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Protestos perdem público e ficam mais focados em temas específicos

G1

As manifestações que levaram às ruas mais de 1,4 milhão de pessoas em todo o país no dia 20 de junho tiveram, nesta última semana, uma diminuição no volume de participantes. Por outro lado, o número de protestos em diversas capitais aumentou, segundo dados registrados pelo G1.

As pessoas estão na fase ou de colher os frutos ou de esperar o que vai acontecer. A tendência é que a situação vai entrar num patamar mais baixo, com pequenas mobilizações com objetivos bem pontuais"
Valeriano Costa,sociólogo, cientista
político e pesquisador da Unicamp
as manifestações têm uma dinâmica própria, temos que aguardar as respostas que o Estado vai dar para isso para sabermos como ficará o cenário"
Antônio Carlos Mazzeo,
cientista político da Unesp

Em São Paulo, por exemplo, foram nove grandes manifestações entre 6 e 23 deste mês, a maioria focada em passagens, com mais de 250 mil participantes. Desde então, a capital segue palco de protestos todos os dias, mas com um cenário novo: em vez de uma grande mobilização, vários atos ocorrem ao longo do dia, com temas específicos e público entre 50 e 500 manifestantes.

Situação semelhante ocorre em outras capitais. No Rio de Janeiro, as manifestações de 17 e 20 de junho reuniram 100 mil e 300 mil pessoas, respectivamente, com foco nas questões de transporte público. Agora, novas passeatas acontecem diariamente, mas com público inferior e motivações variadas – contra o projeto conhecido como "cura gay", por melhoria na saúde e na educação, pelo fim da corrupção, contra o gasto excessivo de dinheiro público em obras para a Copa do Mundo, para denunciar a violência policial, entre outros pontos.

Caminhoneiros
Nesta segunda-feira (1º), caminhoneiros pararam rodovias federais e estaduais do país em ao menos oito estados. Eles reclamam das restrições de circulação nas cidades, do valor do pedágio e defendem a redução do preço dos combustíveis.

As manifestações foram registradas em Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, Mato Grosso, Paraná, Rio Grande do Sul e Bahia.

Copa das Confederações
Neste domingo (30), cerca de 500 pessoas participaram de um protesto pacífico em Salvador. A cidade recebeu as seleções do Uruguai e da Itália, que se enfrentaram na Arena Fonte Nova pelo terceiro lugar na Copa das Confederações.

No Rio de Janeiro foram realizadas manifestações pacíficas. Uma delas, na Tijuca, na Zona Norte, terminou a uma quadra do Maracanã, onde houve tumulto. O protesto, que transcorria com tranquilidade, teve momentos de correria e confusão perto do estádio, quando, segundo o defensor público Henrique Guelber, manifestantes jogaram bombas artesanais e objetos na barreira formada por policiais militares. A PM reagiu com bombas de gás e balas de borracha.

Ao fim do jogo, os manifestantes já haviam se dispersado e os torcedores puderam sair do estádio sem problemas. Segundo a PM, nenhum manifestante foi preso. A PM informou que três policiais foram feridos. Segundo a Polícia Militar, o Batalhão de Choque apreendeu 17 coquetéis molotov na Avenida Paula Souza, no Maracanã. Um homem foi levado para a 18ª DP (Praça da Bandeira), após furtar a câmera de um jornalista.

Em Minas Gerais, manifestantes ligados a grupos sociais e estudantis estão acampados na Câmara Municipal de Belo Horizonte desde sábado (29). O grupo cobra um encontro com o prefeito Marcio Lacerda, que afirmou que vai receber os manifestantes em uma audiência.

Pequenos protestos
A série de manifestações pelo país foi perdendo força ao longo dos dias. Em uma delas, no Guarujá (SP), cerca de 50 pessoas se reuniram contra o aumento das tarifas de ônibus. Em Santos (SP), organizadores de um protesto esperavam reunir mais de 3 mil pessoas, mas apenas 20 foram até a Praça das Bandeiras com faixas contra a PEC 37.

Em outro exemplo, no Tocantins, um pequeno grupo de moradores de Nova Rosalândia, que vive às margens da BR-153, protestou contra a falta de manutenção da rodovia, na manhã deste domingo (30). A ação durou duas horas.

Pelo país
Segundo a Confederação Nacional de Municípios (CNM), as manifestações atingiram 438 cidades do país e reuniram cerca de 2 milhões de participantes. O levantamento foi divulgado em 21 de junho.

Enfraquecimento
Para Valeriano Costa, sociólogo, cientista político e pesquisador do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da Unicamp, os protestos vão diminuir nos próximos dias, mas as mobilizações com objetivos pontuais podem perdurar. "Agora [os manifestantes] estão numa fase de acomodação. As pessoas estão na fase ou de colher os frutos ou de esperar o que vai acontecer. A tendência é que a situação vai entrar num patamar mais baixo, com pequenas mobilizações com objetivos bem pontuais", afirma.

