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'É desumano o que acontece ali', diz filha de paciente morto em hospital

G1

Os familiares de um paciente que ficou mais de dois meses internado em um Hospital Municipal de São Vicente, no litoral de São Paulo, reclamam de negligência e acusam o Hospital de maus tratos. O aposentado Antônio Elizeu de Almeida, de 61 anos, morreu no último sábado (18). Segundo o atestado de óbito, Antônio faleceu por desnutrição, sarcoma de partes moles e desequilíbrio hidroeletrolítico. A vítima tinha um tumor no ombro direito que, segundo os familiares, estava como uma ferida exposta e não recebia a atenção necessária.

A cabeleireira Fabiana de Almeida, filha do aposentado, diz que não sabia que o pai tinha câncer. Eles chegaram ao hospital depois que Antônio reclamou de dores no ombro e dois caroços surgiram no local. Ele ficou internado por cerca de 30 dias, mas teve alta mesmo sem o câncer ter sido diagnosticado, já que a família aguardava o resultado de alguns exames. O aposentado apresentou um quadro hemorrágico no ombro e teve que voltar ao hospital.

Os problemas da família começaram no retorno ao hospital. Segundo Fabiana, o estado de saúde de seu pai havia piorado. O médico pediu um exame de plaquetas com urgência, mas a responsável pela realização dos procedimentos se recusou a dar prioridade. “Nesse momento eu comecei a fica nervosa. Eu falei para ela: “você faz isso que é porque não é o seu pai que está com um tumor”, e ela me respondeu falando que isso era um problema meu”, lembra Fabiana.

O câncer só foi diagnosticado no retorno ao hospital. Uma hora após um exame de sangue, o paciente voltou a ficar internado. Ainda segundo a filha do aposentado, na segunda passagem pelo hospital, ele já não conseguia fazer nada sozinho, porque o tumor havia estourado e, além do mau cheiro, uma secreção saía da ferida. Fabiana conta que novamente começou a ter problemas com as funcionárias que estavam responsáveis pela observação dos pacientes. “Eu tive que deixar uma noite ele sozinho no hospital, e outro paciente, que estava no mesmo quarto, mas apenas com uma lesão na perna devido a uma queda de skate, me garantiu que cuidaria dele. No dia seguinte fiquei sabendo que os próprios pacientes trocaram a fralda dele a noite, porque a enfermeira se recusou a trocar e disse que estava sozinha no plantão. Durante a madrugada nenhuma enfermeira cuidou dele. Quando cheguei de manhã, meu pai estava pelado e com a fralda cheia de urina', reclama.

A filha do paciente explica que nem todas as enfermeiras agiam dessa forma. Ela conta que tiveram problemas com cerca de cinco funcionárias. “Eu tinha que implorar para as pessoas colocarem soro, dar banho no meu pai, trocar curativo. Parecia que elas tinham nojo de mexer na ferida dele”, conta Fabiana. Ela diz ainda que o médico orientou que os curativos fossem refeitos sempre que necessário, por causa da gravidade, mas as enfermeiras refaziam apenas duas vezes por dia. “Até mosca eu via na ferida do meu pai. Elas tratavam ele igual a bicho”, completa.

Além dos problemas em relação ao atendimento, Fabiana conta que a infraestrutura do hospital é precária. “Eu tinha que pedir grades para a cama dele, mas nem sempre era atendida. Um dia chegaram a amarrar meu pai na cama por falta do equipamento”, explica. O paciente só foi transferido para a UTI no último dia 13, depois que uma reportagem foi publicada contando o sofrimento da família. “É desumano o que acontece ali”, lamenta.

Fabiana conta também que foi informada que os médicos chegaram a pedir a transferência para um hospital em Santos, mas nenhuma vaga foi encontrada. O aposentado faleceu no por volta da 0h30 do último sábado, e a família só foi avisada às 8h30. Ela explica que chegou a entrar em contato com a Secretaria de Saúde de São Vicente para cobrar a possível transferência, mas foi informada que não havia vaga e que o registro de entrada no Hospital Municipal do pai era do dia 8 de maio. “Um médico conseguiu uma consulta com um oncologista da Santa Casa de Santos. Eles levaram meu pai até lá de ambulância no dia 8. No mesmo dia ele retornou para o hospital em São Vicente, onde ele já estava internado há quase dois meses”, conta. A filha do paciente conta que o despreparo do hospital era tão grande que, ao invés de morfina por causa da forte dor, o pai recebia anti-inflamatórios.

Além da perda do pai, Fabiana tem outras sequelas do período em que acompanhou Antônio no hospital. Naturais de Pernambuco, a única filha que mora em São Vicente teve que acompanhar o pai todos os dias, já que a esposa de Antônio tem pressão alta e não poderia acompanhar o problema. “Eu estou com depressão, fazendo acompanhamento psiquiátrico. Eu ajudei meu pai a fazer curativo, vi tudo o que aconteceu com ele, e com as pessoas sofrendo em volta. Estou com o sistema nervoso abalado”, finaliza.

Em nota, a Prefeitura de São Vicente afirma que o paciente deu entrada no Hospital Municipal no dia 10 de abril com neoplasia de pequenas células do ombro. Já no dia 08 de maio, ele foi avaliado no ambulatório da Santa Casa de Santos pela equipe de oncologia, e foram realizados exames laboratoriais e anatomopatológico. Ainda nesta data, foi solicitada à Central de Vagas a transferência do paciente à Santa Casa para iniciar tratamento. Nos dias seguintes e até 13 de maio, foi reiterada diariamente a solicitação de vagas à central do Estado. Ainda segundo a Prefeitura, no último dia 13 o paciente apresentou piora no estado de saúde e foi encaminhado à UTI do Hospital Municipal de São Vicente, onde faleceu no último sábado.
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