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Sergio Batarelli: 'O MMA de hoje é brincadeira perto do que era o IVC'

Combate

 Idealizado por Sérgio Batarelli para manter a tradição da família Gracie na busca pela arte marcial mais eficiente, o International Vale Tudo Championship (IVC) foi considerado um dos eventos de MMA mais violentos do mundo na década de 1990, pela ausência quase completa de regras. Ao mesmo tempo, chegou a ser a terceira maior organização do planeta, atrás apenas do Pride, no Japão, e do UFC, nos Estados Unidos, e lançou grandes nomes do esporte como Wanderlei Silva e Chuck Liddell.
Apaixonado por lutas desde 1970, quando assistia fascinado aos filmes de Bruce Lee e ao desenho japonês Samurai Kid, e visionário dos negócios no esporte, Sérgio Batarelli tem conhecimento e experiência suficientes para falar dos rumos que o MMA tomou ao longo dos anos. Por isso, o Combate.com conversou por telefone com o ex-campeão mundial de kickboxing sobre os bastidores do IVC e sua relação atual com o mundo das lutas.

Responsável por trazer o UFC em sua primeira passagem no Brasil, em 1998, Sérgio Batarelli revelou que a ideia de colocar Vitor Belfort para enfrentar Wanderlei Silva foi sua, e que com a derrota para o "Fenômeno", o caminho do "Cachorro Louco" no Ultimate poderia ter sido diferente se ele não tivesse interdido. Entre muitas histórias, Batarelli falou sobre sua amizade com Carlson Gracie, sobre seu jeito durão com lutadores e afirmou ter sido o responsável pela viabilização da primeira edição do The Ultimate Fighter (TUF) Brasil, em 2012:
- Eu estava muito envolvido com o UFC, na época, em 1998. Era amigo do antigo dono, Bob Meyrowitz, e eles tinham vontade de vir para o Brasil. Começamos a conversar, fomos para Nova York e tocamos o barco. Foi um sucesso, em uma época em que todos achavam que iria dar problema. Foi perfeito. Início de uma grande parceria. Nessa segunda vinda do UFC, inclusive, eu dei a ideia da criação do TUF Brasil para eles. Eles falaram que queriam que eu estivesse envolvido no evento, mas acabou que eles mesmo tocaram. Eles tinham receio do mercado nacional, mas eu garanti que eles podiam vir porque era uma verdadeira mina de ouro. Consegui um investidor, mas que acabou recuando e eles tocaram o negócio. Hoje em dia, ainda sou muito amigo do pessoal do Ultimate e meu relacionamento com eles é ótimo. Estou sempre envolvido de alguma maneira. Por exemplo, o primeiro contrato do Cigano foi eu que levei para o Ultimate. Quem indicou o John Lineker, o Fabio Maldonado fui eu. Eu sempre trabalhei muito com a palavra, e por isso, acabei levando várias voltas. Mas hoje em dia, o Viscardi Andrade é o único que eu represento no UFC. Mas falo com o pessoal do Ultimate pelo menos uma vez por mês, estou em todos os eventos, apesar de não aparecer muito. Tanto que sou mais reconhecido no Japão do que aqui no Brasil. Mas eu estou envolvido sempre de alguma maneira, como por exemplo, com a arbitragem dos eventos no Brasil.
Confira abaixo a entrevista completa com Sérgio Batarelli:
Você organizou o torneio que ficou famoso como um dos mais violentos da história do Vale Tudo. Como surgiu a ideia e qual foi a importância do IVC para o MMA moderno?
A importância foi que lançou talentos com Wanderley Silva, Liddel... Eu criei o IVC quando o Ultimate estava começando a criar regras. Mas eu senti que precisava continuar fazendo o Vale Tudo real, que surgiu no Rio de Janeiro lá com a família Gracie. Era para manter a tradição mesmo de ter o mínimo de regras possível. E essa também foi a razão de eu mesmo ser o árbitro. Eu queria colocar brasileiro contra americano, mas não queria nenhum tipo de proteção ou favorecimento a qualquer lutador. Acabou dando certo. Foi considerado o terceiro maior evento da época, atrás apenas do Pride e do Ultimate.
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Lutadores como Wanderlei Silva dizem que o MMA de hoje é leve perto do IVC. É verdade que ele não tinha regras, e que os lutadores estabeleciam códigos de honra sobre o que podia e o que não podia?
Não é bem assim. Primeiro que não existia esse tal "código de honra". Tinha algumas coisas que não podia, como dedo no olho, ir nas articulações, esmagamento de traqueia. Depois das primeiras edições, tive que colocar algumas regras. Por exemplo: o Gary Goodridge enfiou a mão na sunga do Pedro "The Pedro" Otávio, na primeira edição, para esmagar tudo. Então, tive que estipular essa regra também que não podia fazer isso. Mas não tinha esse código de honra, não. O MMA de hoje é brincadeira perto do que era o IVC. Eram 30 minutos, sem intervalo. Se ninguém derrubasse ou finalizasse, era dado empate.

