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Especialista vê perigo e falta de bom senso em "maratonas" de Neymar

Terra

O cenário se repetiu com cinco jogadores na última quarta-feira, dia de rodada do Campeonato Brasileiro: atletas que haviam atuado há cerca de 24h pelas seleções de seus países retornaram para defender seus clubes na competição. Mas ninguém se sacrificou mais que Neymar. Se Leandro Damião, Thiago Neves, Guiñazu e Barcos atuaram pouco com as camisas de Brasil e Argentina, o craque santista jogou praticamente duas partidas inteiras em dois dias. Mas quanto essa "maratona" pode prejudicar o principal nome do futebol brasileiro?

Para o fisiologista Turíbio Leite de Barros, que trabalhou por 25 anos no São Paulo, o risco de lesão cresce bastante, mas é impossível de ser calculado com exatidão. Pioneiro da fisiologia esportiva no Brasil, o atual funcionário do Esporte Clube Pinheiros afirmou que mesmo um atleta jovem e privilegiado fisicamente - caso de Neymar - pode sofrer os efeitos da falta de tempo para recuperação do corpo.

"Ele é um garoto, tem saúde de ferro, condição extremamente acima da média, e tudo isso ajuda. Mas acho que o problema é a reincidência disso. Mesmo um jogador como ele, com todos esses fatores favoráveis, quando está jogando em uma situação como essa, tem risco bem maior de lesão. Cansaço, fuso horário na cabeça, todas essas situações tornam um jogo de maior risco, até por ele não ter a mesma agilidade ou intuição de evitar um choque, por ser um jogador muito mais visado", disse Turíbio.

De acordo com o Sindicato dos Atletas Profissionais do Estado de São Paulo (Sapesp), não há uma regulamentação que proíba um jogador de atuar duas vezes em um curto intervalo de tempo. O que existe é o artigo 25 do regulamento de competições da CBF, que estipula um prazo mínimo de 66 horas entre duas partidas - a regra, porém, só se aplica a torneios organizados pela entidade. Segundo Turíbio, porém, o período recomendado de descanso é ainda maior.

"Se quiser um parâmetro pra ser respeitado, seria de 72h. Até quando não há variáveis como uma viagem de um continente para outro, com fuso horário e tudo mais. É o que a ciência recomenda, mas a gente sabe que o futebol tem uma série de outros valores, que passam por cima da ciência e até do bom senso", avaliou o fisiologista.

Um dos casos que pode ser vir como exemplo é o do atacante Hernán Barcos. Após participar da partida da Argentina contra o Chile na noite de terça, ele acordou às 5h30 da quarta-feira e pegou dois aviões para chegar a tempo de defender o Palmeiras diante do Bahia, às 19h30, em Salvador - na partida, deu a assistência para o gol da vitória por 1 a 0, marcado por Betinho.

"Se for pensar no bem do jogador, não tem dúvida nenhuma que ele tem que ser preservado. Mas é evidente que nessas situações tem toda uma pressão da necessidade da presença do atleta, o clube em um momento em que precisa contar com ele, e no balanço se acaba definindo em função do clube, e não do atleta", disse Turíbio.

Já o Sapesp também criticou a prática de submeter os jogadores a partidas em sequência, mas lembrou que não há nada que se possa fazer se esse for o desejo do atleta. "O sindicato acha isso contraproducente, coloca em risco toda uma temporada no clube e na seleção. É um desgaste excessivo, um cansaço ruim para o atleta. Mas tudo vai da vontade do atleta. Se ele acha que isso não é prejudicial, não há nada que o sindicato possa fazer. A não ser que ele se manifeste", explicou o diretor tesoureiro da entidade, Luiz Eduardo Pinella.

Para Pinella, que foi zagueiro do Corinthians nos anos 80, a evolução da medicina esportiva também ajuda na "contenção de danos" aos jogadores em casos como este. "Hoje, o clube tem um controle absurdo sobre isso, dá para se averiguar um cansaço muscular. Acredito que todos eles tenham feito cuidados para não ficar sem o jogador o resto da temporada. São inteligentes o suficiente para saber daquela condição", minimizou.

Turíbio, porém, alerta que os avanços da ciência não podem anular totalmente os efeitos negativos da falta de recuperação do organismo. "Todos os recursos que estão disponíveis podem acelerar recuperação, atenuar desgaste. Claramente existem recursos da ciência moderna que podem ajudar isso. Mas de maneira nenhuma conseguem neutralizar. É um risco que não pode ser tão bem calculado, é imprevisível o resultado. Só vai acontecer isso quando alguém se machucar", afirmou.

Santos diz que risco de Neymar é menor que dos demais

Para o fisiologista do Santos, Luís Fernando de Barros, o risco de lesão de Neymar em situações de descanso inferior a 72h é menor do que o da maioria dos atletas, graças à condição física acima da média do atacante. Barros explicou que a decisão de escalar o camisa 11 em casos como este é tomada levando em consideração o perigo do desgaste, mas o fato de o atacante nunca ter se machucado em três anos conta a seu favor.

"É claro que sempre existe um risco. Para todo atleta, quando entra em uma partida, existe o risco de se machucar, e o fato de jogar de forma seguida, com o período de recuperação inferior a 72h, certamente representa um risco aumentado em relação ao atleta que pôde descansar durante esse período. Mas claro que essa é uma decisão conjunta entre todos da comissão técnica, principalmente com o Muricy, e consideramos que valeu a pena", afirmou.

"Se a gente percebe que o atleta está correndo um risco muito maior, que tem um histórico de lesões, vamos tomar mais cuidado, mas como o Neymar é um atleta que não se machuca, nunca tivemos um caso de lesão dele nos últimos três anos, acaba sendo um risco menor. No caso do Neymar, sabemos que é possível porque ele apresenta essa situação acima do comum", finalizou Luís Fernando.

Confira as "maratonas" de quem jogou terça pela seleção e quarta pelo clube

Neymar: 180 minutos (86min pelo Brasil e 94min pelo Santos)
Guiñazu: 125 minutos (31min pela Argentina e 94min pelo Internacional)
Barcos: 98 minutos (6min pela Argentina e 92min pelo Palmeiras)
Leandro Damião: 72 minutos (7min pelo Brasil e 65min pelo Internacional)
Thiago Neves: 50 minutos (3min pelo Brasil e 47min pelo Fluminense)
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