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"Aumento no crédito fez clientes virarem presas fáceis do sistema bancário"

Da Redação - Lucas Bólico

Não foram só benefícios ao consumidor que o aumento do crédito causou. É o que defende a Presidente da Associação de Defesa do Consumidor e Trabalhador (ADCT), Edalva Maria Dias. De acordo com ela, as facilida-des acabaram por tornar os clientes “vítimas fáceis do sistema bancário. Veja a entrevista abaixo.

QUAIS OS PROBLEMAS QUE A LIBERAÇÃO DE CREDITO DESCONTROLADA TROUXE AO CONSUMIDOR?

- A expansão do crédito ao consumo, iniciada na década passada, sem uma legislação forte que acompanhasse a adesão em massa da população a essa nova oportunidade, a não ser o Código de Defesa do Consumidor e a boa-fé comum nas pessoas de bem, criou uma profunda sensação de capacidade de compra e de confiança no País, não só na classe média, mas também, nas classes mais baixas. O tomar emprestado, de um lado, aumentou fortemente o lucro dos bancos e promoveu a inclusão no sistema bancário de milhões de aposentados e consumidores de baixa renda, mas de outro lado, tão logo as pessoas começaram a sentir as dificuldades para honrar seus débitos, se tornaram vítimas fáceis do próprio sistema bancário, passando a receber cobranças vexatórias, multas exorbitantes, o que acelerou ainda mais o superendividamento delas.

POR QUE TANTOS CONSUMIDORES ESTÃO BUSCANDO O JUDICIÁRIO?

- Porque estam acuadas, não restou mais nada a não ser recorrer a uma única saída – o judiciário - e então, multiplicaram as ações individuais de pessoas físicas endividadas, em especial as revisionais no Judiciário, muitas sem sucesso, aumentando o risco e como um todo a conflitualidade e os abusos nas relações de crédito, multiplicando as reclamações nos órgãos de defesa dos consumidores e associações, e o sentimento de impunidade e de insatisfação com o sistema financeiro e com o direito do consumidor.
Até o início da década passada, pessoas comuns quase nunca tinham acesso a crédito, pois as exigências eram muitas para se contrair um empréstimo pessoal ou um financiamento bancário. A partir de 2002, com a intenção de democratizar as oportunidades para a população, foi autorizada pelo governo, a abertura de várias linhas de crédito, principalmente para a aquisição de bens e para uma nova modalidade de empréstimos pessoais – os consignados. Com juros regulados pelo governo, uma vez que os riscos eram baixos, dado o desconto em folha de pagamento dos trabalhadores das parcelas contratadas, os credores, bancos e financeiras, se viram na situação de por um lado lucros controlados, e por outro diante de um grande nicho de mercado, formado por pessoas desconhecedoras do mundo dos negócios, desinformadas e ansiosas por aproveitar as novas oportunidades.

COMO VEM OCORRENDO AS ILEGALIDADES NOS CONTRATOS?

- Diante da demanda crescente dos ávidos consumidores, criaram uma estratégia de burlar os lucros controla-dos, e passaram a embutir nos contratos de empréstimos e financiamentos e diluir nas prestações do empréstimo, grande número de taxas e tarifas, indevidas ao consumidor, que ao contrair uma dívida ou um empréstimo, assinava um contrato de adesão, recheado de cláusulas que disfarçadamente só beneficiavam o credor, e onde foram inseridos valores desconhecidos no financiamento. A instituição financeira que deveria apenas ser remunerada pela concessão de crédito, através da cobrança dos juros, passa a ter lucros excessivos e conseqüentemente enriquecimento ilícito, burlando assim a legislação consumerista. O enriquecimento ilícito da instituição financeira provoca por outro lado o empobrecimento criminoso do consumidor.

AS PROPAGANDAS DIVULGADAS NA TV, DE BAIXA DE TAXAS DE JUROS, OCASIONARAM NOVOS PROBLEMAS?

