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Um ano após Kiss, boates investem mais em prevenção de incêndios

RBS TV

  Um ano depois da tragédia que matou 242 pessoas na boate Kiss, em Santa Maria, algumas boates redobraram os cuidados e estão investindo pesado nas condições de segurança dos frequentadores. Luzes de sinalização das saídas de emergência, extinção de shows com pirotecnia ou uso de sinalizadores, funcionários treinados para incêndios e vistorias regulares são algumas das medidas tomadas para prevenir acidentes, como mostra a reportagem do Jornal do Almoço (veja o vídeo).
Em um bar de grande movimento no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, as luzes se acendem de forma automática se houver um blecaute, por exemplo, e mostram o caminho das saídas. “Se acontecer algum sinistro e houver blecaute elétrico, todos esses equipamentos são com baterias que duram, se não me engano, quatro horas”, afirma o sócio-diretor do bar, Claudio Augusto Fávero.
Além disso, um vídeo é exibido aos clientes durante a festa indicando a localização das saídas. “Na realidade, a gente tem três saídas de emergência, além da saída principal, cada uma para uma rua”, explica o Claudio. No palco, as bandas sofrem restrições. “Não pode usar nada que coloque em risco a segurança do espectador. Tudo que tem no palco é pré-acordado por contrato e nada que seja contra a lei”, acrescenta.
A maioria das casas noturnas eliminou qualquer utilização de shows pirotécnicos. Em uma outra boate da capital, a administração substituiu os sinalizadores que os garçons levavam em garrafas de champagne nos camarotes por um material eletrônico, sem fumaça e mais segura. “O cuidado foi em cima dos materiais usados. Desde a fiação elétrica, com fios antichamas, até a parte de isolamento acústico. Então, não tem nenhum tipo de espuma ou tecido de isolamento”, afirma Saul Leite, gerente do estabelecimento.

Em uma outra danceteria bastante frequentada, os funcionários foram treinados para situações de emergência. Até um bombeiro civil trabalha no prédio, antes e durante a festa. “A gente tem um bombeiro que é mais especializado. Ele revisa todas as noites antes de abrir a casa os extintores de incêndio, iluminação de emergência, alarmes. Antes de abrir, ele diz se tem algo errado para a gente ajeitar”, diz o diretor operacional do local, João Souza Júnior.
Os pais dos jovens que frequentam as festas também redobraram a atenção. A advogada Luciana Oliveira afirma que não deixa a filha sair de casa sem antes de informar sobre as condições do lugar que ela vai. “A preocupação é sempre saber se tem extintores, se tem saídas de emergência, saber se a empresa de segurança é séria, se os seguranças são treinados”, explica. A filha, Marieta Noronha, também ficou mais cuidadosa. “A gente procura sempre fazer o que tem que fazer. Antes era uma preocupação minúscula, mínima, que ninguém dava bola”, diz a adolescentes de 14 anos.
Mas não são apenas as casas noturnas que se transformaram em motivo de preocupação a tragédia em Santa Maria. Até então, o extintor de incêndio era uma peça exclusiva de prédios e empresas. A tragédia da boate Kiss provocou uma mudança no comportamento da sociedade. Muitas pessoas passaram a se preocupar mais com os riscos.
Incêndio no Mercado Público
Seis meses depois da tragédia de Santa Maria, um outro incêndio voltou a assustar os gaúchos. As chamas atingiram o Mercado Público, prédio histórico construído há quase 150 anos, no Centro de Porto Alegre. A prefeitura calculou o prejuízo em R$ 20 milhões. A perícia que vai apontar as causas do incêndio ainda não ficou pronta. A suspeita é de que o fogo tenha começado em um restaurante.
Segundo os bombeiros, o Mercado Público não tinha executado as obras de adequação exigidas pelo Corpo de Bombeiros. “O Mercado não tinha regularizado no papel. Tinha todas as mangueiras, os hidrantes e foi por isso que salvamos o Mercado. Pela eficiência dos bombeiros, mas também pelos equipamentos que tinham sido instalados dentro do prédio. Ele não tinha regularizado no papel, mas de fato existia”, afirma o vice-prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo.
Outros imóveis públicos, frequentados por centenas de pessoas, também apresentaram problemas. É o caso da Casa de Cultura Mário Quintana, que foi multada três vezes. “As pessoas passaram a olhar para a instalação de proteção contra incêndios não como um custo, mas como um investimento”, salienta o engenheiro civil Luciano Fávero.

Entenda
O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, na Região Central do Rio Grande do Sul, ocorreu na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013. A tragédia matou 242 pessoas, sendo a maioria por asfixia, e deixou mais de 630 feridos.
O fogo teve início durante uma apresentação da banda Gurizada Fandangueira e se espalhou rapidamente pela casa noturna, localizada na Rua dos Andradas, 1.925.
O local tinha capacidade para 691 pessoas, mas a suspeita é que mais de 800 estivessem no interior do estabelecimento. Os principais fatores que contribuíram para a tragédia, segundo a polícia, são: o material empregado para isolamento acústico (espuma irregular), uso de sinalizador em ambiente fechado, saída única, indício de superlotação, falhas no extintor e exaustão de ar inadequada.
Ainda estão em andamento dois processos criminais contra oito réus, sendo quatro por homicídio doloso (quando há intenção de matar) e tentativa de homicídio, e os outros quatro por falso testemunho e fraude processual. Os trabalhos estão sendo conduzidos pelo juiz Ulysses Fonseca Louzada. Sete bombeiros também estão respondendo pelo incêndio na Justiça Militar. O número inicial era oito, mas um deles fez acordo e deixou de ser réu.
Entre as pessoas que respondem por homicídio doloso (com intenção), na modalidade de "dolo eventual", estão os sócios da boate Kiss, Elissandro Spohr (Kiko) e Mauro Hoffmann, além de dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, o vocalista Marcelo de Jesus dos Santos e o funcionário Luciano Bonilha Leão. Os quatro chegaram a ser presos nos dias seguintes ao incêndio, mas a Justiça concedeu liberdade provisória aos quatro em maio do ano passado. Entre os bombeiros investigados, está Moisés da Silva Fuchs, que exerceu a função de comandante do 4° Comando Regional de Bombeiros (CRB) de Santa Maria.
Atualmente, a Justiça está em fase de recolher depoimentos dos sobreviventes da tragédia. O próximo passo será ouvir testemunhas. Os réus serão os últimos a falar sobre o incêndio ao juiz. Quando essa fase for finalizada, Louzada deverá fazer a pronúncia, que é considerada uma etapa intermediária do processo.
Se o magistrado "pronunciar" o réu, ele vai a júri (a pronúncia é a ordem para ir a júri). Outra possibilidade é a chamada desclassificação, quando o juiz não manda o réu para júri, mas reconhece que houve algum tipo de crime. Nesse caso, a causa será julgada sem júri. Também existe a chance de absolvição sumária dos réus. Em todas as hipóteses, cabe recurso.
No âmbito das investigações, três delas estão sendo conduzidas pela Polícia Civil. Além dos documentos sobre as licenças concedidas à boate Kiss, um inquérito apura as atividades da empresa Hidramix, responsável pela instalação de barras antipânico na boate, e outro analisa uma suposta fraude no documento de estudo de impacto na vizinhança do prédio onde ficava a casa noturna. O Ministério Público, por sua vez, investiga as responsabilidades de servidores municipais na tragédia.
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