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Bem no Corinthians e na seleção, Paulinho está pronto para voar

Estadão

A assistente financeira Érica Lima Nascimento não conseguia ver a rua quando abria a janela de sua casa. Ela morava na Unidade de Depósitos e Oficinas da Subprefeitura de Vila Maria/Vila Guilherme, no meio de uma favela no Parque Novo Mundo, zona norte de São Paulo. Dividia o terreno com tubos, cimento, pedra e areia usados nas benfeitorias do poder municipal. Ali era o próprio local de trabalho do marido Marcos Nascimento, analista de Suporte Técnico. Dona Érica começou a sonhar com a visão da rua pela janela quando o seu segundo filho, Paulinho, entrou no Paec, hoje Audax, que deve ser vendido pelo Grupo Pão de Açúcar. Nessa época, o sonho do futebol era mais da mãe do que de Paulinho. "Era um desespero para fazer o menino acordar. Só com chute na porta", conta.

Paulinho acordava de madrugada e atravessava a cidade, de norte a sul. Demorou, mas ele pegou gosto pelos chutes, não aqueles da porta, obviamente. Depois de uma passagem opaca pela Portuguesa, resolveu arriscar a sorte no Vilnius, da Lituânia, clube que tinha um intercâmbio com o Audax. Era 2006 e ele tinha 17 anos.

No inverno, os termômetros chegam a 25º C negativos, só suportáveis com quatro blusas, um casaco grosso, duas calças, touca e luvas, relato de quem viveu lá. Apesar de ver a água sair quase aos cubos da torneira, o zagueiro Rodnei, melhor amigo de Paulinho, tem boas lembranças da neve. "Parecíamos crianças, dando carrinhos no gramado todo branco", lembra-se o beque, que hoje joga na Áustria.

O corintiano envergou pela primeira vez na vida quando conheceu um rival desleal, mais cortante que o frio: o racismo. "Nas lojas, éramos atendidos com má vontade e os torcedores dos outros times imitavam macacos quando a gente passava", diz Rodnei, que é negro.

"A situação só melhorou quando um amigo nosso passou a namorar a filha do presidente do clube", diz o zagueiro.Paulinho não contava para a família que era discriminado e, até hoje, evita o assunto.

FEIJÃO

Na temporada seguinte, Paulinho foi para o polonês LKS Lodz e envergou de novo. O inimigo agora era outro: o atraso nos salários. Dois meses, em média, porque os parceiros do Audax diminuíram os investimentos. Agoniada, a mãe mandava malas de comida para o filho e a nora Bárbara por intermédio de Thiago Scuro, gerente executivo do Audax que viajava com frequência até lá. A bagagem levava feijão, tempero e café.

Aqui, a família tentava sufocar a saudade pelo telefone, mas as contas eram de matar. Os R$ 1.900, em média, transformavam-se em acordos com a companhia telefônica ou empréstimos com vizinhos e parentes.

As novas tecnologias salvaram o orçamento. "A internet ficava ligada o dia todo para eu fazer companhia para minha nora", diz dona Érica.

Paulinho chorava para voltar e largar o futebol. Foi a esposa Bárbara, primeira e única namorada, que impediu o craque de desistir da carreira.

Ele desistiu só da Europa e voltou para começar do zero no Brasil. Trocou a primeira divisão do Campeonato Polonês pela quarta divisão do Campeonato Paulista no seu berço, o Audax. Passou a receber 20% do seu salário na Europa. A ascensão já virou verbete das enciclopédias: foi contratado pelo Bragantino, no qual ficou uma temporada, e atraiu o todo-poderoso Corinthians.

PAI

Falta um personagem na história. Bárbara e Érica são as mulheres da vida dele; Marcos, o padrasto; Rodnei, o melhor amigo. Cadê o pai do craque corintiano? Seu José Paulo Bezerra Maciel deixou a família quando o jogador estava nas fraldas. Apareceu algumas poucas vezes, ligou outras, mas desde 2010, desaparecera. Hoje, é motorista aposentado e mora em Pesqueira, no agreste pernambucano. Em outubro do ano passado, reapareceu nos Aflitos, no jogo Corinthians e Náutico. O reencontro foi armado e flagrado pela tevê. Paulinho envergou e chorou.

Hoje, diz que não guarda mágoa, mas afirma que os dois seguiram caminhos diferentes. Após o reencontro, ligou para o padrasto, preocupado com o impacto das imagens da tevê.

Contrariedade. Paulinho é teimoso e não admite ser contrariado. Os pais contam que dava pitis homéricos e adorava jogar as roupas pela janela quando sua vontade não era feita, quase sempre um pedido para jogar futebol sabe-se lá onde. Baixou a bola quando ganhou uma surra da mãe em que foi arrastado pelos cabelos lisos pela casa.

A teimosia também entra em campo, como conta Sérgio Roberto da Silva, seu treinador no Audax, antes e depois de sua passagem pelo leste europeu. Paulinho era lateral direito, mas queria migrar para o meio. O técnico explicou que ele poderia chegar à seleção naquela posição. O atleta ouviu de cabeça baixa e respondeu no final. "Professor, quero jogar de volante".

Serginho mudou o esquema para encaixar o jogador. Ele tinha de marcar, mas teria liberdade para atacar. Foi aí que nasceu o estilo que o consagrou no Corinthians, soterrando a lembrança de Jucilei e Elias. "Ele é uma referência", diz o são-paulino Ney Franco.

Na opinião de Biro-Biro, lendário volante dos anos 80, essa história não é nova. "Eu e o Paulinho temos estilos parecidos. A diferença é que eu caía pelas pontas", diz o ex-camisa 5, que, em poucos mais de 600 jogos, fez 78 gols. Hoje, Paulinho tem 63 tentos em 318 jogos.

Essa versatilidade chamou a atenção dos técnicos da seleção, primeiro Mano e depois Felipão. Já foram 11 convocações e três gols, o último salvou a equipe contra a Inglaterra. "Em 2007, eu já dizia que ele chegaria à seleção", orgulha-se Marcos.

Essa versatilidade chamou a atenção dos técnicos europeus, principalmente da Inter de Milão e depois do Monaco. Dificilmente, o Corinthians vai conseguir segurá-lo. Os italianos chegaram perto da sua multa de 20 milhões (R$ 56 milhões). Se fechar, vai voltar à Europa para acertar as contas com o passado, mas agora com saldo positivo.

De acordo com um levantamento da Nike, a camisa 8 que usa no Corinthians era a mais vendida no final de 2012 (o estudo não considera o impacto da contratação de Alexandre Pato). "Ele é a materialização do sonho de cada menino", diz Thiago Scuro, do Audax.

Paulinho é teimoso, mas otimista, daqueles que veem a metade cheia dos copos. Questionado pela reportagem do Estado sobre uma lembrança da infância, não envergou falando da janela sem vista para a rua. "Empinar pipa", disse, objetivo como seu jogo. É isso aí: voa, Paulinho. 
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