Imprimir

Notícias / Brasil

UPPs ajudam a reduzir desconfiança entre polícia e moradores, diz estudo

BBC



A implementação de UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) e a ação de movimentos sociais estão oferecendo caminhos para um Rio de Janeiro mais 'comunicativo', dando novas perspectivas para moradores de favelas cariocas, diz um estudo da universidade britânica London School of Economics (LSE) divulgado nesta quinta-feira.

Coordenado pela pesquisadora brasileira Sandra Jovchelovitch, do Instituto de Psicologia Social da LSE, aponta que, tanto do lado de policiais quanto do de moradores de quatro favelas cariocas (Cidade de Deus, Cantagalo, Madureira e Vigário Geral), a adoção das UPPs está, aos poucos, mudando a conflituosa relação entre a polícia e moradores.

Cerca de 55% dos 200 moradores de favelas entrevistados na pesquisa citaram 'mudanças positivas' em suas comunidades desde a chegada das UPPs.

Do ponto de vista dos policiais também há indícios de mudança de mentalidade.

Em depoimento ao estudo, um comandante de UPP afirma que 'a polícia do Rio tinha um histórico: (pensava que) favelados eram todos iguais, que ninguém era bom, todos semeavam o mal. Isso agora está mudando, porque há uma nova visão. A visão que adquiri aqui (na UPP) é de que, em uma comunidade de 10 mil pessoas, talvez eu encontre 80 que não são boas. Os demais são trabalhadores, pessoas que eu admiro porque se eu tivesse em sua posição talvez não conseguisse conquistar o que elas conquistaram'.

Para Jovchelovitch, ainda permanece vigente a desconfiança mútua entre policiais e moradores, mas 'as UPPs estão mudando a polícia por introduzir um novo modelo de entendimento das favelas e por mudar a cultura interna da (polícia).'

'Novos recrutas e o diálogo estão gradualmente construindo novas representações e canais de comunicação, que contribuíram para aumentar a sensação de segurança nas comunidades. Há uma diferença clara entre as comunidades com e sem UPPs.'

'Bala perdida'

As UPPs são unidades de policiamento comunitário permanentes, instaladas em favelas do Rio para acabar com o domínio do tráfico armado sobre esses territórios. Elas são construídas após a ocupação das comunidades por forças de segurança. O modelo foi implementado há quase quatro anos, gradualmente, nas favelas cariocas.

De um lado, críticos dizem que o modelo apenas força o deslocamento de traficantes, abre espaço para a formação de milícias e, durante a fase de ocupação militar, gera rusgas com a população.

Do outro, defensores dizem que a adoção da UPP muda a dinâmica da favela ao permitir a entrada de serviços básicos e, principalmente, reduzir a violência.

'A ideia é que a UPP tenha seu foco nos direitos humanos e na reconquista de territórios pelo Estado, para reintroduzir suas leis em benefício da comunidade. Isso é ainda mais importante do que combater o narcotráfico', diz Jovchelovitch na sua pesquisa.

Um dos entrevistados pela pesquisadora em Cidade de Deus disse que a favela está 'mais calma' desde a implementação da unidade pacificadora. 'O problema nem eram os assaltos, mas os tiroteios - ficar no meio de balas perdidas, sem saber para onde ir. Agora melhorou, só de saber que uma bala perdida não vai atingir a sua cabeça'.

Movimentos sociais e 'porosidade'

O estudo também elogia o trabalho de movimentos sociais como Cufa (Central Única das Favelas) e AfroReggae, que, segundo Jovchelovitch, ajudam na integração socioeconômica dos moradores de favelas, no fortalecimento de laços comunitários e na criação de exemplos positivos para jovens. Também porque usam a arte e a cultura locais para dialogar com os ambientes externos à favela.

Essas organizações são bem-sucedidas por transitarem entre diferentes tipos de ações - como o de ONG, o de projeto cultural e o de fomento ao empreendedorismo.

'Esse modelo de desenvolvimento social pode ser reproduzido em contextos similares em outros lugares do mundo porque é baseado em conceitos universais: o poder do indivíduo, o poder da imaginação e o poder do diálogo', diz o estudo, chamado 'Underground Sociabilities'.

Ao mesmo tempo, porém, as favelas, que abrigam mais de 20% da população carioca, ainda oferecem perspectivas muito limitadas aos seus cidadãos, diz Jovchelovitch. Cerca de 70% dos jovens de 12 a 17 anos pesquisados vivem em famílias de pai ausente; 20% não tem nem pai nem mãe. 'E uma família estável é considerada essencial para o indivíduo e para uma vida positiva', diz a pesquisadora.

Além disso, em muitos casos, o tráfico de drogas continua sendo o 'provedor, o legislador e o organizador da rotina da favela, oferecendo um sistema paralelo e de códigos de comportamento, além de uma opção de 'carreira profissional'', diz o estudo.

A mudança da dinâmica das favelas também tem a ver, segundo o estudo da LSE, com a chamada 'porosidade' das favelas, ou a facilidaade com a qual elas se comunicam com o resto da cidade.

Nesse ponto, Cantagalo, por exemplo, se sai melhor do que Cidade de Deus, por ter uma localização mais central, ter recebido mais oferta de serviços públicos e privados e por ter conexão de transportes com outros bairros, como Ipanema.

Imprimir