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Notícias / Brasil

Mistura de ritmos embala as noites nas favelas do Rio

O Globo

Sábado, 4 de maio, 18h. Dezenas de cariocas e turistas esperam a vez de subirem o plano inclinado do Santa Marta até um dos sambas mais badalados da cidade. No Vidigal, DJs preparam as pick-ups para o baile charme. No Morro dos Prazeres, um grupo de jovens finaliza os preparativos para, na tarde seguinte, reunir fãs de hip hop numa batalha de MCs. Em algumas favelas com Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) — mas nem todas, bom frisar — estão bombando, como se diz no bom carioquês, festas que têm incluído novos endereços à balada do Rio.

Numa das pioneiras delas, já é de praxe a Pôr do Santa lotar a Laje do Michael Jackson, no Santa Marta. No último fim de semana, era o motivo da fila no plano inclinado. E, ao som de clássicos como “Canto de Ossanha”, fez cerca de 400 pessoas sambarem no alto do morro. O evento, que acontece todo primeiro sábado do mês, tem sido um exímio promotor de encontros. Surgiu despretensiosamente há pouco mais de dois anos, quando o guia de turismo Gilson Fumaça juntou amigos para comemorar o aniversário de 33 anos. Com cerveja, feijoada e samba, virou sucesso, entrou para o calendário de festas na favela de Botafogo — a primeira a receber uma UPP, em 2008 — e ganhou fama que vai além das fronteiras do Rio.

Na edição daquele sábado, reunia um turista russo e uma fotógrafa italiana que conversavam em frente a um trailer de artesanato local. Num bar com vista para a laje, amigas da Tijuca, Estácio e Jardim Botânico se divertiam depois de saírem da praia. Antigos vizinhos do Leblon matavam a curiosidade sobre a festa que ouviram falar em outras rodas de samba. A alagoana Mary Martins e a paulista Mariana Constantin, radicadas na Zona Sul carioca, apresentavam à paulistana Janaína Venezian a night do Santa Marta.

— Saímos da Feira do Lavradio (na Lapa) e viemos para cá. No Rio, é a primeira vez que visito uma favela. É um programa diferente, que soma a experiência da comunidade e seu movimento cultural, com um bonito visual e bom som — comentava Janaína.

No Vidigal, acostumado com a movimentação de estrangeiros e cariocas de outros lugares mesmo antes da pacificação, o vaivém tem aumentado e ajudado a badalar ainda mais festas como as do Alto Vidigal ou da Oficina do Jô. Churrascos, happy-hours e festas na laje também já transformaram o Vidigalbergue Rio Hostel em outro point da comunidade. Misturam um número crescente de turistas que decidem se hospedar no morro com gente de todas as partes do Rio.

— O Vidigal sempre foi uma comunidade festeira. Mas agora, há dias com até três eventos diferentes. Aqui no hostel, o público é bem misturado, de hóspedes, moradores, a galera da Zona Sul... Todos deslumbrados com um visual que os faz se sentirem debruçados sobre o mar — afirma Luis Selva, sócio do Vidigalbergue.

Com intuito de estimular essa vocação à festa, recentemente o agitador cultural Wanderley Gomes, presidente de uma rádio comunitária, acrescentou um novo som à babel de ritmos do Vidigal. Aos sábados, de 15 em 15 dias, ele instituiu o baile charme na praça da comunidade. E desde o primeiro, tem visto os efeitos de uma cidade que passou a se frequentar mais: o DJ é morador do Cantagalo, e o público vem da Rocinha ao Alto Leblon.

Comércio efervescente

A black music é o som de outro evento que tem agitado o pacificado Morro dos Prazeres, em Santa Teresa: o Black Santa, que acontece uma vez por mês, aos domingos — a próxima será no dia 9 de junho — e surgiu de uma comemoração de aniversário. E já na sétima edição, segundo os organizadores, mistura charmeiros e amantes do hip hop não só da favela, mas da Baixada Fluminense, Madureira e Lapa, além de turistas.

Essas festas movimentam a cena cultural e a economia das comunidades. No Santa Marta, os dias de eventos costumam ser dos mais lucrativos para os mais de cem estabelecimentos comerciais do lugar. E têm estimulado iniciativas para todos os gostos e bolsos, como as festas mais caras na quadra da escola de samba, cujo ingresso pode chegar até R$200. Ou as mais baratas como o Forró da Toinha, todos os sábados, ou a Tarde do Baião, todo segundo sábado do mês.

— Ofereço um baião de dois, com ingredientes que compro na Rocinha, com cachaça e rapadura de sobremesa — diz Salete Martins, guia de turismo que promove a Tarde do Baião.
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