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Não consigo dormir e perdi 10 kg, diz investigado por queda de prédio no RJ

G1

Desde o dia 25 de janeiro deste ano, a vida do ajudante de obras Wanderley Muniz da Silva, 22 anos, deu uma grande reviravolta. Rapaz de origem humilde, que mora com os três filhos e mulher em uma casa de um quarto em Piabetá, na Baixada Fluminense, Wanderley era um dos operários que trabalhava na reforma do 9° andar do Edifício Liberdade, na Avenida Treze de Maio, no Centro do Rio, o prédio mais alto dos três que desabaram no início do ano.

Wanderley, assim como outros três operários, é alvo de um inquérito policial que apura a responsabilidade pelos homicídios e pelo desabamento do edifício. Mas, ao contrário dos outros, ele foi o primeiro a admitir que paredes estruturais do prédio tinham sido derrubadas durante a reforma feita pela empresa TO. “Não consigo mais dormir direito, já perdi 10 quilos. Sempre fui um homem trabalhador e honesto. Disse toda a verdade desde o início e em momento algum me arrependo disso. Faria tudo outra vez se fosse preciso”, afirmou Wanderley.

Foi depois de ver no noticiário a dimensão da tragédia e a quantidade de desaparecidos entre os escombros que o rapaz não pensou duas vezes e denunciou. “Precisava contar o que tinha sido feito naquele lugar. Liguei, falei que era um dos operários que trabalhava na reforma do 9° andar do prédio que desabou e contei toda a verdade. Disse tudo que havia sido feito lá”, afirmou Wanderley, que no dia seguinte recebeu um telefonema do delegado da 5ª DP, no Centro.

Em depoimento à Polícia Civil, no dia 29 de janeiro, o auxiliar de pedreiro contou com detalhes tudo que tinha visto e feito durante as obras.

“Não podia mentir. Gosto de deitar no travesseiro para dormir e ter a minha consciência tranquila. Meu único receio é que alguma injustiça seja cometida”, disse ele, que somente agora vai procurar ajuda da Defensoria Pública do estado. "Conversei com meus irmãos e eles me aconselharam a fazer isso. Sei que fiz tudo da forma correta, mas é melhor buscar apoio de quem entende."

Ao delegado, o ajudante de obras contou que praticamente todas as paredes do andar foram derrubadas, deixando um grande salão no local. “Todas as paredes foram derrubadas, à exceção das paredes da sala dos arquivos da TO e parte da parede que dividia as salas do lado esquerdo do banheiro; que o andar virou um salão aberto, à exceção de uma coluna de 20 centímetros que suportava o barbará (tubulação que serve para o escoamento de água ou esgoto) que ficava próximo à porta do banheiro”, diz um trecho do depoimento de Wanderley.

Ajudante de obras ganhava R$ 50 por dia para 'quebrar tudo'
Para ajudar a quebrar as paredes do 9º andar, o ajudante de obras ganhava R$ 50 por dia. Como mora em Piabetá e gastaria muito com a passagem e em tempo de deslocamento, o rapaz preferia dormir no emprego junto com os outros operários e voltar para casa somente no final da semana. No dia do desabamento, no entanto, Wanderley estava em casa.

“Quando percebi que mandaram a gente derrubar tudo e começamos a encontrar algumas paredes de concreto, nos reunimos para conversar com um representante da TO. Passamos tudo isso para ela e a ordem foi que continuássemos quebrando”, contou o rapaz, que dormia todos os dias da semana na obra.

Atualmente Wanderley trabalha para a prefeitura de Magé fazendo concreto para a pavimentação das ruas, mas sente medo que a notoriedade que o caso ganhou o prejudique em seu novo emprego. “As pessoas me viram na televisão. Não sei como meu chefe pode ver tudo isso. Dependo do meu emprego para sustentar meus filhos”, afirmou o rapaz.

O maior receio do ajudante de obras, no entanto, é fazer falta à sua família. “Amo muito minha mulher e meus filhos. Somos humildes, mas vivemos com muita dignidade. A única coisa que quero é que tudo isso acabe logo para que eu possa viver em paz com eles”, disse Wanderley, visivelmente emocionado.

Delegado afirma que ainda é cedo para indiciar alguém
No dia 30 de março o inquérito passou para a responsabilidade da Polícia Federal, já que o Theatro Municipal foi atingido quando houve o desabamento. Segundo o delegado Fábio Scliar, da delegacia de Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente e ao Patrimônio Histórico (DRCMAPH), mesmo sem intenção, os operários também podem ser responsabilizados criminalmente, tanto pelo desabamento, como pelos 22 homicídios e pelo dano ao Theatro Municipal.

“Lei é lei. Ainda é cedo para falar em indiciamento. Primeiro preciso estudar mais o processo, ouvir outras pessoas, para depois fazer alguma análise. Seria leviano da minha parte antecipar qualquer coisa agora”, explicou Scliar, que já ouviu os quatro operários, a funcionária da TO responsável por fiscalizar a obra e o síndico do Edifício Liberdade.

Como não é possível realizar perícia em função desabamento do prédio, o delegado pretende pedir um laudo pericial indireto. "Não há mais a coisa a ser periciada. Esse laudo se vale dos depoimentos que foram prestados e dos documentos que foram arrolados no bojo da investigação, para então tirar alguma conclusão possível a cerca do que pode ter acontecido", informou Scliar, ressaltando que não há data prevista para conclusão do caso.
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