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Psiquiatras enfrentam dilemas na hora de tratar seus próprios problemas mentais

New York Times

A psiquiatria é uma profissão relativamente segura, mas há um perigo que não fica aparente à primeira vista: se você está há muito tempo nisso, pode não haver ninguém com quem conversar sobre seus próprios problemas.

Não é assim quando você começa. A maioria dos psiquiatras residentes passa uma boa parte de tempo em terapia com um psiquiatra experiente, por várias razões – uma delas é que essa é a forma mais íntima de aprender a mágica técnica. Livros ensinam a mesma coisa a todos que os leem. No entanto, ninguém esquece o comentário cristalino que seu terapeuta fez somente para eles, e como eles passaram a se ver de forma diferente desde então.

Entretanto, em certo ponto, você deixa de ser o estudante e se torna o professor. Você se estabelece nos detalhes de uma carreira – hospital, pesquisa, prática. As raízes se fincam, o tempo passa. Finalmente, psiquiatras mais jovens começam a lhe abordar. Agora você é da geração anterior, reservando horários de manhã cedo para os residentes, antes que eles vão às clínicas e às aulas. Você diminui os honorários e acomoda seus cronogramas insanos. Você se lembra bem como era.

Porém, nenhuma quantidade de conhecimento evita a fragilidade pessoal. Você nunca é velho demais para ter seus próprios problemas. Mesmo assim, quando você é o profissional a quem os outros recorrem, para onde você leva seus sofrimentos e dores secretas?

Na cara

Às vezes, a situação é clara. Durante meu treinamento, havia uma psiquiatra formidável que desaparecia periodicamente. Todos sabiam que estava sendo hospitalizada por uma psicose maníaca recorrente, e que ela estaria de volta para intimidar os residentes assim que as medicações a estabilizassem.

Havia uma estranheza naquilo, mas nenhuma desonra. Na verdade, a doença fazia dela uma pessoa mais impressionante. Somos ensinados a explicar que a doença mental tem um componente biológico capaz de responder a tratamento médico, assim como a diabetes e as doenças cardíacas. Seu exemplo trouxe convicção ao nosso discurso.

Durante minha residência, eu trabalhava à noite em uma clínica onde um psiquiatra de mais idade estava sendo tratado de uma demência que ele não reconhecia. Ele não conseguia se lembrar de pedidos simples, agredia estranhos, gritava com membros da família; sua esposa se encontrou comigo separadamente e me contou que estava pronta para deixá-lo.

Escrevendo com cuidado a palavra "Doutor" na primeira linha de cada uma de suas prescrições, eu me sentia minimizado e supervalorizado. Ainda assim, ele tomava os remédios sem questionar e demonstrava um interesse paternal na minha carreira. Anos depois, pensei que talvez sua esposa tivesse escolhido um estudante de forma deliberada. Meu status de "júnior" o permitia manter seu status de "sênior".

Apesar disso, geralmente a situação não é tão direta, e a medicação não é o problema. A vida é. Talvez estejamos subjugados, envergonhados, desesperados. A autorrevelação – a nudez necessária na terapia – é difícil quando você foi um modelo para os outros.

Dificuldade

"Na minha situação, seria difícil encontrar alguém", me disse Dr. Dan Buie, um querido analista em Boston. Não é que os psiquiatras não estejam esperando em poltronas por toda a cidade. É que muitos deles são ex-alunos e ex-pacientes. Uma geração de psiquiatras cria a outra através do ensinamento e do tratamento.
Largar essa identidade profissional para se tornar um paciente reverte um tipo de ordem natural. "Você não pode ser um simples paciente", disse Buie. "Todos a quem posso ir, eu já conheço." Para evitar isso, alguns psiquiatras viajam para outras cidades para a terapia (provavelmente cruzando com colegas em trens que viajam no sentido oposto).

Existe também o fator da experiência. Uma coisa é quando minha residente é mais jovem que eu; ela está mais próxima do centro da medicina, e com sorte podemos nos conhecer por anos até que qualquer doença mais grave exija um contato mais íntimo. Outra coisa é quando meu terapeuta é mais jovem do que eu. "Seria um grande erro não recorrer a alguém", continuou Buie, "mas eu posso ter problemas se for a colegas mais jovens. É difícil entender os problemas que aparecem no curso de um ciclo de vida, a não ser que você tenha os vivido".

Mais conhecimento

Dra. Rachel Seidel, psicanalista e psiquiatra em Cambridge, disse que, quando as pessoas se sentem vulneráveis, "queremos alguém com mais conhecimento do que nós". "É um paradoxo", acrescentou ela. "Eu tenho que ter passado pelo que você passou para entendê-lo? Ainda assim, preferiria alguém com mais experiência."

Alguns buscam por ajuda lateralmente. Supervisão de colegas é uma forma conhecida de gerenciar riscos; apresentar casos profissionais problemáticos aos colegas evita insensatez e equívocos em qualquer idade.

"Uso alguns colegas", disse Dr. Thomas Gutheil, professor de psiquiatria da Escola de Medicina de Harvard. "E eles me usam. A reciprocidade é o segredo – você sente o conforto de contar tudo sobre si mesmo quando sabe que o contrário também é verdadeiro."

Outras soluções estão ainda mais perto. O dramaturgo Edward Albee uma vez escreveu que pode ser necessário viajar uma longa distância fora do caminho para poder retornar e percorrer uma distância curta de forma correta. A melhor fonte de ajuda pode ser a mais próxima de todas. Um erudito de mais idade da Sociedade e Instituto Psicoanalítico de Boston ouviu, sem comentários, a pergunta: Em quem ele – o médico a quem outros recorrem para ajuda – busca auxílio? Ele não gastou palavras.

"Minha esposa", disse ele, de forma decidida.
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