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'Ele não é black bloc', diz irmão de jovem baleado por policiais em ato

G1

 O estoquista Fabrício Proteus Chaves, de 22 anos, que foi baleado por policiais militares durante protesto no sábado (25) no Centro, costumava participar dos atos, mas não era adepto da tática black bloc. Segundo o irmão, o auxiliar de escritório Gabriel Chaves, de 24 anos, ele nunca se envolveu em confusões durante as manifestações que participou em São Paulo.
Nota da Secretaria da Segurança Pública divulgada no final de semana afirmava que Chaves é black bloc: "No último sábado, o black bloc resistiu à abordagem, fugiu e atacou um policial", diz o texto (leia a íntegra abaixo).
De acordo com a Santa Casa, onde Fabrício está internado, ele tomou dois tiros. Um deles atingiu o tórax, provocando hemorragia interna, e o outro, a base do pênis. Ele perdeu um testículo, passou por cirurgia, saiu do coma induzido, permanece sedado, mas não precisa da ajuda de aparelhos para respirar. Até a noite deste domingo, havia PMs fazendo escolta do jovem no hospital, mas não há mais policiais nesta segunda
“Ele ia [a protestos], mas ia pacificamente. Eu também ia com ele. Um monte de amigos meus também [iam]. Nunca teve nenhum problema. Se você vir no vídeo, ele estava com roupa branca. Quem tem mais roupa preta sou eu, mas a gente não participava do Black Bloc, nada assim”, afirmou. Segundo Gabriel, ele também não costumava usar máscaras durante os protestos.

De acordo com Gabriel, problemas nos transportes, na saúde e a impunidade motivavam a participação em protestos. “Bandeira [política] a gente nunca teve. [O que mais revoltava é] a situação dos ônibus e da saúde que é ruim”, afirmou.
Fabrício trabalhava como estoquista nos Armarinhos Fernando e pretendia prestar vestibular para engenharia mecânica. No Facebook, Fabrício acompanha dois grupos de black blocs e também outras comunidades de protesto em São Paulo. De família evangélica, Fabrício faz parte ainda de grupos cristãos e comunidades de arte de rua.

A polícia afirmou que, durante a abordagem, Fabrício mostrou um estilete. O irmão confirma que ele tinha um estilete, mas para usar no trabalho. “Ele usa, mas é por causa do serviço dele. É desses escolares. É pequeno até. Ele pega a caixa e tem que cortar”, contou.
A família está chocada com o ocorrido, segundo o irmão. “Eu não vi direito essas imagens [transmitidas pela TV]. Estava voltando para casa e acabei vendo. É chocante. Eu comecei a chorar na rua. Minha mãe ainda nem veio ao hospital. Está em choque”, disse Gabriel, enquanto aguardava o horário de visitas em frente ao hospital.
O auxiliar de escritório disse ter ficado sabendo do incidente envolvendo o irmão na manhã de domingo (26). “Alguém da imprensa entrou em contato com a gente. Ele deu entrada como desconhecido”, disse.

