Imprimir

Notícias / Brasil

Defesa de coronel Ubiratan diz que não houve massacre no Carandiru

G1

Há exatos 20 anos, quando uma rebelião na Casa de Detenção de São Paulo, popularmente conhecida como Carandiru, culminou com a invasão da Polícia Militar e a morte de 111, um nome teve destaque entre os envolvidos: o coronel Ubiratan Guimarães. Comandante da operação, ganhou notoriedade com o episódio a ponto de ser eleito deputado estadual (usando o controverso número 111 na campanha).

Único julgado até hoje pelo caso, inicialmente foi condenado em 2001 por júri popular a mais de seis séculos de prisão. Cinco anos depois, porém, já com foro privilegiado de parlamentar, Ubiratan foi inocentado por desembargadores do Tribunal de Justiça (TJ). Em 2006, quando planejava a reeleição, terminou assassinado a tiros no apartamento onde morava, nos Jardins, região nobre de São Paulo. Como o coronel morreu antes da publicação do acórdão que o absolveu no TJ, o Ministério Público não pôde recorrer da decisão e o processo contra o comandante do massacre foi extinto.

A motivação do crime, segundo o Ministério Público, nada tem a ver com o Carandiru. Acusada pelo assassinato, sua namorada, Carla Cepollina, teria matado o oficial por ciúmes – fato negado por ela.

Para a defesa do oficial, Ubiratan é, até hoje, injustamente considerado responsável por um massacre. “Os presos que se renderam e não foram para cima [dos PMs] foram salvos e socorridos. Todo mundo fala no número de mortos. Ninguém fala do número de poupados, quase 2 mil”, disse, em entrevista ao G1, o advogado Vicente Cascione.

“Morrem 100 por opção. É um confronto, meu Deus do céu”, disse, acrescentando que, por esse motivo, atualmente “não é mais cabível falar-se em massacre do Carandiru”.

Segundo Cascione, se Ubiratan e a PM não tivessem entrado, todos os presos no pavilhão morreriam em decorrência dos incêndios causados pelos próprios detentos. “Aí sim, o coronel responderia por um massacre por omissão. Por deixarem queimar em uma churrasqueira de cinco andares 2.069 presos”.
Carro do Choque entra no dia da tragédia (Foto: Arquivo/ Diário de S.Paulo)Carro do Choque entra no Carandiru no dia da tragédia (Foto: Arquivo/ Diário de S.Paulo)

Briga
Ainda é fonte de controvérsia o que causou o tumulto que culminou na rebelião no Pavilhão 9 naquela sexta-feira, 2, véspera do primeiro turno das eleições municipais. Alguns atribuem a uma disputa por tráfico de drogas; outros, a uma briga entre detentos de facções rivais que se espalhou como rastilho de pólvora. O fato é que, com o início do motim, os detentos barraram a entrada do edifício, situado no fundo do complexo, e atearam fogo em alguns pontos para dificultar o ingresso dos policiais.

De acordo com a denúncia do Ministério Público, com o passar das horas a confusão tornou-se generalizada e o então diretor do presídio, José Ismael Pedrosa, acionou a PM. Comandante do Policiamento Metropolitano, Ubiratan chegou à Casa de Detenção e, após analisar a situação, ligou para o secretário da Segurança Pública à época, Pedro Franco de Campos. O G1 entrou em contato com o ex-secretário, que disse que não comenta mais o assunto.

Segundo a Promotoria, Campos pediu para o coronel que avaliasse a situação e, se entendesse conveniente, que ingressasse com a tropa no Pavilhão 9. Após uma última tentativa, infrutífera, de negociação com os rebelados, os policiais entraram.

Cascione afirma que o risco de a fumaça se espalhar pelos corredores e asfixiar os detentos motivou a ordem de entrada. “Eles [presos] acharam que porque o prédio era de alvenaria não iria pegar fogo. Mas o que mata não é o fogo. O que mata é a fumaça.”

Ao invadir com a tropa, Ubiratan, ainda no andar térreo, foi atingido pela explosão causada por um vazamento de gás e desmaiou. Levado para um hospital, não participou mais diretamente da invasão. “Portanto, a única operação que o coronel Ubiratan Guimarães comandou foi cumprir a ordem que foi dada pelos superiores de ingressar.”

Por ser o comandante da ação, porém, foi diretamente implicado nas 102 mortes causadas pela PM (nem todos os presos foram baleados: nove deles morreram em brigas anteriores à chegada dos policiais). Até hoje, ele é o único réu que foi julgado.

Julgamento
Em 2001, sentou no banco dos réus e, após um júri que durou 12 dias, ouviu da juíza a sentença: 632 anos de prisão. Injustamente, segundo o advogado Cascione. O defensor afirma que os jurados já haviam considerado que seu cliente não provocara dolo e que agira no estrito cumprimento do dever legal. “Não há crime se o agente pratica o fato no estrito cumprimento do dever legal e no exercício regular de um direito.”

O coronel, porém, foi considerado culpado pelo excesso de seus comandados, o que ocasionou sua condenação. Ele recorreu em liberdade e jamais cumpriu pena; um ano depois, candidatou-se a deputado estadual e foi eleito.

Com direito a foro especial graças a seu cargo no Legislativo, foi julgado em 2006 pelo órgão especial do Tribunal de Justiça. Os desembargadores decidiram pela anulação do júri anterior e o absolveram. Meses depois, enquanto se empenhava para reeleger-se, foi assassinado com um tiro no abdome disparado de uma de suas armas: um revólver calibre 38 que jamais foi encontrado.
Imprimir