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Conheça o curso de graduação da USP que não oferece vagas na Fuvest

G1

 Os cursos de graduação da Universidade de São Paulo (USP) selecionam seus estudantes pelo vestibular realizado pela Fuvest –com exceção de um. Criado em 1991, o curso de ciências moleculares (CCM) é o único que tem início no segundo semestre do ano, não está vinculado a uma única unidade e desenvolveu um processo seletivo próprio. O objetivo é encontrar estudantes já matriculados na instituição que se encaixem no perfil esperado: jovens interessados em fazer pesquisa interdisciplinar nas áreas de ciências exatas e biológicas e computação. Além da versatilidade, eles ainda podem bolar a própria grade curricular, com matérias de qualquer unidade da USP.

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Os aprovados têm a chance de cursar uma graduação de quatro anos dividida em dois ciclos: o básico, obrigatório a todos e em horário integral, e o avançado, onde o currículo do estudante é personalizado de acordo com seu projeto de pesquisa da iniciação científica. "Na universidade não existe nenhum curso onde os alunos tenham um espectro de disciplinas com a amplitude desse", explicou ao G1 o coordenador do CCM, o professor de física Antonio Martins Figueiredo Neto.

Desenhado para incentivar a pesquisa acadêmica interdisciplinar, o curso de ciências moleculares não é vinculado a uma das faculdades, escolas ou institutos da USP, mas tem professores dos institutos de física, matemática, química, biologia, além de aulas de computação. Apresentações de projetos de pesquisa são feitos publicamente e em inglês, os alunos são incentivados a desenvolverem propostas de pesquisa no exterior durante a graduação, e, de acordo com o coordenador, a maioria dos graduandos consegue entrar no doutorado direto do bacharelado, sem precisar passar pelo mestrado.

Mais de 160 pessoas se formaram nas primeiras 19 turmas, e outras 70 estão matriculadas nos quatro anos da graduação, entre elas nove mulheres. Embora a maioria tenha seguido a carreira acadêmica e hoje dê aulas na própria USP e em outras instituições do Brasil e do mundo, o curso já formou pessoas que passam pelo setor privado, em empresas de diversas áreas, como a financeira, e empreendedores que montaram seu próprio negócio a partir de startups.

O tamanho da turma ideial, segundo Figueiredo Neto, é de cerca de 25 alunos. Como nem todos se adaptam ao ritmo acadêmico e à abrangência de temas, a estrutura do curso já conta com algumas desistências, principalmente após o primeiro semestre. Estudantes que mantêm nota abaixo da meta são avaliados pelos professores e podem ser desligados do CCM caso não consigam acompanhar a turma. Todos os alunos têm suas vagas asseguradas no curso para o qual foram aprovados na Fuvest, e podem retornar a elas mesmo após concluírem o curso interdisciplinar.

Modelo norte-americano
O professor explica que ciências moleculares foi o nome fantasia elaborado pela equipe que montou o curso, incentivadas pelo então reitor e o pró-reitor de pesquisa como um experimento. "A ideia é que esses alunos tivessem exposição durante a gradução a disciplinas de toda a universidade, em particular ciências da natureza, e, além disso, tivessem atividades de pesquisa já desenvolvidas durante a graduação."
Um dos alunos da quarta turma do curso foi Daniel Doro Ferrante, hoje professor da Universidade Brown, nos Estados Unidos. Segundo ele, no início o curso levou alguns anos para chegar a um número de formandos estável. "A turma três formou quatro alunos,a turma dois formou oito, a minha turma entraram 25 e se formaram três. Depois da turma cinco foi estabilizada", lembra ele. Na época, o maior motivo da evasão era a nota –a média mínima obrigatória era 7, e poucas exceções eram aceitas.

Os atuais alunos têm aulas de segunda a quinta-feira, em período integral. Tomás Gallo Aquino, de 20 anos, é um deles: ele concluiu o ciclo básico do curso em meados de 2013 e afirma que, na época, tinha aulas das 9h até as 18h. A estrutura das disciplinas não é diferente de outras na USP, diz ele, e incluem avaliações por meio de provas e trabalhos, dependendo do estilo de cada professor. Em cálculo, por exemplo, não era incomum que ele e os colegas virassem a noite juntos para completar as listas de exercícios passadas pelo docente para serem feitas em um período de 24 horas.

