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Prisão de segurança máxima abriga "esquecidos" pela Justiça em Salvador

ABr

A lentidão da justiça e a falta de assistência jurídica são os maiores problemas enfrentados pelos internos da Unidade Especial Disciplinar (UED), um presídio destinado a presos considerados de alta periculosidade dentro do Complexo Penitenciário da Mata Escura, em Salvador. Inaugurada há cinco anos, somente há duas semanas a unidade de segurança máxima conta com o atendimento de um único defensor público.

Com a falta de acesso à Justiça, multiplicam-se no presídio as queixas dos internos que se consideram “esquecidos” pelo Judiciário e pela sociedade. “Quem rouba nossa liberdade é ladrão também”, ressalta J.C.B, preso há três anos e nove meses, ainda sem sentença. “Se eu pegar a pena máxima pelo crime que cometi, eu já paguei em dobro”, alega.

Na mesma situação está A.F.S, que chegou na unidade logo quando foi inaugurada, há pouco mais de cinco anos. Como ele é de Pernambuco, não recebe visitas de familiares e disse que há muito tempo não sabe como anda seu processo. “Fui ouvido uma vez somente, quando completou dois meses da minha prisão”, ressaltou.

O próprio diretor da unidade, Paulo Roberto Salinas, admite que a lentidão da justiça existe e que é o principal problema da unidade. Com um percentual de 70% de presos provisórios, o diretor admite que todos eles ultrapassaram o prazo limite de 45 dias para prisão temporária previsto em lei. “Se formos pegar o que diz a lei, todos os presos provisórios estão com esse prazo vencido, como ocorre em todas as prisões brasileiras”, disse o diretor.

Mesmo se refugiando em uma situação que é nacional, o diretor também admite a existência de casos que são aberrações, como pessoas presas aguardando a Justiça por um tempo maior que a pena máxima prevista para seu crime. “Existem, mas são poucos. Com a presença do defensor público aqui, esperamos solucionar esse problema. Ele tem atendido cerca de 20 presos por dia, 10 de manhã e 10 a tarde”, explicou Salinas.

“O principal problema é a lentidão da Justiça, principalmente quando se refere a comarcas do interior. Na capital, os advogados ficam mais em cima dos processos, com mais acesso aos órgãos da Justiça. Além disso, temos presos aqui que têm acusações em mais de um estado, chegando as vezes em quatro estados”, completou o diretor, que assumiu a unidade em outubro de 2007.

A UED é a unidade mais fechada do complexo da Mata Escura, que conta ainda com quatro pavilhões da Penitenciária Lemos de Brito (PLB), dois prédios do Presídio de Salvador (Casa de Detenção), duas unidades do Presídio Feminino e ainda o Centro de Observação Penal (COP). A superlotação não é presente na UED.

Com capacidade para abrigar 324 presos, a unidade fechou a última quarta-feira (17) com 325 presos, um a mais. As 108 celas, distribuídas em três galerias, abrigam cada uma quatro presos. “As vezes dormem cinco, sem problemas”, dizem os próprios presos.

Para a chefe da Defensoria Pública da Bahia, Tereza Cristina Almeida Ferreira, o problema maior está no longo prazo gasto pela justiça para julgar os processos. De acordo com Tereza Cristina, o trabalho da defensoria que está sendo desenvolvido há duas semanas tem o objetivo de dar um diagnóstico sobre a situação para o Conselho Nacional de Justiça, em em agosto vai iniciar um mutirão no estado.


“Nosso objetivo é atender 100 presos por dia, com 10 defensores trabalhando." Ela contou que no plantão realizado pela Defensoria durante o Carnaval, 100 medidas foram apresentadas e que somente um habeas corpus chegou a ser apreciado pelo Tribunal de Justiça da Bahia até hoje.

Os presos ficam trancados por 20 horas e podem sair para a convivência nas galerias e para o banho de sol por quatro horas. Durante esse tempo, eles ainda jogam futebol nas quadras cercadas com arame farpado e equipadas com alarme para evitar fugas. Para a Pastoral Carcerária o tempo de reclusão é muito longo e o ócio torna-se um fator que agrava a condição psicológica do preso e compromete até a própria condição de segurança.

“Cabeça vazia, morada do...(sic)”, desabafa o padre Filipe Cromheecke, sem pronunciar a palavra diabo, constante no ditado popular. Coordenador da Pastoral em Salvador, semanalmente o padre Filipe se reúne com a população da unidade, que é formada pelos presos considerados mais perigosos. O presídio é destinado aos chefes de quadrilha, grandes traficantes, mentores de assaltos a bancos e homicidas. Mesmo assim, o padre acredita que se houvesse mais trabalho o resultado com os presos seria melhor. “É muito tempo sem fazer nada. É preciso que eles tenham atividades laborativas. Isso praticamente não existe na UED”, destacou o padre.

Mas de acordo com o superintendente de presídios da Bahia, Isidoro Orge Rodriguez, o tempo que os presos ficam nas celas não deverá mudar porque a unidade é destinada a presos que são submetidos ao Regime Disciplinar Diferenciado. “Por se tratar de presos perigosos, por se tratar dos chefões de quadrilha, esse isolamento é necessário”, disse o superintendente.

A unidade conta com divisórias de policarbonato (material de alta resistência e que permite a visualização dos presos nas três galerias), câmeras e um sistema eletrônico de monitoramento e operação de todas as portas. No entanto, o sistema que tem como objetivo dar segurança aos agentes e aos próprios internos não funciona plenamente a pelo menos um ano por falta de manutenção, de acordo com a própria direção do presídio. Das 108 celas, 45 estão com as portas danificadas e por isso elas têm que ser abertas e fechadas manualmente pelos agentes penitenciários.

O problema da falta de manutenção esbarra na burocracia do estado. O diretor adjunto da UED, Paulo Cesar Gonçalves Sacramento, alegou, durante a visita feita pela Agência Brasil ao presídio na última quarta-feira (17), que a manutenção não era feita porque o processo de licitação para a contratação de uma empresa não foi concluído. “Houve uma empresa vencedora para dar manutenção no sistema, mas a que perdeu entrou com recurso e estamos esperando”, disse o diretor.

O detector de metais colocado na entrada do presídio também já não funciona há mais de um ano. Com isso, a revista íntima é realizada em todos os visitantes, principalmente mulheres, pelas agentes femininas. “A revista é feita de forma natural”, tentou explicar o diretor adjunto, ao se referir à conferência, inclusive das parte íntimas, de quem visita o presídio. Sacramento reconheceu: “se o detector de metais estivesse funcionando, isso não seria necessário”.


O secretário de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Nelson Pellegrino, disse que já está tomando providências para contratar uma empresa, em regime de emergência, para consertar os equipamentos. “Lá tem um problema adicional e estamos nos reunindo para encontrarmos uma solução. Todo conserto e toda manutenção deve passar pela Superintendência de Construção e Administração da Bahia. Muitas vezes essa superintendência não tem a agilidade necessária. Nesse caso de consertar os equipamentos a gente pode fazer um contrato de emergência”, disse.
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