizar as intervenções definidas pelo projeto. Segundo a nota da secretaria, encaminhada à reportagem em resposta aos questionamentos apresentados, essa modalidade de negócio foi "fruto do intenso intercâmbio entre a SMDU e a comunidade local".

Pelos depoimentos de comerciantes, porém, ainda não se chegou a um consenso, mesmo com reuniões e com a divulgação do projeto urbanístico na internet antes das audiências públicas de janeiro e setembro do ano passado.

Comerciantes temem ter que sair de lá e buscam alternativas para assegurar seus investimentos. João Bolsoni, dono da W+Som, loja de som automotivo na Santa Ifigênia há 46 anos, acha que a intervenção prejudica o comércio. "Se num caso mais delicado, como o da Cracolândia, a prefeitura agiu de surpresa, não dá para confiar no que vai vir para nós", diz ele, que relaciona a ação da PM à prefeitura. A investida da PM na Cracolândia é a primeira fase da operação Centro Legal, articulada em conjunto pela prefeitura e pelo governo do Estado.

Duarte Maurício Fernandes, proprietário da padaria Casa Aurora, na rua Aurora, investiu, há quatro anos, R$ 2 milhões na ampliação e melhoria do estabelecimento. Quando o desenho da nova urbanização da área foi divulgado pela prefeitura no ano passado, descobriu que o quarteirão onde está deverá ser demolido para abrigar um condomínio residencial.

"Qual é a lógica disso? Estou desanimado, pois nem terminei de pagar os financiamentos. Quem vai assumir o prejuízo? Tenho 57 funcionários", diz ele. Segundo Fernandes, depois do anúncio do projeto os comerciantes não querem mais investir. "Todo mundo que ia investir, parou", afirma.

Os imóveis sujeitos à transformação foram definidos por critérios técnicos, segundo a secretaria, buscando minimizar o impacto das intervenções. No caso de empreendimentos onde haverá transformação, se houver estabelecimento comercial no térreo, ele poderá permanecer. A padaria de Fernandes tem três andares.

A Associação de Moradores e Amigos da Santa Ifigênia e da Luz (Amoaluz) tenta garantir o direito de permanência na região. Paula Ribas, 37 anos, jornalista e moradora da Luz desde que nasceu, diz que a luta é para reduzir o impacto sobre a vida dos moradores. "Precisamos de requalificação do bairro. É diferente de revitalização, porque aqui tem muita vida", diz ela.

Dentro da área da Nova Luz, formada por 44 quarteirões, há 11 que formam uma Zona Especial de Interesse Social (Zeis), onde é obrigatório o investimento em habitação popular. Em julho de 2011, a prefeitura criou o Conselho Gestor da Zeis da Nova Luz, para definir como será o plano urbanístico específico para essa área. Participam do conselho membros da administração municipal e representantes da sociedade civil, entre eles, Paula.

Segundo a secretaria, a construção de habitações de interesse social (renda até seis salários mínimos) e de mercado popular (renda até 16 salários mínimos) será realizada por meio de políticas da Secretaria Municipal de Habitação. No momento, a minuta final do projeto urbanístico da Zeis está sendo discutida no conselho. Sem essa aprovação, o projeto de urbanização de toda a região fica inviabilizado.

Para Kazuo Nakano, arquiteto urbanista do Instituto Pólis, a situação dos moradores é delicada. "Não se sabe quais serão as regras para as desapropriações e a situação dos inquilinos é mais insegura ainda, pois eles não têm nem indenização e não têm como garantir que vão conseguir pagar o aluguel dos novos imóveis", diz ele.

O negócio da Nova Luz é aprovado pelo setor imobiliário, o maior interessado. Sem o modelo de concessão concluído, porém, as construtoras estão cautelosas. "A gente precisava de algo do gênero, mas não conhecemos os termos da licitação, para avaliar a lucratividade do projeto ", diz Claudio Bernardes, vice-presidente do Secovi-SP, entidade que representa as empresas do setor da construção.

Para Antônio Setin, dono da incorporadora Setin, que possui investimentos no centro, a região é muito interessante para o setor imobiliário, mas não se investe no perímetro da Nova Luz, porque não há terreno disponível. "Não é tarefa fácil investir lá, porque não tem terreno sobrando, nem barato. É o poder público que pode viabilizar isso. O ideal seria que a prefeitura desapropriasse áreas, mas existem muito interesses a serem conciliados."

Eduardo Machado, diretor de incorporações da construtora PDG também afirma que a Luz está entre os interesses da empresa no centro. "As melhorias que o projeto vai trazer são bem-vindas para a cidade, estamos de olho em todas as áreas do centro para investir."

No entorno da Nova Luz há forte valorização imobiliária e lançamento de condomínios. O preço dos imóveis no centro de São Paulo aumentou até 300% nos últimos três anos, segundo José Roberto Iampolsky, dono da Paris Condomínios, imobiliária na Santa Ifigênia. "Os negócios da imobiliária mais que dobraram de dois anos para cá. Alguns apartamentos foram vendidos até três vezes no mesmo ano. A cada venda, um preço maior", conta.

No edifício Marian, antigo hotel revitalizado na avenida Casper Líbero, todos os apartamentos estão reservados, mas as vendas não foram fechadas por causa da instabilidade de preço. "Para fazer o preço, temos que pensar no próximo investimento, e a valorização no centro está forte", diz o arquiteto Arnold Pierre Mermelstein, da Arco, responsável pela reforma.
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