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Donos de gerações douradas, Bélgica e Colômbia duelam ligadas ao Brasil

Globo Esporte

 Os ávidos por bom futebol e minimamente curiosos provavelmente já se interessariam por um confronto entre duas cabeças de chave da próxima Copa do Mundo. Mas o que poucos sabem é que Bélgica e Colômbia, adversários desta quinta-feira, a partir das 18h (de Brasília), em Bruxelas, têm mais ligações com o Brasil do que aparentam. Coincidências para alguns, aviso do destino para outros, são fatos que se misturam com o sonho de triunfarem em 2014. O GloboEsporte.com acompanha o amistoso em Tempo Real a partir das 17h30m.

Mesmo diante de todas as críticas aos critérios adotados pela Fifa em seu ranking, ambas as seleções aliaram resultados convincentes ao talento - e não à toa reconhecem suas respectivas gerações como "douradas". Os sul-americanos ocupam o quarto lugar, enquanto os europeus aparecem logo atrás, em quinto. À frente apenas o trio Espanha, Alemanha e Argentina, num claro sinal de que os objetivos alcançados foram além do esperado - ainda que você não concorde com as pontuações estabelecidas pela entidade.

É preciso voltar até 1982 para entender esta conexão entre Colômbia e Brasil. Não se trata da mesma cor de suas camisas, tampouco da proximidade geográfica. Vem de Paulo Roberto Falcão, ex-jogador de Internacional, Roma, São Paulo e seleção brasileira, a inspiração para o maior craque colombiano. Explica-se: durante a Copa do Mundo da Itália, Radamel García, o pai, prometeu que se tivesse um filho homem ele levaria o nome do "Rei de Roma". Com exceção do til (a grafia correta é Falcao, e o erro aconteceu por puro desconhecimento), dito e feito.

A Bélgica, por sua vez, enxerga o Mundial no Brasil como uma oportunidade para "corrigir a história". As contas a serem resolvidas perduram desde 2002, quando o hoje técnico Marc Wilmots teve um gol incorretamente anulado diante da seleção brasileira de Felipão, Ronaldo Fenômeno e Rivaldo. A oportunidade real de abrir o placar nas oitavas de final acabou se transformando num fator decisivo para a eliminação com a derrota por 2 a 0. Mas esta é apenas uma simbólica motivação para os belgas diante de tudo o que foi plantado para ser colhido no próximo ano.
BÉLGICA: FRACASSOS IMPULSIONARAM MUDANÇAS

Certamente, muitos profissionais do futebol pelo mundo já questionaram se havia a receita ideal para transformar decepções em série de uma equipe em sucesso. Tratando-se de clubes, há um catalisador para o processo: dinheiro para contratações. E para as seleções? Pois a Bélgica encontrou o passo a passo perfeito para tirá-la da penumbra do futebol mundial e colocá-la entre os cabeças de chave da Copa do Mundo de 2014, após uma campanha invicta nas eliminatórias.

Tudo começou com uma enorme dose de humildade. Após o grande fracasso na Eurocopa de 2000 - quando a Bélgica foi anfitriã e caiu na fase de grupos - e a eliminação nas oitavas de final da Copa do Mundo de 2002, os mandatários do futebol local refletiram e observaram que não estavam formando seus atletas da forma correta. Através do ex-diretor técnico da Associação Belga de Futebol, Michel Sablon, admitiram inferioridade com relação a outras equipes da Europa e buscaram ajuda.


Cartilha para formação de jovens

Membros da federação passaram a se reunir com franceses e holandeses duas vezes ao ano para trocar experiências. Componente da comissão técnica que levou os belgas até as semifinais da Copa de 1986, no México, Sablon fez anotações importantes, que, juntas, passaram a ser a cartilha que dita a regra nas categorias de base da Bélgica até hoje.

As primeiras orientações eram simples: na categoria até sete anos, jogos de cinco contra cinco; até dez anos, duelos de oito contra oito; nas categorias seguintes entraria o modelo clássico de 11 contra 11. Tudo para fazer com que os pequenos atletas tivessem maior participação nos jogos. Depois de encomendar um estudo científico, veio a conclusão de que o esquema ideal para formar jovens seria o 4-3-3 - que foi sugerido para clubes, categorias inferiores da seleção e até escolinhas -, deixando para trás a defensiva tática com três zagueiros.

- Levou mais de cinco ou seis anos para que todos aceitassem isso, porque a maioria dos técnicos e clubes estavam preocupados em apenas vencer e nada mais. Mas isso era totalmente errado para o desenvolvimento dos jogadores. Não foi fácil, e no começo era terrível. Mas começaram a ver isso e vieram até nós porque conseguiram ver que funcionava, fazia os jogadores melhores. Não era besteira, nós sabíamos o que estávamos fazendo - declarou Sablon ao jornal "Daily Mail".

A primeira prova de que o caminho a seguir estava correto veio na Eurocopa Sub-17 de 2007, quando, jogando em casa, os belgas foram eliminados após disputa de pênaltis na semifinal contra a futura campeã Espanha. Naquele time já estavam nomes que hoje brilham na equipe principal, como Hazard e Benteke.

