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Notícias / Cidades

Fim do sigilo dos crimes de abusos a criança vai aumentar as denúncias

Luciene Oliveira Assessoria PJC-MT

Na semana em que movimentos sociais e a sociedade se mobilizam para o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, comemorado neste domingo (18.05), a delegada Mara Rúbia de Carvalho, concede entrevista para falar de sua experiência à frente da Delegacia Especializada de Defesa da Criança e do Adolescente (Deddica).

Com a dura rotina de atender criança e adolescentes vítimas, em sua maioria de abuso sexual, a delegada expõe as dificuldades de investigar um crime que sobrevive sob a lei do sigilo e quando o denunciado revolta a população. Assim como outros casos, os crimes de pedofilia exigem medidas enérgicas para “amarrar” o inquérito policial com todas as provas que vão fazer com que o agressor seja punido.

Casada, mãe de três filhas e delegada da Polícia Judiciária Civil de Mato Grosso há 12 anos, Mara Rúbia fala também da implantação dos Centros de Responsabilização de abusos contra crianças e adolescentes, projeto da sua autoria contemplado com verba do Governo Federal, e opina sobre a criminalização das condutas relacionadas à pedofilia.

1) Como fazer para combater a exploração sexual de crianças e adolescentes?

Mara Rúbia - Penso que dois fatores são muito importantes e não podem fugir às nossas metas, tais sejam: primeiro, a participação popular, da comunidade local, de todos os segmentos, entendendo o fenômeno como um mal social que é responsabilidade de todos; segundo, a responsabilização dos agressores de forma rápida e eficiente.

2) Ao que se deve o crescente números de casos?

Mara Rúbia - Eu diria que em verdade houve aumento de registros; quebra da lei do sigilo, fruto do acesso à informação, de crianças e adolescentes e também de outros segmentos, acerca do problema e do tratamento que a Segurança Pública tem dado a essas ocorrências.

3) Quais são os tipos de crimes mais investigados pela Deddica?

Mara Rúbia - Excetuando os crimes de maus tratos, negligência, constrangimento e lesão corporal, que são em maior número, dentre os crimes sexuais, impera o atentado violento ao pudor e estupro.

4) Qual a faixa etária das vítimas de pedófilos e o perfil dos agressores?

Mara Rúbia - Crianças com idades de zero a 12 anos. Quanto aos agressores, as ocorrências registradas dão conta que a idade dos agressores varia entre 28 e 60 anos e a classe social da maioria dos agressores é baixa, mas há ocorrências cujo padrão social é classe A.

5) Quais os cuidados que os pais devem ter com os filhos?

Mara Rúbia - São muitos, mas penso que a orientação e a informação, transmitidas de forma lúdica, sem atavismos, livre de preconceitos é um bom caminho.

6) Existe alguma dificuldade em investigar os crimes praticados contra criança e adolescentes?

Mara Rúbia - Sim. Primeiro porque a informante mais importante, ou seja, a vítima, é um ser ainda em desenvolvimento, com todas as suas peculiaridades e está extremamente fragilizada. Segundo, não é crime de consenso, ou seja, há muitas divergências entre os envolvidos e a vítima fica a mercê do adulto que precisa se posicionar, juridicamente falando, REPRESENTAR contra o agressor, pois os crimes sexuais são de ordem privada, sem o que a polícia não pode agir e tão pouco, o restante do sistema judicial.

7) Como tem sido o trabalho da polícia? E qual seu maior desafio?

Mara Rúbia - O maior desafio da polícia hoje é romper com o sigilo, com a subnotificação. O trabalho atualmente tem se desenvolvido através da Deddica e dos Centros de Responsabilização que são pólos da Delegacia instalados dentro de algumas regionais da Polícia Civil no interior.

8) A criação de varas especializadas em processar crimes praticados contra criança e adolescente vem contribuir para uma punição mais rápidas dos autores?

Mara Rúbia - Certamente. Em Cuiabá, em especial, temos a possibilidade ímpar de instalar a Vara no Complexo Pomeri, onde a integração de todo o sistema judicial será facilitado, pois temos ali a Deddica, o Juizado da Infância e Juventude, a Delegacia Especializada do Adolescente (DEA), sendo que a Politec, a Coordenadoria de Medicina Legal (IML) e o Centro de Ressocialização de Cuiabá (CRC) estão distantes apenas alguns metros do Complexo.

9) Como funciona os Centros de Responsabilização de exploração sexual de crianças e adolescentes? Onde estão instalados?

Mara Rúbia - Em verdade, o Estado de Mato Grosso é vanguardista na criação dos Centros de Responsabilização, pois diante da inviabilidade financeira de se instalar uma delegacia especializada em todo o interior de Mato Grosso, a PJC optou pela criação de células (pólos) da Delegacia Especializada de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Deddica) em todas as regionais de polícia do Estado, já que as atribuições da delegacia são de âmbito estadual, de acordo com a Lei Estadual que a criou em 2002. E com o apoio da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), já instalou os Centros nas regionais de Alta Floresta, Diamantino, Cáceres, Barra do Garças e Nova Xavantina, os quais a priori darão enfoque nas ocorrências de crimes sexuais, sob a coordenação, orientação e monitoramento da Deddica, restando ao Governo do Estado encampar a ideia e torná-la ação de governo, alocando recursos financeiros.

10) Sendo delegada, como a senhora analisa a lei que criminaliza as condutas relacionadas à pedofilia?

Mara Rúbia - É um ato hediondo, e, portanto, deve ser passível de criminalização, sem dúvida, mas a nossa legislação ainda é muito acanhada, omissa, em relação às nossas crianças, pois os crimes sexuais somente podem ser investigados, se a vítima assim o quiser, e em se tratando de menores de idade, esta fica na dependência de um maior imputável, responsável por ela. Em geral, os crimes sexuais intrafamiliares ainda sobrevivem sob a lei do sigilo. Há receios de toda ordem, e a lei hoje existente, em verdade, corrobora com esse aspecto do fenômeno da pedofilia. Há que se tornar todos os crimes contra crianças e adolescentes do Código Penal e leis esparsas passíveis de ação incondicionada. O Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) traz essa inovação, mas infelizmente não criminaliza todas as condutas necessárias.
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