A tendência, segundo Figueiredo Neto, é que a carga horária do ciclo básico seja reduzida. "O aluno aprende quando estuda, não adianta estudar na frente do professor. Na sexta não tem aula, a gente deixa tempo pra eles", diz Figueiredo, que pretende manter as turmas pequenas para que a relação entre alunos e professor seja a mais estreita possível.

Processo seletivo
Dentro da comunidade acadêmica, o curso é reconhecido como inovador, mas, fora dela, são poucos os estudantes que já ouviram falar nele. A divulgação é feita no primeiro semestre para públicos específicos. Tomás conta que, quando passou no vestibular para física, em 2011, recebeu uma carta da USP com um convite para conhecer o CCM. De acordo com o professor Figueiredo Neto, os 20% dos candidatos da Fuvest mais bem colocados recebem essa mensagem, que também é divulgada em cursos de ciências da natureza durante o primeiro semestre.

Em junho, uma palestra tira as dúvidas de entre 100 e 200 estudantes interessados no curso, que também conhecem os projetos de pesquisa dos veteranos. É nesse dia que é feita a inscrição para o processo seletivo –uma prova nos moldes da própria Fuvest e uma entrevista em grupo.

"Só quem zerou tudo [na prova] não é chamado para a segunda etapa", explica o professor. Segundo ele, não há problema se o aluno vai bem em física, mas não em matemática."Então é feita a análise presencial. Fazemos grupos da ordem de 15 alunos, e os professores do curso propõem problemas. A gente não quer que alunos cheguem a uma solução, mas convença os pares do tipo de solução que o problema tenha."
As aulas acontecem na Colmeia, como são conhecidos os blocos térreos da Cidade Universitária, na Zona Oeste de São Paulo, entre o restaurante central e a Praça do Relógio.

Interdisciplinaridade

Tomás desenvolve seu projeto de iniciação científica na área da neurociência. "Meu projeto é tentar estudar modelos para entender como o cérebro percebe a passagem do tempo. Eu tenho dois orientadores, um da área computacional, outro da área de física, e os dois sabem dialogar com a parte de neurociência", explica.
Sua colega Thaís Trostli Costella, de 21 anos, foi aprovada em biologia na Fuvest, mas desde o cursinho, quando descobriu o curso mais discreto da USP, ela já pretendia seguir essa área. "Quero ficar na faculdade, fazer mestrado, doutorado, pós-doutorado, tentar um concurso para dar aula na faculdade. Eu gosto de lecionar, mas queria continuar na pesquisa", explica ela, que nesta semana conseguiu financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para sua iniciação científica na área de bioquímica. "Eu tento identificar moléculas bioativas nas teias de aranha, moléculas que matam bactérias e fungos", diz. Segundo ela, o objetivo é encontrar novos fármacos.

O único problema desse curso é a escala. Se pensar em Brasil, ou até em São Paulo, formar 20 alunos por ano não é nada. Mas realmente em algum momento você tem que dar um salto de qualidade."
Antonio Martins Figueiredo Neto,
coordenador do CCM-USP

Daniel Ferrante conta que, como muitos alunos da física, sua primeira vontade era geofísica e astronomia, por isso seu projeto de pesquisa inicial no CCM era nessa área. "Mas descobri que meu gosto era mais teórico e troquei", explicou ele, que mudou seu projeto e passou a estudar a teoria das cordas.

Segundo os alunos, a maior parte dos estudantes vêm das áreas de ciências exatas e da natureza, inclusive a medicina, mas há outros que passaram em cursos distintas, como direito e economia. As carreiras após a graduação também seguiram caminhos bastante variados, mas, dada a natureza específica do curso, os ex-alunos até hoje se mantêm em contato por meio de um servidor de e-mails mantido pelos próprios estudantes.
Daniel diz que tem ex-colegas trabalhando na área de tecnologia da informação ou fazendo pesquisas em matemática, biociências e bioinformática em instituições do Brasil, da Espanha e da Bélgica. "Tenho uma amiga que faz uma linha de célula clonada para pessoas com diabetes. Ela ende ratos clonados, para imitar a deficiência do paciente", afirma. Há ainda quem hoje atua com avaliação de risco no mercado financeiro, quem trabalha para consultorias empresariais e até em empresas envolvidas com o desenvolvimento do sistema operacional GNU/Linux.

"O curso cria certos paradigmas e acaba influenciando outras unidades a abrirem um pouco seus currículos", explica o coordenador. "O único problema desse curso é a escala. Se pensar em Brasil, ou até em São Paulo, formar 20 alunos por ano não é nada. Mas realmente em algum momento você tem que dar um salto de qualidade."
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