Qual o momento mais marcante do IVC para você? Quais as maiores lutas do IVC na sua opinião?
Para mim, a maior luta de Vale Tudo de todos os tempos foi Wanderlei Silva contra Artur Mariano, na final do IVC 2. Acho que foram nove minutos em pé direto, com o Wanderlei ganhando, mas ele começou a dar muitas cabeçadas. Só que abriu o supercílio do Wanderlei de um jeito que os médicos não permitiram que ele continuasse. O Wanderlei perdeu a luta por interrupção médica, mas ficou famoso pelas cabeçadas. As outras grandes lutas foram do Pelé (José Landi-Jons). No IVC 5, ele lutou contra o Jorge Pereira e dominou a luta completamente, vencendo por interrupção médica também. E no IVC 6, ele lutou contra o Chuck Liddell. Acabou perdendo por decisão unânime depois de 30 minutos, mas ele poderia ter vencido em um chute, que poderia ter matado o Liddell. Foram grandes momentos.
Você foi um grande lutador, campeão mundial de kickboxing. Já teve vontade de se aventurar em algum evento de Vale Tudo ou MMA?
Eu lutei com o Zulu em 1983, no Rio de Janeiro. Quando o (Marco) Ruas lutou com o (Fernando) Pinduka em uma das lutas preliminares. Na época era sem luva, valia chute no meio das pernas. Essa luta de Vale Tudo me animou a treinar mais. Na época, era só mestre de Kung Fu, e campeão de boxe. Então, aprimorei mais. Eu não tinha ideia do que ia acontecer depois.
Como você entrou no mundo das lutas? Quem foi seu grande ídolo?
Eu tinha 10 anos de idade, em 1970, e na época, era o Bruce Lee a grande inspiração. E também assistia um desenho japonês chamado Samurai Kid, que misturava ninja com samurai. Isso me fez querer fazer artes marciais.
Existe algum plano de volta do IVC? Se sim, qual seria o formato? Mesmas regras de antes ou mais voltadas para as do MMA moderno?
Eu tinha sim esse plano, mas o mundo vai tomando outros rumos. Estava quase certo porque o IVC é uma marca clássica, muito forte. Agora, se eu não sentir firmeza, não vai rolar. Eu só volto se tiver 100% de certeza. Mas lutar com as regras de antes é impossível. Acabou. Eu comparo com início do boxe, em que enfaixava a mão pra não quebrar a mão. São os primórdios. Não tem como voltar. Até mesmo porque raríssimos seriam os lutadores que se aventurariam a entrar em algo assim. Hoje em dia, os lutadores de MMA são grandes exemplos para os mais jovens. Todo mundo quer ganhar dinheiro como o pessoal do UFC, mas ninguém pensa no início do esporte. Quando o Popó era campeão do boxe, a criançada queria fazer boxe para ficar rico também.

