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Principal uso das células-tronco é para testes, dizem cientistas

G1

Quando as células-tronco foram usadas em experimentos pela primeira vez, havia grande expectativa de que elas possibilitassem a criação de diversos órgãos em laboratórios. Os anos se passaram e esse terreno continua promissor, mas a medicina já identificou uma função ainda mais importante para essas células – a capacidade de testar novos medicamentos.

As células-tronco são células em um estágio inicial de desenvolvimento, que têm o potencial para se transformarem em qualquer célula do corpo humano, desde que devidamente estimuladas. Por isso, permitem, teoricamente, a produção de órgãos em laboratórios.

Antes de entrar no mercado, um medicamento precisa ser aprovado em várias fases de testes. Primeiro, a substância é examinada em laboratório, com células isoladas, em plaquetas. O passo seguinte são os testes em animais. Só então esse medicamento pode ser testado em humanos, em três fases separadas, cada vez mais abrangentes.

O processo completo não leva menos de dez anos. Muitas vezes, algum problema é detectado nas etapas finais, e joga por terra todo o investimento. Com as células-tronco, a simulação fica mais precisa já nos primeiros testes, e essa pesquisa fica mais bem direcionada desde o início.

“Tem muitas bibliotecas de drogas altamente complexas. Para testar tudo isso em seres humanos levaria anos. Com células-tronco, você vai descartando o que não deu certo muito rapidamente, então acho que essa é uma etapa onde a gente vai acelerar o processo”, explicou Alysson Muotri, pesquisador da Universidade da Califórnia, em San Diego, nos EUA.
Alysson Muotri (esquerda), Mayana Zatz (centro) e Marcello Fanelli (direita) em debate sobre células-tronco (Foto: Tadeu Meniconi/G1)Alysson Muotri (esquerda), Mayana Zatz (centro) e Marcello Fanelli (direita) em debate sobre células-tronco (Foto: Tadeu Meniconi/G1)

Muotri, que também é colunista do G1, participou nesta quarta-feira (29) de um debate sobre o assunto no Hospital do Câncer A.C. Camargo, em São Paulo. A mesa ainda contou com a participação de Mayana Zatz, professora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), uma das principais pesquisadoras do tema no Brasil, e de Marcello Fanelli – diretor de oncologia clínica do A.C. Camargo.

Zatz e Fanelli concordaram que a principal aplicação das células-tronco já é acelerar as pesquisas. “As que derem errado nem vão pro modelo animal”, comentou a professora da USP.

Dificuldades no Brasil
Os pesquisadores reclamaram da dificuldade para encontrar voluntários para os testes clínicos. Nos Estados Unidos, quem se oferece para participar de exames de um novo medicamento recebe uma compensação financeira. No Brasil, isso não é permitido.
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Segundo Fanelli, um medicamento desenvolvido no país pode levar até dois anos para ser liberado para testes em humanos. Como existe uma competição internacional, isso pode colocar os cientistas brasileiros em posição de desvantagem em relação à concorrência.

“Se, por um lado, o procedimento é moroso, no outro, é criterioso e coerente”, ponderou Fanelli. Os cientistas relataram casos ocorridos em países como a China, em que médicos cobram por tratamentos ainda não aprovados – o que vai contra a ética das pesquisas –, explorando o desespero de pacientes de doenças ainda sem cura.

Para eles, a legislação brasileira torna o processo lento até por uma questão cultural. “É muito da nossa cultura de achar que tem sempre alguém levando vantagem”, afirmou Alysson Muotri.

No entanto, os cientistas acreditam que é possível melhorar as condições de pesquisa. “O que eu acho é que nós devemos fazer pressão para que isso aconteça”, disse Mayana Zatz.

Os testes clínicos em humanos são um estágio indispensável do desenvolvimento de qualquer medicamento, e por isso não poderiam ser substituídos pelo uso das células-tronco. “Todas as pesquisas são complementares, elas se complementam”, explicou Zatz.

Órgãos
Apesar do destaque dado ao uso das células-tronco em exames, os pesquisadores lembraram que a produção de órgãos artificiais ainda é, sim, um objetivo importante da medicina.

“Vai eliminar a fila de transplante para uma série de órgãos se eles conseguirem usar essa tecnologia”, apontou Muotri, sobre a possibilidade. “Para órgãos como o cérebro, complica, mas para sistemas mais simples, como a bexiga, acho que vai funcionar”, afirmou.

Segundo ele, já há casos de pesquisadores que aplicam as células-tronco até fora da medicina, como na tentativa de salvar espécies em extinção. “O limite do uso é a criatividade humana”, previu.

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