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Especialistas brasileiros concordam com publicação de estudo polêmico

G1

Especialistas brasileiros consultados pelo G1 concordaram com a decisão da revista “Nature” de publicar um estudo polêmico com o vírus da gripe aviária. A pesquisa publicada na quarta-feira (2) foi tema de um grande debate na comunidade científica, pois descreve mutações genéticas que tornam o vírus H5N1 transmissível entre mamíferos – e, potencialmente, entre humanos.

O estudo chegou a ser “censurado” pelo risco de que servisse ao desenvolvimento de armas biológicas. O Painel Consultivo sobre Biossegurança dos Estados Unidos (NSABB, na sigla em inglês) chegou a pedir à “Nature” que omitisse detalhes sobre a pesquisa. O pedido foi acatado, apesar de não ter força de lei. No fim de março, o NSABB voltou atrás e os resultados foram publicados nesta quarta.

“A base da ciência é a circulação livre de ideias e resultados. Se você cerceia isso por causa do bioterrorismo, corre o risco de criar censura”, opinou José Eduardo Levi, pesquisador do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (USP).

“Não dá para fazer segredo em ciência”, concordou Jacyr Pasternak, infectologista do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, lembrando que, mesmo que a pesquisa fosse proibida, os dados poderiam vazar.

A pesquisa mapeou as mutações genéticas que tornam o vírus da gripe aviária transmissível entre mamíferos. Com as informações, seria possível, com condições adequadas, refazer essas mutações em laboratório.

Ao mesmo tempo em que a pesquisa pode servir para bioterroristas, ela mantém os cientistas preparados para uma possível epidemia, decorrente de uma mutação natural do vírus . Os especialistas divergem ao dizer qual dos caminhos tem o campo mais aberto.

Questão das indústrias
Gustavo Johanson, médico infectologista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), vê na pesquisa grande valor para a medicina, pois mostra a demanda por um medicamento ainda não disponível. “O problema é que a indústria [farmacêutica] nunca teve interesse porque não há transmissão de humanos para humanos”, explicou.

Ele lembrou que a mutação genética feita em laboratório pode acontecer na natureza, e que, nesse caso, a criação de uma vacina e de medicamentos antivirais se tornaria uma necessidade.

“Esse artigo nos faz pensar na possibilidade [de uma transmissão do vírus entre humanos]. Mas eu não acredito que, a partir desse experimento, as indústrias já vão investir nesta vacina, é preciso haver mais pesquisas antes”, ponderou Johanson.

‘Risco real’
Já para José Eduardo Levi, virologista da USP, está mais fácil criar um vírus que se torne pandêmico do que desenvolver tratamentos contra o vírus da gripe aviária.

“Eu acho sim que é um risco real”, afirmou o virologista. “Hoje é muito fácil produzir essas mutações. No quintal da minha casa, com R$ 100 mil ou 200 mil, eu consigo fazer isso”.

Por outro lado, ele apontou que a confecção de uma vacina demora porque requer muitos testes. “A vacina tem muitas variáveis para criar uma resposta imune”, disse.

Jacyr Pasternak, infectologista do Hospital Albert Einstein, lembrou que uma arma biológica só faz sentido se quem a utiliza conseguir defender sua própria população, uma vez que o vírus seria letal e altamente contagioso.

“Ele tem que ter uma vacina primeiro, a não ser que seja um doido completo”, indicou Pasternak, que definiu essa possibilidade como um “suicídio coletivo”.

Levi concorda com esse ponto de vista, mas não descarta a hipótese de que alguém seja capaz de criar uma arma sem ter um tratamento em mãos. “O cara que vai lá e se autoexplode não está pensando nisso”, comparou.
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