Base na Premier League

A geração de jovens moldados se tornou a grande esperança belga de fazer sucesso em uma Copa do Mundo. A média de idade da equipe é de 25,2 anos - a da seleção brasileira na Copa das Confederações, por exemplo, era de 26, enquanto da Espanha era de 27,5. Os principais talentos se concentram no meio de campo e no ataque, onde pode-se encontrar jogadores titulares nas principais ligas do mundo: Alemanha, Espanha, Inglaterra e Itália.

O modelo belga se mostra efetivo a partir do momento em que a cada temporada uma nova promessa do futebol local: a última delas é Adnan Januzaj. Criado na base Anderlecht, o jovem foi comprado pelo Manchester United em 2011 e vem se destacando na atual temporada inglesa - entretanto, já mostrou que não tem intenção de representar o país onde nasceu, podendo optar pelo Kosovo, local de origem de seus pais.



Palco para Januzaj, a Premier League é a grande vitrine para os jovens talentos da Bélgica. Onze jogadores da base que disputou as eliminatórias para a Copa do Mundo atuam na primeira divisão do futebol inglês, sendo quase todos titulares: Mignolet (Liverpool), Kompany (Manchester City), Vertonghen, Chadli e Dembelé (Tottenham), Fellaini (Manchester United), Kevin de Bruyne e Hazard (Chelsea), Benteke (Aston Villa) e Lukaku e Mirallas (Everton).

Apesar da juventude dar o tom no futebol da seleção belga, também há espaço para a experiência. A atual base da equipe conta com dois jogadores que estiveram na última participação belga em Mundiais, em 2002: Van Buyten, 35 anos, e Timmy Simons, 36. Além disso, há no banco de reservas um grande personagem da Copa realizada no Japão e na Coreia: Marc Wilmots.

'A vingança de Wilmots'

Em 17 de junho de 2002, o camisa 7 Wilmots protagonizou o último grande ato belga em Copas do Mundo: uma cabeçada certeira no fundo do gol brasileiro, que viria a ser anulada por falta inexistente no zagueiro Roque Júnior. Aquele jogo de oitavas de final seria vencido pelo Brasil por 2 a 0, e os Diabos Vermelhos percorreriam um longo caminho para retornar a um Mundial. Então capitão, talvez Wilmots não imaginasse que trocaria a camisa 7 pelo casual uniforme de treinador e teria a chance de vingança.


O ex-atacante se aposentou da seleção logo após tal jogo e, um ano depois, pendurou as chuteiras de vez. Em seguida, tentou a carreira de treinador - sem grande sucesso imediato -, tornando-se, em 2009, assistente de Dick Advocaat, na época comandante da Bélgica. O holandês deu lugar a George Leekens, que deixou o cargo em 2012 para treinar o Club Brugge. Após um mês como interino, ganhou a chance de conduzir a seleção até o fim Copa do Mundo em um país "especial": o Brasil.

Marc Wilmots não esconde a mágoa que guarda pelo gol anulado contra a seleção brasileira em 2002 - quando o placar ainda estava 0 a 0 -, ainda mais por se tratar de sua despedida da seleção. Ele garante que o lance ainda traz mágoas à tona.
Quando penso naquele momento, vou à loucura"
Marc Wilmots, sobre gol mal anulado em 2002
- Imagine você naquele momento. O cruzamento veio em direção a mim e eu fiz o primeiro movimento. Achei um espaço, e Roque Júnior me olhou. Fingi que ia para a direita porque sabia que ele iria me seguir, mas perdeu minha referência porque estava olhando para a bola. Então, fui para a esquerda, e a bola veio. Fui para a frente, enquanto ele se movia para trás. Isso é técnica, não é? Você precisa jogar e pensar. A bola veio, fui para a frente e apenas o toquei de leve. Cabeceei e ouvi um apito. Imediatamente pensei: foi o bandeirinha, pois estávamos na mesma linha, e ele pode ter apontado impedimento. Mas foi tão rápido... Eu olhei para o goleiro e ele estava colocando a bola em jogo. Não tivemos tempo para reagir. Quando penso naquele momento, vou à loucura. Naquele momento eu sabia: acabou, não vamos avançar - declarou Wilmots em entrevista ao canal "Canvas".

A decepção do ex-jogador causou a comoção em alguns torcedores belgas, que fundaram o site "Wilmots Revenge" (A vingança de Wilmots). Lá, os fãs são chamados a manifestar apoio ao técnico, acreditando no sucesso belga em uma Copa justamente no Brasil. Mas, para o jornalista local David D'Hondt, brilhar no próximo ano não será tão simples.



- Esta Copa do Mundo será um grande teste. Até agora, a Bélgica não jogou contra um grande time em competições. Então, veremos jogo por jogo. Tudo depende da forma física ao final da temporada. Alguns dos principais jogadores não estão sendo titulares em seus times (Fellaini, De Bruyne, Chadli, Vermaelen). A temperatura no Brasil, o ambiente da equipe, os outros times... uma Copa do Mundo depende de muitas coisas - disse.