“Nós somos muito ligados. Essa noite nem consegui dormir. Dormimos no mesmo quarto”, afirmou Gabriel, que não quis falar o bairro onde mora por medo de represálias.
A Polícia Militar informou que Fabrício foi baleado após tentar atingir um policial na Rua Sabará, em Higienópolis, na altura no número 100.
Após os tumultos no Centro, ele e um amigo foram seguidos pela polícia. Ao ser abordado, um rapaz cujo nome não foi divulgado se entregou, enquanto Chaves reagiu e feriu um policial militar, segundo a Secretaria da Segurança. A secretaria diz que, na mochila de Chaves, foi localizado um artefato explosivo feito com uma lata de cerveja.
Segundo vídeo exibido pelo Fantástico, Fabrício foi perseguido por dois policiais militares. Um dos policiais cai e Fabrício vai em direção a ele. O outro policial saca a arma. Não é possível saber o momento dos disparos ou saber se Fabrício segurava um estilete na mão, como havia informado a Polícia Militar. Em determinado momento, Fabrício se levanta, anda e cai mais à frente.
A Corregedoria da Polícia Militar investiga a conduta dos PMs. "As primeiras imagens a que tivemos acesso nos dão conta que os dois policiais agiram em legítima defesa. Porém eu gostaria de deixar claro que, se houve excesso, a Polícia Militar não compactua com tal tipo de conduta e que efetivamente elas serão apuradas, se necessárias, com o devido rigor", afirmou o comandante da Polícia Militar da área metropolitana, Celso Pinheiro.
Os vizinhos disseram que o estudante foi socorrido em um carro da Polícia Militar, o que contraria uma determinação da Secretaria de Segurança de São Paulo.
A recomendação, em muitos casos, é para aguardar o serviço de emergência. Porém, a corporação informou que os policiais resolveram fazer o socorro porque o rapaz sangrava muito.
Para André Zanardo, do grupo de advogados ativistas, a ação da polícia foi desastrosa. “O vídeo fica muito claro que ele corria dos policiais. Isso ainda não é crime. Quando ele vira, ele já toma um tiro. O outro policial cai de susto do colega parceiro. Ele já com a mão na barriga cai em cima do policial. É claro que não tentou reagir. Ele cai do tiro que ele tomou. Foi uma operação desastrosa. Mesmo que tivesse o estilete, um pequeno estilete não se compara com duas armas letais e policiais preparados, nesse caso, para matar”, disse Zanardo.
“Ninguém é louco em sã consciência de tentar atacar um policial militar armado simplesmente com um estilete escolar. Acho muito difícil que ele estivesse com o estilete na mão. Não foi isso que a gente viu no vídeo. É claro que foi uma tentativa de homicídio”, disse o advogado.
O advogado disse não ter conhecimento de explosivo. “Essa é a versão da polícia”, afirmou o advogado. A Defensoria Pública, segundo Zanardo, acompanha o caso deve entrar com um pedido de liberdade provisória. Ainda de acordo com a Defesa, o movimento no braço pode ficar prejudicado.
Manifestação na região central
Na noite de sábado, uma manifestação contra a Copa do Mundo foi realizada na cidade de São Paulo. O ato, que começou pacífico e chegou a reunir 2,5 mil pessoas, terminou em vandalismo no Centro da capital paulista. Lá, manifestantes mascarados destruíram vidraças de agências bancárias, concessionárias e carros.

O ponto onde ocorreu a abordagem policial contra Fabrício Chaves fica na mesma área da cidade onde ocorreram os protestos. O bairro de Higienópolis é vizinho à Consolação, onde estiveram concentrados os atos de vandalismo.

Ao todo, 135 pessoas foram detidas. Todas foram liberadas até a manhã deste domingo (26). A tropa de Choque da PM deteve parte dos manifestantes em um hotel na Rua Augusta, onde agentes realizaram um cerco e chegaram a realizar disparos na recepção.

Testemunhas e investigação
De acordo com uma moradora de Higienópolis, que preferiu não se identificar, o caso ocorreu por volta das 23h. Moradores ouviram três disparos e foram para rua acompanhar a movimentação. “Achei que eram fogos. Alguém gritou ‘mata mesmo’“, relata a testemunha.
O defensor público Carlos Weis, do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública, foi acionado por outro defensor que estava em Higienópolis e acompanhou o resgate do ferido.

“Segundo o que foi relatado para mim, efetivamente, a polícia agiu com absoluto excesso e despropósito na situação”, disse. “Importante contextualizar que, pelos relatos, tudo indica que o rapaz vinha da manifestação”, afirma o defensor.

A Defensoria Pública vai instaurar um procedimento administrativo para exigir que Secretaria de Segurança Pública (SSP) e a Corregedoria apurem a ação. Weis afirma que está em contato com a família e deve entrar com pedido de indenização contra o Estado.
Nota de Secretaria de Segurança
Veja abaixo a íntegra do posicionamento da SSP:

"A Secretaria da Segurança Pública informa que o caso envolvendo Fabrício Proteus Nunes Fonseca Mendonça Chaves está sendo investigado a pela Corregedoria da Polícia Militar e também pela Polícia Civil. No último sábado, o black bloc resistiu à abordagem, fugiu e atacou um policial.
Dois homens foram abordados por policiais militares em patrulhamento na rua da Consolação. Fabrício Proteus Nunes Fonseca Mendonça Chaves tentou fugir e foi contido. Os policiais pediram que ele abrisse a mochila para revistá-la, onde foi encontrado artefato explosivo. Em seguida, fugiu, sendo perseguido por dois PMs.
Próximo a um posto de gasolina, o homem sacou um estilete que estava no bolso da calça e se voltou contra um dos PMs. Neste momento, os policiais atiraram e o suspeito caiu no chão, porém, levantou-se e tentou fugir novamente, parando logo depois. Ferido no ombro direito e na parte interna da coxa esquerda, ele foi conduzido ao Pronto Socorro da Santa Casa de São Paulo, onde foi operado e permaneceu internado.
O boletim de ocorrência de resistência, lesão corporal e desobediência foi registrado no 4º DP (Consolação). O delegado requisitou exame pericial para o local dos fatos e para os objetos apreendidos com os averiguados, e exame residuográfico para os policiais militares."
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