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Devoluções de crianças em adoção a pais biológicos preocupam entidades

G1

 Decisões da Justiça que têm devolvido aos pais biológicos crianças em processo de adoção têm causado apreensão nos grupos de apoio e em pretendentes pelo país. Levantamento feito pela Associação Nacional dos Grupos de Adoção (Angaad) a pedido do G1 mostra que há casos polêmicos em Minas Gerais, no Espírito Santo e no Rio de Janeiro.

Entre eles estão o caso de uma menina de 4 anos de Contagem (MG) e o de um menino de 1 ano de Serra (ES). No primeiro, a Justiça obrigou no fim do ano passado que a criança fosse devolvida aos pais biológicos, mas um mandado de segurança paralisou a reinserção. Uma decisão sobre o caso deve sair nos próximos dias. No segundo, a família adotiva conseguiu apenas neste mês reaver a guarda do garoto, que também havia sido levado, aos 8 meses de idade, após uma ordem da Justiça.

Para a presidente da Angaad, Suzana Schettini, o que tem ocorrido é uma supervalorização da família biológica, com decisões que não levam em conta o interesse da criança. “O que a gente tem vivenciado são verdadeiras tragédias familiares nas quais os pais adotivos são vilipendiados, desrespeitados, desqualificados e a criança é massacrada, em um verdadeiro estupro psicológico”, afirma.

A juíza Vera Lúcia Deboni, coordenadora da Secretaria da Infância e da Juventude da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), no entanto, diz que é preciso cautela ao analisar aos processos. Isso porque, na maioria dos casos, as decisões foram tomadas após uma adoção consensual ou com a destituição do poder pátrio ainda em curso. "A família biológica tem o direito de buscar a permanência da criança em seu contexto e, para isso, é preciso garantir todos os prazos para se defender das acusações feitas contra ela", afirma.

"Alguns magistrados, na melhor das intenções, colocam as crianças em famílias substitutas antes da decisão definitiva da destituição do poder familiar. E isso pode acabar revertendo mesmo", afirma Vera Lúcia Deboni.
Suzana, da Angaad, critica, no entanto, a demora em se conceder a guarda definitiva das crianças. “Muitas comarcas, que não têm equipes técnicas adequadas, não priorizam os processos de adoção, estendendo muito o tempo da guarda provisória, o que também abre espaço para esses tipos de situação”, diz.

Para o presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, Rodrigo Pereira, a demora afeta toda a política nacional de adoção. “É uma burocratização. É claro que a adoção tem que estar cercada de segurança. Mas se há pessoas mal intencionadas, elas formam 1% do total. E aí as outras 99% acabam pagando por elas. A guarda provisória durar mais de um ano é algo absurdo, que gera insegurança e instabilidade jurídica.”

Família biológica x família adotiva
Pereira diz que já fez reuniões com o Ministério da Justiça para tentar alterar a legislação, que diz que a manutenção ou reintegração da criança e do adolescente em sua família biológica terá preferência em relação a qualquer outra providência. “A família não é um elemento da natureza. Os laços de sangue não são suficientes para garantir uma relação familiar. Muitas dessas decisões [de devolução] estão travestidas de preconceito”, afirma.

Para a juíza Vera Deboni, entretanto, há uma regra constitucional que delimita a primazia da família biológica. "O que não pode ser feito como processo civilizatório é dizer que pobre não pode ter filho. Se a família não tem condições, é preciso criar a partir das retaguardas e das estruturas sociais necessárias as condições para que ela possa manter a criança. A pobreza jamais poderá ser o motivo da perda do poder familiar. E hoje, por conta da ansiedade de muitos adultos que pretendem a adoção, que desejam uma criança recém-nascida, muitas vezes isso acontece."
Atualmente há 5,4 mil crianças aptas à adoção no Cadastro Nacional. São mais de 30 mil pretendentes cadastrados. Mas um abismo ainda os separam. Parte dos especialistas diz que a repercussão dos casos de devolução noticiados tem feito muitos desistirem do ato. “Há pretendentes receosos e outros que estão no processo de adoção e têm ouvido do filho: ‘pai, o juiz vai me tirar aqui de casa também?’”, afirma Suzana.

Sobre os embates no país, a juíza Vera Deboni diz que a solução precisa ser pensada caso a caso. "Se, de um lado, a criança tiver um vínculo afetivo efetivamente criado com a família substituta e, do outro, houver a família biológica retomando a convivência, há equipes técnicas que trabalham com mediação familiar que podem contribuir na busca de alternativas, não só de guarda compartilhada, que divide deveres e direitos, mas no compartilhamento da convivência, de períodos de visita. A criatividade jurídica pode ser utilizada."

Procurado, o Conselho Nacional de Justiça diz que não se posiciona sobre os casos por se tratar de "entendimentos jurisdicionais".
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