COLÔMBIA: TUDO PARA NÃO REPETIR 1994

Não é preciso de uma memória infalível para se lembrar do maior time colombiano de sua história. A geração capitaneada por Carlos Valderrama, Freddy Rincón, Faustino Asprilla e René Higuita criou enormes expectativas especialmente ao golear a Argentina por 5 a 0 em pleno Monumental de Núñez pelas eliminatórias da Copa de 1994. Pelé, não necessariamente um grande acertador de palpites - mas ainda assim Pelé -, chegou a afirmar que aquela seleção era inclusive uma das favoritas ao título nos Estados Unidos. O que seriam tempos de esperança, porém, ruíram diante da soberba numa história que terminaria com o assassinato de Andrés Escobar, autor do gol contra para os EUA na derrota por 2 a 1, que contribuiu para a eliminação ainda na primeira fase.
Assim como acontece com a Bélgica, há uma espécie de cartilha, talvez mais figurativa do que propriamente real. Está na cabeça de todos o que se passou em 1994, do descaso com a preparação - incluindo exagerados amistosos caça-níqueis nos meses que antecederam a Copa - até a absoluta falta de modéstia apontada por jornalistas e reconhecida por ex-atletas, como, por exemplo, o fato de o técnico Francisco Maturana sequer ter estudado profundamente os rivais.


- Já está sendo feito algo, que é não ter o mesmo sentimento e acreditar que vamos ao Brasil para atropelar todo o mundo. O temor de outro papelão existe, mas todos sabem que há um grande time que deve fazer uma ótima campanha – disse Ronald Soto, do jornal "Q'Hubo".

Não poderia haver exemplo melhor para a atual Colômbia. Depois de três Mundiais vistos somente pela televisão, o país volta com baterias recarregadas e novamente confiante. Se a era de ouro virou tema de novela e até foi parar na televisão (clique aqui), o sentimento da vez é de prosperidade - evidenciada na quantidade de talentos reunidos pelo técnico argentino José Pekerman.

Talento ‘internacional’ de sobra
A começar por Falcao García. Inicialmente conhecido no Brasil por ter sido o carrasco do Botafogo na Copa Sul-Americana de 2007 e, meses depois, quase se transferir para o Fluminense, o atacante já habita o rol dos melhores de sua posição no mundo. Depois de brilhar no Porto e Atlético de Madrid, foi seduzido pelos milhões de euros do novo projeto do Monaco, na França, com quem disputa a artilharia com Cavani e Ibrahimovic, do PSG. Apesar de a Colômbia ser uma equipe notoriamente coletiva, muitos garantem que o sucesso no Brasil está atrelado às atuações de seu centroavante.


Falcao, que estreou profissionalmente aos 13 anos na segunda divisão da Colômbia, é a prova viva de que o investimento nas divisões de base surtiram efeito. Mas está longe de ser o único. Um trabalho árduo e de larga escala iniciado ainda nos anos 90 resultou na consolidação de outros destaques. No título do Sul-Americano Sub-20 de 2005, por exemplo, Falcao teve a companhia de Ospina, Valdéz, Zúñiga, Valencia (volante do Fluminense), Aguilar, Guarín e Zapata. Todos hoje estão na seleção principal.

Tal como a Bélgica, nas principais ligas europeias há colombianos brilhando. James Rodríguez atua com Falcao no Monaco, Jackson Martínez é o goleador do Porto, onde joga o meia Quintero. Armero e Zúñiga levam o entrosamento da seleção para o Napoli - e vice-versa. Guarín já teve papel importante no Inter de Milão. Muriel é uma alternativa no Udinese. Cuadrado é peça-chave na Fiorentina - e por aí vai. Este grupo de “internacionais” representa 80% do elenco da equipe, enquanto apenas 2% do time de 1990 jogava fora do país.

- A verdade é que há uma geração dourada. Muitos foram campeões sul-americanos sub-20 e têm a experiência de jogar na Europa. Têm talento e essa bagagem internacional, não vão se assustar diante de um jogo importante – opiniou Rafael Castillo, jornalista do “El Tiempo”.


Não apenas estar no exterior construiu este perfil. Parte do mérito também deve ser dado ao técnico argentino José Pekerman, que assumiu a seleção durante as eliminatórias e, mesmo num período delicado, conseguiu mudar drasticamente a mentalidade do grupo. A disciplina, artigo de luxo nas eras anteriores, apareceu para cravar uma bandeira. Acredita-se, aliás, que sua liderança foi fundamental para contornar um suposto clima de inveja. Com a ajuda da fiel torcida de Barranquilla, a Colômbia rumou para ter a melhor campanha como mandante. Confiar no grito “sí se puede” nunca foi tão fácil.

- Seremos muitos no Brasil. Aqui há um lema entre os torcedores que diz o seguinte: “E se não formos neste Mundial, em qual iremos? – encerrou Ronald Soto, um dos 11 mil colombianos sorteados pela Fifa para comprarem ingressos.
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