- Iludidos pela propaganda especializada e pela facilidade do crédito, os consumidores não acostumados ao planejamento de gastos, passam a comprometer cada vez mais a capacidade de endividamento. Apesar de legislação específica fixar limite de 30% para o comprometimento com empréstimos vinculados ao salário, mais uma vez, as instituições financeiras encontram fórmulas para burlar a proibição – chegam a comprometer 100% do salário com empréstimos. O endividamento crescente leva milhares de trabalhadores a um nível de comprometimento de salários tal, que faz surgir o SUPERENDIVIDAMENTO.

O QUE SIGNIFICA “SUPERENDIVIDAMENTO” REALMENTE?
 
- O superendividamento é um fenômeno que afeta de modo profundo a auto-estima e a confiança do consumidor na sua capacidade de gerir e controlar sua vida pessoal e familiar. O isolamento, os estados depressivos, os desentendimentos conjugais e o confronto com os filhos são reações que emergem com freqüência e criam a desestruturação da vida destes sujeitos, podendo até levá-los ao suicídio.

POR QUE OS CONSUMIDORES MESMO ENDIVIDADOS CONTINUAM TENDO CREDITO?

- Superendividados, os consumidores são vítimas ainda mais fáceis dos credores, que agora, abusam nas multas, na mora, e na cobrança ostensiva do trabalhador inadimplente. Rapidamente o fenômeno se consuma, e o nome do trabalhador é inserido nos serviços de proteção ao crédito; o bem adquirido e já parcialmente pago, lhe é tomado através da ação de busca e apreensão, utilizada pelo credor para fazer frente ao pagamento do débito restante. Mais que nunca, o trabalhador se vê impotente, lesado e descrente. Seu nome sujo, cheio de dívidas, sem o bem, muitas vezes ferramenta de trabalho, com a auto-estima destruída.

A ASSOCIAÇÃO TEM SOCORRIDO ESSES CONSUMIDORES SUPERENDIVIDADOS?

- O consumidor um pouco mais esclarecido, quando sente a ameaça do superendividamento, consegue recorrer às organizações de proteção ao consumidor, que sem força jurídica, só consegue realizar acordos conciliatórios. Conseqüentemente, o sistema judicial se vê abarrotado de ações com pedidos de revisão de contratos, restituição de valores pagos à maior, adequação de descontos à margem de 30% de salários, indenização por danos morais e materiais, resultante dos abusos sobre ele praticados. O sistema judicial por sua vez, costumeiramente moroso, demora ainda mais no julgamento das milhões de ações que lá chegam, sem contar alguns juízes que, sabe-se lá por qual motivo, teimam em desconhecer o direito do consumidor ou minimizam a reposição de suas perdas.

QUAL É O PERCENTUAL DE CONSUMIDORES HOJE QUE BUSCAM AJUDA?
 
- As instituições financeiras continuam poderosas, exibindo na mídia os resultados semestrais de seus lucros astronômicos. Levantamentos extra-oficiais demonstram, que o percentual de consumidores bancários que reclamam na justiça os prejuízos a que são levados a sofrer por conta dos abusos das financeiras, não atingem o percentual de 10%, e, portanto, não chegam a exercer pressão para que os abusos tenham fim.

TEM-SE UMA ESTIMATIVA HOJE DA QUANTIDADE DE CONSUMIDORES SUPERENDIVIDA-DOS?

- O número de Superendividados hoje no Brasil chega à quantia de milhões de trabalhadores, com tendência de crescimento uma vez que foram realizados nos últimos meses, milhões de contratos de financiamentos e empréstimos, para serem honrados apenas com salários. Em Mato Grosso, segue a tendência nacional. Somente dentre os servidores públicos do executivo estadual, dez mil pessoas estão com salários comprometidos além dos 50%, com empréstimos consignados.