E o que você pensa sobre esses projetos de lei que querem proibir o MMA de passar na televisão?
Isso tem na Alemanha também. Mas na Alemanha é mais o lobby do boxe. No Brasil é deputado e senador querendo aparecer. Proibiram em alguns lugares, mas em São Paulo não conseguiram. Eu fui lá e defendi o esporte. Eu dou risadas. As pessoas também tentam há anos tirar o boxe das Olimpíadas porque dizem que é violento, mas não conseguem. Tem é que descobrir quem foi o imbecil que criou essa lei e não votar mais no cara. O mercado do MMA gera muito dinheiro.
É verdade que você estava no Japão, no Pride, quando Carlson Gracie ficou no córner de Hugo Duarte, passando por cima da tradicional rivalidade entre luta livre e jiu-jítsu, por ele não ter ninguém com ele no torneio?
O Carlson era muito amigo meu e onde ele ia no Pride, eu ia junto. E para ele, o que importava era o ser humano. Se a pessoa fosse gente boa, ganhava a confiança dele. Então, é verdade, sim.
É verdade que você chegou a pagar bolsa, passagem e estadia do Wanderlei Silva para ele lutar no UFC após a derrota para o Vitor?
Exatamente. Quando o Ultimate veio para o Brasil, eu disse que o Vitor deveria estar na luta. O próprio Vitor estava nervosíssimo para essa luta. O Wanderlei deu mole na luta. A história foi como um gato acuado por um cachorro. Depois disso, os caras do Ultimate não queriam o Wanderlei mais. Mas eu falei que pagava as despesas porque queria que o Wanderlei estivesse na próxima luta. Aí ele bateu no cara lá (Tony Petarra, no UFC 20) e eternizou as joelhadas. A minha história com o Wanderlei é muito legal. As três primeiras lutas dele no Pride foram comigo. Depois ele fechou com outro empresário, e como a gente tinha contrato apenas por palavra, tudo bem.
Além do Wanderlei, que você colocou no Pride, que outros brasileiros você lançou? E os estrangeiros? É verdade que Chuck Liddell, Mirko Cro Cop e Mark Kerr foram lançados por você?
Sim. O Kerr foi no WVC, em 1997. O Pelé também. O Cro Cop era um K1 medíocre. Eu falei que ia treinar jiu-jítsu com ele e fizemos dele o Mirko número 1 do mundo. Agora, quando o Minotauro lutou com ele, eu ajudei o Minotauro a bater nele, porque eu gosto de estratégia.

Você chegou ao Pride em que ano? Como foi a sua relação com o torneio? Por que você saiu de lá?
Cheguei em 1999. Tinha o IVC e todos os campeões do IVC foram para o Pride. Tinha aquele Alex "Brazilian Killer" Stiebling. E cheguei no Japão com o Wanderlei Silva dando uns palpites. Falava algumas coisas que faziam sentido, a direção do Pride gostou e aconteceu. Depois o K1 comprou meu passe para eu desenvolver o K1 e parei com o IVC em 2005. Ganhei muito dinheiro no Japão, acho que até mais que muitos lutadores. Dinheiro você ganhe e perde, mas confiança se conquista para sempre.
Quais os bastidores do IVC você pode contar e que ninguém ainda sabe?
A maioria as pessoas sabem. Mas, por exemplo, o Carlson morria de medo de mim porque eu pagava todo mundo adiantado. E em um evento contra o Johil de Oliveira, no IVC 3, o Wallid Ismail começou a contar o dinheiro na minha frente no hotel. Estava o Alexandre Frota e a turma toda lá. Eu falei que ele não precisava mais lutar porque ficava contando dinheiro. Tem que me respeitar, já que eu estou te pagando. Para mim, a única coisa que importava era a marca IVC. Outro caso muito interessante, que pouca gente sabe, aconteceu quando o Wanderlei Silva ia enfrentar o Mike Van Arsdale, que era treinado pelo Mark Coleman. Ele já tinha sido campeão mundial de wrestling e lutado uma ou duas vezes no Ultimate, mas o Wanderlei chegou e falou que queria apostar a bolsa completa. Quem ganhasse, levava tudo. Aí o cara amedrontou, falava que tinha filha para criar e que não podia ser assim. Sem querer, o Wanderlei mexeu com o psicológico do cara e usaram dessa estratégia para deixar o cara com medo antes mesmo da luta. Deu certo e o Wanderlei nocauteou o cara logo no início.
Qual a sua ligação com o UFC atualmente?
Como sempre, ótima. Todas as minhas indicações funcionam. O Lorenzo (Fertitta) é meu amigo, falo bastante com o Joe Silva, com o Marshall (Zelaznik) e tenho um bom relacionamento com o Dana White. Agora, eu não dou tiro errado. Gosto de fazer o cara. Na verdade, tem alguns lutadores que eu gostaria de ajudar, se pudesse.
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