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TJ-SP absolve homem de estupro porque menino de 13 anos consentiu

G1

Decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo absolveu um homem da acusação de estupro porque o menino apontado como vítima no processo, então com 13 anos, consentiu os beijos e o sexo oral e afirmou gostar do réu. O acórdão da 16ª Câmara de Direito Criminal, que não foi unânime, foi publicado no dia 20 de abril.

Em 2009, a Lei 12.015 tornou crime todo ato de cunho sexual com menores de 14 anos, mesmo com o consentimento da vítima. Levantamento do G1 junto às decisões de segunda instância dos tribunais de todo o país mostra que juízes continuam a absolver réus porque as vítimas consentiram a prática sexual, especialmente na faixa dos 13 anos.

O caso julgado em São Paulo ocorreu em 2007, antes da nova lei, e chegou ao Judiciário de Praia Grande, litoral paulista, depois que o homem foi preso por um crime anterior. Ele estava em uma rua com o menino quando policiais chegaram para cumprir um mandado de prisão contra o réu por um crime anterior: o de atentado violento ao pudor contra menor. Os agentes decidiram levar o garoto à delegacia para verificar se ele também não seria outra vítima de abuso.

O menino então relatou que o homem havia tocado em suas partes íntimas e, segundo o processo, “admitiu que o réu havia praticado com ele sexo oral, mas que não houve violência física, e que ele permitiu a prática dos atos”. Os policiais deram voz de prisão em flagrante ao homem.

A mãe do menino disse que o tinha como um “segundo pai para seus filhos, nele depositando muita confiança”. “Além disso, narrou que era comum que ele trouxesse presentes aos meninos”, diz o processo.

Em setembro de 2010, o juiz Vinícius Piza Peluso, da 1ª Vara Criminal de Praia Grande, condenou o acusado a 13 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicial fechado. A defesa recorreu, e o caso foi parar no Tribunal de Justiça.

Vulnerabilidade relativa
Em sua decisão, o desembargador Guilherme de Souza Nucci entendeu que o melhor caminho era o da absolvição. Para o relator designado, a mudança na lei não encerrou a controvérsia, apenas mudou seu foco. “O debate, agora, cinge-se à relativização, ou não, da vulnerabilidade da vítima”, escreveu na decisão.

“Conforme tenho defendido, não caminhou bem o legislador ao deixar de homogeneizar a definição de criança e adolescente, ora protegendo o menor de 12 anos (Estatuto da Criança e do Adolescente), ora resguardando o menor de 14 anos (Código Penal). (...) Entendo, portanto, ser absoluta a presunção de vulnerabilidade tão somente em relação às crianças, ou seja, aos menores de 12 anos.”

“A vítima contava a idade de 13 anos, razão pela qual é possível analisar-se a relativização da vulnerabilidade. Segundo consta, teria o vizinho da vítima, por diversas vezes, acariciado o órgão genital do ofendido, beijado-o na boca e com ele praticado sexo oral”, escreveu.

“Inexiste nos autos qualquer elemento que aponte terem sido tais condutas obtidas mediante violência. Nas duas oportunidades em que foi ouvido, o apelante confessou os fatos narrados na denúncia; esclarece, contudo, haver desejo sexual por ambos os envolvidos, sendo recíproca a afeição entre vítima e apelante”, diz o desembargador.

Ainda segundo Nucci, o réu confessou os fatos, mas disse “haver desejo sexual por ambos os envolvidos, sendo recíproca a afeição”. O menino, segundo ele, narrou que “gostava do apelante, tendo consentido com os atos libidinosos; afirma sequer ter resistido ou negado a prática de qualquer dos atos. Narra ainda que a relação se iniciou com a troca de beijos, não tendo o apelante lhe forçado a tais atitudes”.

Controvérsia
A decisão do tribunal, no entanto, não foi unânime. O desembargador Otávio de Almeida Toledo, relator do recurso, votou para manter a condenação, apenas diminuindo a pena para 10 anos e 8 meses de reclusão.

O magistrado levou em conta depoimento de uma psicóloga e de uma assistente social que atenderam o menino. Segundo elas, ele demonstrou constrangimento com o ocorrido e se recusava a frequentar a escola.

Toledo concorda com o colega de que, “nos dias atuais, não se pode ter como absoluta a vulnerabilidade de adolescentes nessa faixa etária”. No caso específico, porém, entendeu que o menino “não tinha a compreensão exata do que aconteceu”.

“O panorama a ser analisado é o seguinte: um homem com idade bem superior ao da vítima, que ostenta outra condenação pela prática de atos da mesma natureza, aproveitando-se de um momento de fragilidade (morte do genitor) da vítima se aproxima e passa a agir como se substituto de seu pai fosse. A genitora, acreditando que tal aproximação tenha apenas o interesse de colaboração, haja vista frequentarem a mesma igreja, permite que seu filho frequente a casa do autor do crime e, ao mesmo tempo, que este frequente também a sua residência. Tempos depois, descobre-se que com o menino foram praticados atos sexuais diversos da conjunção carnal”, escreveu.

O desembargador citou ainda trecho do parecer do Ministério Público, também contra a absolvição. Segundo o procurador de Justiça Ilson Roberto Severino Dias, “o réu ostentava condenação por comportamento semelhante, ficando determinado que buscava em meninos a satisfação de sua lascívia incontida, alcançando-os pela fragilidade momentânea, pelo próprio uso da religiosidade, frequentando mesma igreja, conseguindo então impor-se sobre sua vítima, fazendo-a saciar-lhe a lascívia, aproveitando-se da confiança que lhe fora depositada pelos familiares”.

Procurados pelo G1, os desembargadores afirmaram, por meio da assessoria de imprensa do tribunal, que não se manifestam sobre casos julgados.
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