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Gonorreia resistente a antibióticos preocupa autoridade nos EUA

Terra

Embora a bactéria Neisseria gonorrhoeae, que causa a gonorreia, tenha sido identificada há mais de um século, o micro-organismo ainda é um problema de saúde pública que preocupa autoridades nos EUA.

Em fevereiro, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) americano fez um alerta sobre a ameaça de tipos de gonorreia resistentes a antibióticos.

Segundo o infectologista e imunologista Esper Kallás, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em geral, a gonorreia é um bacilo fácil de tratar e raramente apresenta complicações.

Quando não tratadas ou tratadas de forma inadequada, porém, essa e outras DSTs podem facilitar a infecção pelo vírus da Aids, por exemplo.

"Essas doenças – como gonorreia, HIV, clamídia, sífilis, hepatite B e herpes – costumam andar juntas, pois as vias de transmissão são as mesmas. O contágio também tem a ver com o número de parceiros, o tipo de relação e o uso de preservativo", explica.

'Longe de ser como a Aids'
Mas, apesar de ser um problema de saúde pública, a gonorreia está longe de ser um perigo como a Aids, acredita o médico.

Esta semana, sites internacionais levantaram a hipótese de que um tipo resistente de gonococo, vindo do Japão e já presente na Europa e nos EUA, poderia se espalhar rapidamente pelo globo e se tornar uma ameaça maior que a do HIV.

Para o ginecologista Mauro Romero Passos, professor associado e chefe do setor de DST da Universidade Federal Fluminense (UFF), ainda é muito cedo para falar sobre isso.

"Mas não vou me surpreender se a coisa ficar mais séria e a gente voltar a ter dificuldade de combater o gonococo. Cerca de 10% a 15% desses tratamentos já não dão certo, aí precisa mudar o antibiótico e a dose", diz.

De acordo com Passos, há bactérias causadoras de gonorreia resistentes a medicamentos como penicilina, tetraciclina, quinolona e, mais recentemente, cefalosporina – considerada "prima" da penicilina, só que mais moderna, com possibilidade de ser injetável e usada mais em doentes graves hospitalizados.

"À medida que se aplica demais um antibiótico, começa a haver resistência. O ideal não é buscar o remédio mais novo e caro, mas tentar diminuir a doença, trabalhar com prevenção, usar camisinha, fazer exames de rotina, práticas educativas, rastreio na população e desenvolver uma vacina", destaca o ginecologista.

Segundo Passos, já há trabalhos na UFF e em Manaus sobre cepas (tipos) resistentes de gonococo. Em países europeus e nos EUA, de acordo com ele, também existem estudos publicados com recomendações para evitar o uso de quinolonas, por exemplo.

"As bactérias aprendem tanto quanto nós, são inteligentes. Com o tempo, entendem o mecanismo (de ataque) e passam a se defender", afirma.

O ginecologista diz que taxas acima de 5% de resistência já são preocupantes. Só nos EUA, em 2011, 22,7% dos gonococos analisados foram resistentes à tetraciclina; 13,3%, à quinolona; e 11,8%, à penicilina.

Números e sintomas
Em 2011, a gonorreia foi a segunda infecção mais notificada nos EUA, com 300 mil casos, atrás apenas de outra DST, a clamídia. A maioria dos casos é assintomática, principalmente se atingir o colo do útero, a faringe e o ânus. Alguns pacientes, porém, podem ter inflamações nesses locais, e também na uretra. Segundo o infectologista Esper Kallás, os sintomas mais comuns de gonorreia são ardência ao urinar e secreção pelo canal da urina com aspecto de pus.

"No homem, é mais fácil fazer o diagnóstico. A uretra masculina é mais comprida, então esses sinais são mais sentidos", explica. Se não tratada, a Neisseria gonorrhoeaepode causar infertilidade nas mulheres e obstrução da uretra nos homens.

Sistema de vigilância
Desde 1986, o CDC mantém um sistema de vigilância específico para monitorar os casos de gonorreia resistente a antibióticos. O objetivo é ter uma base científica para as recomendações de tratamento e permitir que sejam feitas mudanças antes que o problema se agrave.

Na visão do órgão americano, são necessárias novas opções de tratamento para a doença. Segundo o CDC, nos últimos 30 anos tem caído os números desse tipo de remédio aprovados pela agência Food and Drug Administration (FDA), que regula medicamentos e alimentos nos EUA.

Atualmente, apenas uma nova droga está passando por estudo clínico como potencial tratamento para a gonorreia. E o desenvolvimento de alternativas de tratamento precisa começar o quanto antes, pois esse processo pode levar mais de uma década, ressalta o CDC.

Para controlar a ameaça das bactérias resistentes, os departamentos de saúde municipais e estaduais dos EUA devem notificar imediatamente o CDC sobre a suspeita de falhas no tratamento com cefalosporina. Quando um caso desses é detectado, deve-se entrevistar o paciente, tratá-lo de forma adequada e garantir que todos os seus parceiros sexuais recentes sejam avaliados e tratados.

Vacina
Sobre a possibilidade de uma vacina contra a gonorreia no futuro, Passos destaca que o gonococo não é uma bactéria simples.

"Além disso, há o lado triste da coisa, que é o mercado. Não há laboratórios ou fontes de pesquisa para desenvolver (a dose). Essa é uma doença que historicamente vem como punição ao sexo, ligada à prostituição", diz.
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