QUAL A MÉDIA DE ATENDIMENTO DA ADCT DESSES CONSUMIDORES HOJE?

- A ADCT recebe diariamente dezenas de pessoas com problemas em seus financiamentos e empréstimos. Essa quantidade é ínfima de consumidores de serviços bancários com problemas, pois conforme informação do site da SEFAZ, no ano de 2011, somente em Cuiabá e Várzea Grande, foram feitos registros de 400 mil veículos financiados. Imagine que dessa quantidade de pessoas, nem 2% chega a verificar ou ter conhecimento do seu contrato e se ele possui ou não irregularidades, portanto para os bancos as poucas reclamações não fazem nem arranham os exorbitantes lucros a que vem tendo, eles dão risada...

QUAL A MAIOR INCIDENCIA DE IRREGULARIDADE VERIFICADA NO A DIA DOS ATENDI-MENTOS?

- Existem bancos que majoraram parcela de contratos, acima de 10% do valor real. Existem servidores públicos tanto estaduais como federais, que estão com a totalidade de seus salários comprometida com empréstimos vinculados a sua folha de pagamento, ou à sua conta bancária – no mesmo dia que é creditado o salário, são descontados os valores referentes a empréstimos – em alguns casos as contas ficam negativas, o que significa que o trabalhador ficará o mês todo sem recursos para sequer alimentar-se, que dirá para as demais despesas. Dúzias de pessoas comparecem dispostas a devolverem seu carro ou moto, com parcelas atrasadas, para se verem livre do pesadelo das cobranças abusivas das assessorias jurídicas dos bancos.

TEM UM EXEMPLO?

- A título de exemplo, recentemente um senhor aposentado, com 75 anos de idade, com problemas por causa da dificuldade de pagamento de parcelas de financiamento de um veículo, nos procurou na ADCT, pedindo ajuda: estava sendo vítima da cobrança por parte da assessoria jurídica da financeira X (quase todas agem da mesma forma), e o cobrador ao telefone o ameaçou chamando-o de “velho safado”, ele estava com três parcelas atrasadas tentando refinanciar sua dívida.

EXISTEM OUTRAS SITUAÇÕES DESSA?

- É uma situação bem comum, a maioria das assessorias praticamente “inferniza” a vida dos consumidores, pois cansam o ouvido e a paciência com tantas ligações cobrando a dívida. Parece que os cobradores das assessorias não tem outra coisa para fazer, porque se revezavam para atormentar o devedor, com telefonemas repetidos, por diversos dias consecutivos, e fora do horário comercial. Numa situação como essa, um associado nosso foi indenizado com R$ 7 mil, por danos morais num processo movido no Juizado Especial Cível Central, por cobrança abusiva e vexatória.

ENTÃO O COBRADOR NÃO PODE LIGAR PARA COBRAR?

- Não é isso, o problema é como isso vem sendo feito, pois a pressão é tanta que os funcionários das assessorias são armados para produzir resultados: receber a dívida, não importa o valor ou quantos telefonemas tenham de fazer, seja qual for o horário da ligação ou a forma como tratam do assunto.

COMO DEVE SER A COBRANÇA PELAS ASSESSORIAS?

- Pode haver cobrança por telefone, mas em horário comercial e diretamente com o próprio devedor, se identificando e abordando o assunto sem grosseria ou ameaça. Caso outra pessoa, mesmo sendo da própria família, atenda, nada de fazer cometários pejorativos ou comentarios sobre o débito. O cobrador deve agir de forma educada e informar ao devedor que, caso não pague a dívida, seu nome será enviado para o SPC ou haverá a cobrança na Justiça. Conforme previsão legal, a ameaça dessas providências somente pode ser feita uma vez, a título apenas de informação e alerta.

O QUE É CONSIDERADO COBRANÇA VEXATÓRIA E ABUSIVA, E QUE PERMITE AO CONSUMIDOR PROCURAR AJUDA NA ASSOCIAÇÃO?

