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Notícias / Ciência & Saúde

Especialista defende tratamento que humanize criminosos sexuais

G1

Uma consultora que trabalha há 15 anos na recuperação de criminosos sexuais na Grã-Bretanha disse que é preciso humanizar os agressores para, assim, minimizar o risco de que eles voltem a cometer crimes.

Em depoimento à BBC, Lydia Guthrie falou sobre os dilemas que enfrenta ao tratar os criminosos, entre eles pessoas condenadas por abusar de crianças.

Embora admita que não há uma "cura mágica" para esses criminosos, a consultora diz que faz seu trabalho porque reconhece o dano causado às vítimas e porque, se há algo que ela pode fazer para tentar evitar novos crimes desse tipo no futuro, então vale a pena.

Lydia também ressaltou a necessidade de aperfeiçoar o trabalho preventivo da polícia, vigiando potenciais criminosos, juntamente com a realização de tratamentos para que eles não se tornem reincidentes.

Leia abaixo o depoimento:

"Minhas pernas tremiam à medida que eu descia as escadas, enquanto me perguntava se seria capaz de lidar com a situação e me sentar diante de um homem que fez coisas tão terríveis.

Era a primeira vez que eu lidava com um agressor sexual. Apesar de estar horrorizada com os crimes que ele havia cometido contra crianças, tomei coragem e o chamei por seu nome.

A pessoa que se levantou era um tipo comum. Não tinha chifres como o demônio, nem rabo, ele aparentava ser como qualquer outra pessoa. Me apresentei e lhe disse para me contar o que ele achava que eu deveria saber sobre ele.

Ele me olhou nos olhos e e disse: 'Eu fiz coisas horríveis. E a primeira coisa que penso quando acordo e a última do dia, quando vou dormir, é na dor que eu causei. Agora estou tentando reconstruir minha vida.'

Por um lado, eu enfrentava os sentimentos que tomam qualquer um que se coloque diante de uma pessoa que tenha feito mal a crianças e a suas famílias, mas, por outro, estava diante de alguém que pedia ajuda.

Devia dar vazão às minhas emoções e tratá-lo com desgosto, ou deveria agir como uma profissional e fazer todo o possível para ajudá-lo?

Eu escolhi a segunda opção e trabalhei com ele durante dois anos, até o ponto em que acreditei quando ele me disse que nunca mais iria querer machucar alguém.

Nos últimos 15 anos, continuei trabalhando com homens que cometeram crimes horríveis. Eu estudei para ser assistente social antes de me tornar consultora, e acabei responsável por um programa de tratamento para agressores sexuais.

Às vezes, as pessoas me perguntam: Como você pode se sentar na mesma sala que um agressor sexual e não bater nele?

Eu faço isso porque reconheço o dano causado às vítimas. Se há alguma coisa que eu possa fazer para reduzir as chances de que isso aconteça novamente, então o meu trabalho vale a pena.

Reincidência
Estatísticas mostram que, no período de 12 meses entre julho de 2010 e junho de 2011, 18,5% dos agressores sexuais adultos cometeram crimes do tipo mais de uma vez – um número que se manteve constante ao longo da última década.

A reabilitação funciona para alguns criminosos sexuais, e estar em bons programas de tratamento faz, sim, a diferença.

Como sociedade, estamos preparados para aceitar que pessoas com diferentes tipos de problemas, como vício em drogas ou álcool, são capazes de mudar. Mas somos céticos sobre as possibilidades de reabilitação de agressores sexuais.

O programa de reabilitação tem que ocorrer paralelamente ao aperfeiçoamento da segurança pública. A polícia deve usar todas as ferramentas à disposição, como rastreamento por satélite, para controlar aqueles que oferecem risco elevado.

A duração do tratamento varia. Indivíduos de alto risco podem passar por até 200 horas de acompanhamento, geralmente em blocos de duas horas.

Vingança
Durante o tratamento, deve-se levar em conta a maneira como os agressores querem levar suas vidas. E eles devem acreditar que há uma possibilide de reinserção na sociedade.

Isso pode ser algo difícil de ouvir. Eu sou mãe de dois filhos e, se alguém abusasse sexualmente deles, sentiria raiva e ódio. E iria querer vingança. Mas, como sociedade, temos de ver a melhor maneira de reabilitar os criminosos sexuais.

Vivemos em uma sociedade na qual não há pena de morte, e a maioria dos agressores sexuais um dia será liberado.

Todos nós já ouvimos os casos extremos de pessoas que cometem muitos crimes contra crianças. Esses casos formam a base do debate público, mas esses indivíduos são exceção.

Humanizando o agressor
O abuso sexual existe em todas as sociedades. Dizer isso não é minimizá-lo – ele sempre causou danos e trauma.

Mas, como sociedade, devemos evoluir para formas mais inteligentes de lidar com esses criminosos. O que fazemos agora é desumanizá-los.

Há atualmente na Grã-Bretanha cerca de 40 mil agressores sexuais. Vamos colocá-los todos em um avião e esquecê-los para sempre?

Os seres humanos são complexos e capazes de sentir raiva e desejo de vingança. Lidamos mal com problemas. E não acredito que a sociedade possa ser facilmente dividida entre aqueles que fazem coisas horríveis e todos os outros.

Com isso, não estou tentando desculpar os agressores sexuais. Se você trabalha nessa área, tem que pensar sobre o que vai dizer em uma festa se perguntarem com o que você trabalha. Algumas pessoas preferem inventar profissões, mas eu escolhi falar a verdade.

Digo que meu lado humano sofre ao pensar na dor das vítimas, mas meu lado profissional reconhece que nós não temos nenhuma cura mágica.

É preciso que haja profissionais – nas prisões e nas comunidades – preparados para trabalhar com criminosos sexuais, preparados para tratá-los como seres humanos, com pontos fortes e fracos e problemas como qualquer ser humano. A única diferença é que eles fizeram algo realmente terrível."
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