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'Choro tudo que posso e depois tento entender', diz mãe de vítima da Kiss

RBS TV

 O dia é de peregrinação em frente ao prédio onde funcionava a boate Kiss, no Centro de Santa Maria. Em pequenos grupos, familiares e amigos das vítimas do incêndio vão até o local, deixam flores e rezam. Alguns pais chegaram a vir de outras cidades para acompanhar as homenagens aos jovens. A tragédia que matou 242 pessoas completa um ano nesta segunda-feira (27).
É o caso da arquiteta Vera Robe e do marido, Jean, que vieram de Três de Maio, a cerca de 250 quilômetros de Santa Maria. O casal perdeu o filho Bernardo, de 20 anos. Eles estão na cidade para acompanhar o ato ecumênico que será realizado à noite, na Praça Saldanha Marinho, a poucas quadras do local do incêndio.

"Parece que foge tudo. Ele era meu filho único. Tudo o que a gente planeja, acaba. É estranho, parece que a gente não viveu isso. É impossível", disse Vera ao G1, enquanto olhava o memorial improvisado em frente à casa noturna, na Rua dos Andradas. Durante a madrugada, corpos foram pintados no asfalto para representar as vítimas.
Dois meses após o incêndio, o casal decidiu deixar Santa Maria. Segundo ela, o convívio com a cidade ficou difícil de suportar. "O Bernardo dizia, 'mãe eu amo Santa Maria'. Ele buscou isso, poder morar aqui", contou a mãe. A família tinha um apartamento a poucas quadras da casa noturna e vivia lá havia sete anos. Bernardo havia sido aprovado em engenharia da produção na Universidade Federal de Santa Maria.

Vera conta que buscou ajuda de uma terapeuta especializada em luto materno para entender o sentimento de vazio. "Busquei o que meu filho defendia. Medicação não é algo bom, ela mascara. Choro tudo que posso e depois tento entender", explicou. Já o marido, Jean, conta com remédios para manter o equilíbrio emocional após a perda.
Apesar de não viverem mais em Santa Maria, os dois defendem os mesmos ideais dos grupos de pais que se organizaram em movimentos sociais e associações no último ano. "Apoiamos tudo o que eles fizerem em prol do que a gente busca, para ter paz", ponderou vera. "Tudo o que faço é por amor ao Bernardo", concluiu, emocionada.
Programação desta segunda (27)
- Mobilização social, apresentação artística e cultural com mateada (roda de chimarrão)
Horário: 17h
Local: Praça Saldanha Marinho
- Ato ecumênico
Horário: 20h
Local: Praça Saldanha Marinho, Centro
- Vigília na Praça Saldanha Marinho e missa
Horário da vigília: a partir das 8h
Horário da missa: 17h30
Local da missa: Capela Sagrado Coração de Jesus do Hospital Dr. Astrogildo de Azevedo (Caridade)



Entenda
O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, na Região Central do Rio Grande do Sul, ocorreu na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013. A tragédia matou 242 pessoas, sendo a maioria por asfixia, e deixou mais de 630 feridos.
O fogo teve início durante uma apresentação da banda Gurizada Fandangueira e se espalhou rapidamente pela casa noturna, localizada na Rua dos Andradas, 1.925.
O local tinha capacidade para 691 pessoas, mas a suspeita é que mais de 800 estivessem no interior do estabelecimento. Os principais fatores que contribuíram para a tragédia, segundo a polícia, são: o material empregado para isolamento acústico (espuma irregular), uso de sinalizador em ambiente fechado, saída única, indício de superlotação, falhas no extintor e exaustão de ar inadequada.
Ainda estão em andamento dois processos criminais contra oito réus, sendo quatro por homicídio doloso (quando há intenção de matar) e tentativa de homicídio, e os outros quatro por falso testemunho e fraude processual. Os trabalhos estão sendo conduzidos pelo juiz Ulysses Fonseca Louzada. Sete bombeiros também estão respondendo pelo incêndio na Justiça Militar. O número inicial era oito, mas um deles fez acordo e deixou de ser réu.
Entre as pessoas que respondem por homicídio doloso (com intenção), na modalidade de "dolo eventual", estão os sócios da boate Kiss, Elissandro Spohr (Kiko) e Mauro Hoffmann, além de dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, o vocalista Marcelo de Jesus dos Santos e o funcionário Luciano Bonilha Leão. Os quatro chegaram a ser presos nos dias seguintes ao incêndio, mas a Justiça concedeu liberdade provisória aos quatro em maio do ano passado. Entre os bombeiros investigados, está Moisés da Silva Fuchs, que exerceu a função de comandante do 4° Comando Regional de Bombeiros (CRB) de Santa Maria.
Atualmente, a Justiça está em fase de recolher depoimentos dos sobreviventes da tragédia. O próximo passo será ouvir testemunhas. Os réus serão os últimos a falar sobre o incêndio ao juiz. Quando essa fase for finalizada, Louzada deverá fazer a pronúncia, que é considerada uma etapa intermediária do processo.
Se o magistrado "pronunciar" o réu, ele vai a júri (a pronúncia é a ordem para ir a júri). Outra possibilidade é a chamada desclassificação, quando o juiz não manda o réu para júri, mas reconhece que houve algum tipo de crime. Nesse caso, a causa será julgada sem júri. Também existe a chance de absolvição sumária dos réus. Em todas as hipóteses, cabe recurso.
No âmbito das investigações, três delas estão sendo conduzidas pela Polícia Civil. Além dos documentos sobre as licenças concedidas à boate Kiss, um inquérito apura as atividades da empresa Hidramix, responsável pela instalação de barras antipânico na boate, e outro analisa uma suposta fraude no documento de estudo de impacto na vizinhança do prédio onde ficava a casa noturna. O Ministério Público, por sua vez, investiga as responsabilidades de servidores municipais na tragédia.
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