- A repetição da ameaça de processo e negativação do nome do devedor, mesmo sendo procedimento previsto em lei, passa a soar como pressão constrangedora ao devedor, e, se este gravar as conversas e levar ao Juizado, a empresa pode se dar mal. Mais: a depender do tom e da forma da abordagem feita ao devedor, perturbando-o em casa, e principalmente no local de trabalho, o caso passa a ser assunto de polícia. Explico. O artigo 71 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) diz que é crime utilizar de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, fazer afirmações falsas para amedrontar o consumidor ou perturbá-lo em seu local de trabalho, descanso ou lazer. A pena é de 3 meses de detenção. Ou seja, além do direito a dano moral, se o cobrador for além da simples cobrança e perturbar o consumidor no trabalho ou nas horas de folga, o caso deve ser levado à polícia para ser registrado como crime.

COMO O CONSUMIDOR FAZ PROVA PARA LEVAR AO JUIZ A ABUSIVIDADE DA COBRANÇA?

- Ele pode iniciamente, colocar pessoas para escutarem as ligações com o aparelho no viva-voz, e depois servirem como testemunhas. Ou, como geralmente as ligações sao para celulares, o consumidor marca a data, horário e o número do telefone é faz um “requerimento na operadora de celular da transcrição da conversa” que depois será apresentada ao juiz. Em alguns casos como as ligações são na casa de vizinhos, parentes, conhecidos (pessoas que foram dadas como referência na data de liberaçao do financiamento), pode-se pegar uma declaração escrita com firma reconhecida deles, e anexar nos autos do processo. Ou ainda, quando ligam no local de trabalho, os consumidores geralmente são chamados à atençao ou até mesmo sofrem advertencias, estas também são as provas adequadas para instruir um processo de danos morais por cobrança vexatória.

A SENHORA TEM ALGUMA DICA OU ADVERTENCIA AOS CONSUMIDORES DESAVISADOS?

- Hoje uma situação muito comum e preocupante, que chega na ADCT, é a de consumidores que efetuaram a devoluçao do veiculo amigavelmente para o banco, pensando que isso quitaria o débito, e se livrariam do problema. Como fazem essa entrega confiando apenas no assessor do banco, e assinam tudo sem conhecimento, acabam “assinando um cheque em branco” para o banco, que são os termos de devoluções amigáveis com confissão de divida sem valor – os bancos posteriormente colocam os valores que querem!!!! Assim 30/60 dias após a entrega do veiculo, recebem cartas de cobranças dos saldos remanescentes e o nome volta para o SERASA. Portanto cuidado ao efetuarem a devolução sozinhos, existe o CONTRATO A e o CONTRATO B. As assessorias falam que o contrato será quitado (só se “esquecem” de avisar que será quitado se a venda cobrir todo o débito), caso contrário o consumidor fica sem o carro, com a divida e com o nome “sujo”.

ENCERRANDO NOSSA ENTREVISTA, QUAL A FUNÇÃO DA ADCT EM MT?

- A Associação de Defesa do Consumidor e Trabalhador – ADCT é uma organização, sem fins lucrativos, que atua para defender Consumidores, principalmente contra os abusos praticados por entidades financeiras poderosas, que para satisfazerem os desejos de lucros exorbitantes, não recuam nem mesmo diante do superendividamento dos consumidores e do comprometimento na sua qualidade de vida, além de sobrecarregarem o sistema judiciário e os órgãos de proteção ao consumidor, com milhares de reclamações e ações judiciais.
Assim como a ADCT, outras entidades, no Brasil inteiro estão trabalhando para tentar reverter o mal causado pela ganância desenfreada dos bancos, financeiras, administradoras de cartão de crédito, mas é como uma gota d’água no oceano. É preciso que haja uma intervenção urgente do poder público, no sentido de fiscalizar e coibir a prática bancária extorsiva contra trabalhadores de boa fé.
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