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O fim da culpa

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“Eu não pedi para nascer!”. Para Tania Zagury, mestre em educação e autora de mais de 20 livros – entre eles “Educar Sem Culpa - A Gênese da Ética” (Editora Record) – a fatídica frase representa o quanto as mães se tornaram “devedoras” dos filhos hoje. Mesmo com tantas mudanças socioculturais ao longo das últimas décadas, muitas mulheres ainda acreditam que, para serem boas, precisam estar à disposição dos filhos o tempo todo. Mas os tempos são outros.

A luta pela realização pessoal da mulher trouxe às famílias a ausência de ambos os genitores em casa. Além disso, Zagury conta que a sociedade voltou-se muito mais aos aspectos psicológicos do ser humano e ficou fácil colocar a culpa de tudo que dá de errado nos pais – mesmo que esse sentimento esteja muitas vezes equivocado.

“É como se não tivéssemos atualizado o papel de mães dentro de nós”, diz a psicóloga e psicoterapeuta Natércia Tiba, autora do recém-lançado “Mulher Sem Script” (Integrare Editora). Assim, a culpa número 1 das mães continua sendo o desencontro entre trabalho e filhos.

Filhos x trabalho

A arte-terapeuta e ilustradora Gisele Barcellos, de 35 anos, sabe bem o que é isso. Quando engravidou do primeiro filho, trabalhava fora e perdia tudo o que acontecia com Cássio, hoje de sete anos, enquanto o menino ficava com a avó. “Eu ficava dividida, mas não tinha coragem de deixar o trabalho”.

Quando Gisele foi demitida, ficou aliviada. Dois anos depois, a segunda filha, Cecília, nasceu, e Gisele encarou de novo o dilema. Seria melhor trabalhar fora e oferecer mais a eles, como aulas de natação, violino, espanhol? Ou era melhor ficar em casa ensinando-os a serem bons cidadãos? Gisele entrou em parafuso até ficar realmente feliz com a opção que fez: ilustrar livros infantis em casa quando os pequenos não estão por perto.

Onde foi que eu errei?

A culpa é uma armadilha que pode surgir por todos os lados. Quando um dos filhos não tira nota boa, a administradora Claudia*, 38 anos – mãe de Alexandre* e Fernando*, de nove e 13 – pensa que poderia ter ajudado mais se não trabalhasse fora. “A mãe está sempre se culpando por alguma coisa, embora não tenha culpa de nada”, diz.

A questão do trabalho é a principal fonte de culpa entre as mães, mas não a única. Quando o filho mais velho sofreu bullying na segunda série do Ensino Fundamental, Cristiane também se culpou. Alexandre estava adiantando e era o mais novinho da sala. A mãe se culpa até hoje por tê-lo colocado mais cedo na escola.

Ao tentar equilibrar a balança trabalho x filhos, muitas mulheres deixam de pesar um fator importante na equação: a própria realização pessoal. Isso também faz bem para os filhos, pois ser uma pessoa realizada é um exemplo melhor. Além do mais, estar o tempo todo com eles não garante a boa educação. Cristiane, por exemplo, só se sentia culpada por trabalhar fora quando os filhos ficavam doentes – mas sabia que estava educando-os da maneira que gostaria.

Filhos x vida própria

Natércia lembra outra fonte de culpa comum, além do trabalho: ter vida própria, independente do filho. Uma mulher que eventualmente sai com o marido e deixa o filho com a babá, por exemplo, não precisa se sentir culpada por isso. “Existem circunstâncias que nos tiram de perto dos filhos e ainda bem que isso acontece. Senão, um casal pode sair muito prejudicado com a chegada de uma criança”.

Filho x filho

Aumentar a família também pode ser uma fonte inesgotável de culpa se as mães caírem na velha história do “se eu dei para um, também tenho que dar para o outro”. “As mães acreditam que tratar os filhos igualmente é o mais justo, mas justo mesmo é tratar o filho de forma única e oferecer o que ele precisa”, explica Natércia. Por isso, trabalhar fora pela sua própria realização pessoal vale o esforço. Mas para comprar mais presentes ou colocar as crianças em uma escola melhor, nem sempre.

Filho x você mesma

Para a psicóloga Elizabeth Monteiro, autora do recém-lançado “A Culpa é da Mãe” (Summus Editorial), muitas mulheres se culpam por acharem que estão rejeitando o filho quando perdem a paciência ou tomam outras pequenas atitudes cotidianas comuns.

Para evitar esse sentimento, é preciso se conscientizar das próprias limitações e saber lidar com elas. Ninguém está contente o tempo todo e é natural ser assim, inclusive com os filhos. Além disso, a mãe que se sente frequentemente culpada pode acabar superprotegendo o filho. E excesso de mãe é tão ruim quanto a falta.


* Os nomes foram trocados a pedido da entrevistada.
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