"Todos agora viram que as manifestações dão certo e dão efeito imediato, mas vai haver uma difusão do protesto como uma prática cotidiana. Em julho, a tendência é que não tenha esse grande volume de protestos e que eles fiquem focados, como está acontecendo agora nas periferias. É interessante o que emerge da periferia, com protestos por asfalto, transporte, segurança, luz", completa.

O cientista político Antônio Carlos Mazzeo, da Unesp, acredita que os movimentos de protesto vão continuar, mesmo não tendo a mesma intensidade. "Claro que se o governo corresponder a algumas questões imediatamente, a tendência dos protestos é diminuir. Mas as manifestações têm uma dinâmica própria, temos que aguardar as respostas que o Estado vai dar para isso para sabermos como ficará o cenário."

Diante das manifestações em centenas de cidades brasileiras, a presidente Dilma Rousseff fez um pronunciamento na TV e propôs aos 27 governadores e aos 26 prefeitos de capitais convidados por ela para reunião no Palácio do Planalto a adoção de cinco pactos nacionais, por responsabilidade fiscal, reforma política, saúde, transporte, e educação. Várias cidades revogaram os aumentos no preço das passagens ou desistiram de reajustes previstos. Além disso, deputados derrubaram a PEC 37, aprovaram o repasse de royalties do petróleo para saúde e educação e cancelou verba de R$ 43 milhões para a Copa do Mundo, enquanto que senadores aprovaram projeto que torna corrupção crime hediondo (confira os resultados das manifestações).
Outros grupos pegaram carona nas manifestações do Movimento Passe Livre, de São Paulo. Teve protestos contra a PEC 37, outros defendem a saída de Marco Feliciano da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. O que vemos são manifestações mais localizadas, segmentadas"

"Claro que a ida da Dilma para a TV na semana passada se propondo a falar com líderes das manifestações e com governantes, além de citar medidas para saúde, educação e transportes, abriu uma expectativa", diz Mazzeo. "Num primeiro momento o correto é o Estado, em todas as esferas, responder a algumas questões que marcam as expectativas da população."

Mazzeo crê que os setores organizados mais avançados darão continuidade às lutas. "Tanto o governo quanto os setores organizados vão buscar alternativas positivas para a sociedade", diz. Ele avalia, no entanto, que é preciso plataforma política e reivindicações definidas para que o movimento prospere. "Se uma parte do movimento se organizar politicamente, não acaba. Caso contrário, [a mobilização] pode ser cooptada inclusive por partidos conservadores."

Para Valeriano Costa, da Unicamp, agora depende da resposta do poder público para saber a dimensão do sucesso dos movimentos. Isso também contribui para diminuir a intensidade, afirma. "A questão é saber se a opinião do que está sendo feito agora é positiva e nesse tempo teremos um intervalo para refletir e para baixar a poeira. Em agosto talvez recomece um pouco, mas não com mesma intensidade que a gente viu em junho."

"[Os protestos] estão numa fase de acomodação, as pessoas estão na fase ou de colher os frutos ou de esperar o que vai acontecer. A tendência é que a situação vai entrar num patamar mais baixo, com pequenas mobilizações com objetivos bem pontuais", afirma Costa.

Manifestações 'setorializadas'
Pedro Arruda, doutor em ciências sociais e professor do departamento de política da PUC-SP, afirma que a tendência não é que as manifestações acabem, mas que se tornem mais "setorializadas". “Outros grupos pegaram carona nas manifestações do Movimento Passe Livre, de São Paulo. Teve protestos contra a PEC 37, outros defendem a saída de Marco Feliciano da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. O que vemos são manifestações mais localizadas, segmentadas", explica.

O professor considera que muitos manifestantes estão sem uma ideia definida. "Parece que o movimento perdeu o foco, e as propostas estão agora muito genéricas, com nível elevado de abstração, sem poder de causar efeito prático", avalia, lembrando que inicialmente a pauta do protesto era conhecida. "A diferença é que eram organizadas pelo Movimento Passe Livre e havia uma reivindicação muito precisa, que era a revogação do aumento do transporte", diz.

"Muitos protestam contra tudo que está aí, mas qual o critério de avaliação que eles possuem sobre o resultado do protesto? [A avaliação] Pode ser imprecisa e se tornar inócua. Há o protesto contra a corrupção, mas que corrupção? Na prefeitura, no governo estadual, no Senado, no governo federal? Mensalão? O que pede o protesto? Prisão dos réus? Essa imprecisão pode apontar interesses escusos, e nem toda manifestação é legítima no sentido de ser justa."

Ele lembra que, com o tempo, protestos foram incorporando outros segmentos da sociedade e reivindicações até de setores da direita, tidas como conservadoras, como a diminuição da maioridade penal e a volta da monarquia. "Até alguns grupos de extrema direita apareceram, como os skinheads defendendo o nacionalismo", afirma. "No começo havia confronto com a Polícia Militar, e com o agigantamento das manifestações e com o fato de o movimento estar mais diversificado, houve confronto entre os próprios manifestantes, como integrantes de partidos sendo expulsos das manifestações."

