Imprimir

Notícias / Ciência & Saúde

DNA revela história da mata atlântica

Folha de S.Paulo

Uma nova teoria baseada na genética oferece uma explicação para a origem da grande variedade de vida da mata atlântica. Os grupos animais desse ecossistema teriam se diversificado a partir de "refúgios" localizados por todo o litoral do sudeste do Brasil, processo que ocorreu ao longo dos últimos 12 milhões de anos, pelo menos.

A hipótese foi elaborada pelo grupo de Cinthia Brasileiro, ecóloga da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Já se sabia que o sul da Bahia atuava como um desses núcleos que funcionavam como "fábricas de espécies", mas o trabalho da cientista mostra que havia vários deles. E o surgimento dos cinco grandes agrupamentos de refúgios não ocorreu em sentido único, do norte para o sul, por exemplo.

"Não significa que eram cinco grandes refúgios. Cada uma das regiões tinha várias dessas áreas", disse Brasileiro à Folha, comentando estudo que publicou na revista "Molecular Ecology". "Elas [as áreas] existiram mais ou menos da mesma forma por milhões de anos."

O segredo dos refúgios é que eles estão sempre florestadas, não sofrem secas, épocas de frio ou oscilação do nível do mar. Por isso, dentro deles, a diversidade da vida tende sempre a aumentar. Um dos motivos, por exemplo, é o grande número de nichos ecológicos disponíveis para colonizar.

Para um anfíbio que tem uma população vivendo em bromélias, por exemplo, o universo dele está restrito apenas a um determinado bromelial. Mas outra população pode colonizar um único riacho, e assim sucessivamente. O surgimento de novas espécies da fauna e da flora --além da diferenciação das várias populações de uma mesma espécie- pode ocorrer a partir disso.

Para que os dois processos se desenrolem, porém, é preciso que o clima seja favorável por milhões de anos provavelmente, ou que o nível do mar desça (no período estudado ele oscilou por volta de 200 metros). Com isso, a floresta aumenta de tamanho e os bichos passam a ter uma área maior para prospectar novos habitats.
A biodiversidade ampliada, na sequência, passará a ocupar novas regiões geográficas.

Na prática, o surgimento do centro de biodiversidade no sul de São Paulo, entre São Sebastião e Cananeia, ilustra a tese defendida por Brasileiro.

"A diversidade, nessa área, começou há 1 milhão de anos, aproximadamente. Essa área é mais antiga do que a identificada no norte de São Paulo, mas mais nova do que as áreas estudadas no Rio de Janeiro e no Espírito Santo ", diz a cientista da Unifesp.

Portanto, o que o grupo de pesquisa defende é que houve uma origem diferente entre as duas áreas e não um processo que começou no norte da região ocupada pela mata atlântica e veio em direção ao sul.

Biografadas pelo DNA

A ferramenta genética usada por Brasileiro foi o estudo do DNA de duas espécies de rãs -amostras de 137 indivíduos, no total. As amostras foram comparadas, e as diferenças entre elas revelam a biografia dos dois grupos de anfíbios.

"Esse é apenas um estudo de filogeografia [o mapeamento das diversidades genéticas de uma espécie ao longo do tempo] que corrobora a ideia dos refúgios para toda a mata atlântica", diz Brasileiro. Há outros estudos em andamento procurando confirmar a hipótese, alguns deles com dados coletados nas ilhas do litoral paulista.

Na área da atual Jureia, a mata ficou separada do resto do continente até 5.000 anos atrás, aproximadamente. "A diversidade nessa área é ainda mais recente do que nas outras regiões estudadas, com 200 mil anos." Isso indica, segundo Brasileiro, que a separação pelo mar acabou criando, neste caso, mais um refúgio.

Processo mais ou menos parecido pode estar em curso hoje em ilhas paulistas como Queimada Grande ou Alcatrazes.
Imprimir