E-book
Em apenas 10 dias, Marcos Nobre, filósofo político e professor da Unicamp, publicou o e-book “Choque de Democracia - Razões da Revolta", lançado na quinta-feira (27). Ele analisa os recentes protestos no país. Antes das manifestações, Nobre estava no processo final da publicação, cuja pesquisa durou seis anos, com a história dos últimos 30 anos da política brasileira. Sobre ter sido um “visionário”, Nobre não se gaba. "Na verdade, não. As ruas que atropelaram meu livro", diz, aos risos.
Começou típico de estudante secundarista e universitário, o que é normal. O que não foi normal foi a coincidência com a insatisfação generalizada com a política e a relação do poder que decidiu não baixar a tarifa e ainda reprimir as pessoas"
Valeriano Costa,sociólogo, cientista
político e pesquisador da Unicamp

Protesto de jovens
Valeriano Costa afirma que a mobilização foi feita por jovens, principalmente por estudantes secundaristas e universitários e profissionais recém-formados, com idade entre 15 e 32 anos. "Eles têm tempo e recursos para se mobilizar", diz. "Começou típico de estudante secundarista e universitário, o que é normal. O que não foi normal foi a coincidência com a insatisfação generalizada com a política e a relação do poder que decidiu não baixar a tarifa e ainda reprimir as pessoas. Isso gerou um ciclo de reação, e essas múltiplas insatisfações se juntaram."

O professor afirma que uma parte que participa dos protestos está no mercado de trabalho e tem o tempo restrito. Mas como o núcleo estudantil é o que mais participa das manifestações, o período de férias que se aproxima pode favorecer uma certa desmobilização, a não se que ocorra algo grave que motive novas insatisfações.

Ele aponta a repressão aos primeiros atos como um dos principais motivos para o aumento do número de manifestantes. "[A repressão] atraía tanto grupos radicais que esperavam por esses momentos como o pai de família, e isso foi se difundido. Mas não fica permanente, tem um pico e não tem como ampliar", afirma.

'A poeira ainda não baixou'
"Se antes eram jovens e estudantes de classe média nas ruas, agora a gente observa que a periferia se levantou. Houve sem dúvida diminuição [no número de manifestantes] , mas em alguns locais como Belo Horizonte ainda há um grande número de pessoas nas ruas e houve confrontos violentos e bloqueios de rodovias. E é muito provável que no jogo da final da Copa das Confederações muitas pessoas se manifestem. A poeira ainda não baixou, não dá para saber os resultados definitivos ainda”, diz Pedro Arruda, da PUC-SP.

Ele acha difícil, no entanto, prever o futuro dos movimentos no país. "Um mês atrás ninguém acreditava que o Brasil passaria por isso", afirma. Antônio Carlos Mazzeo, da Unesp, afirma que as manifestações continuarão acontecendo, e que deverão ganhar mais qualidade com a organização dos grupos e de suas reivindicações.

Efeito pedagógico
Para Arruda, a maior certeza é que as manifestações tiveram um efeito pedagógico para a sociedade. "Nas redes sociais se vê pessoas mudando de opinião após as manifestações e os esclarecimentos decorrentes dos protestos", diz. "Há um grande mal estar na sociedade com essa democracia com participação indireta, na qual só com as eleições que ela se considera representada. As vozes das ruas querem ser ouvidas."
Há um grande mal estar na sociedade com essa democracia com participação indireta, na qual só com as eleições que ela se considera representada. As vozes das ruas querem ser ouvidas"
Pedro Arruda, doutor em ciências
sociais e professor de política da PUC-SP
O Brasil vai ter que buscar alternativas, pois as pessoas querem ter voz ativa, não ter deputado que as represente, mas também participar dos processos decisórios"
Antônio Carlos Mazzeo,
cientista político da Unesp

Mazzeo também avalia que as manifestações estão sendo pedagógicas e estão trazendo avanço de consciência para a sociedade. "Abriu-se outro espaço na sociedade brasileira que tem uma democracia muito frágil, ainda em processo de construção". Segundo ele, governos terão de criar canais permanentes para que a população possa se expressar. "Até mesmo o controle social sobre as verbas para evitar a corrupção pode ser feito por meio de canais de participação popular que possam traçar prioridades e assim ter controle sobre gasto público."

O cientista político afirma ainda que outra questão em disputa é o caráter da democracia representativa brasileira. "O consenso desses protestos tanto daqui como na Europa é que há crise de representação na forma da democracia. O que se discute é a nova forma de participação da sociedade, que não aceita mais ser representada pelos políticos."

"O Brasil vai ter que buscar alternativas, pois as pessoas querem ter voz ativa, não ter deputado que as represente, mas também participar dos processos decisórios", diz, sobre os reflexos das manifestações. Para ele, a grande discussão é que tipo de democracia se vai ter, embora o movimento já tenha grande mérito por ditar a pauta política, o que representa maior participação da sociedade.

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