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Quatro irmãos de uma mesma família são portadores da ELA em BH

G1

 Loraine Souza do Valle, de 55 anos, adora lecionar. A professora, acostumada a cuidar de crianças nas aulas do primário, se fiz apaixonada por ensinar a ler e escrever. "O que eu gosto mesmo é de alfabetizar", conta.
Afastada das escolas pela esclerose lateral amiotrófica (ELA), Loraine ainda tem forças para dar aulas de reforço em sua casa. Hoje, ela atende três alunos. "Já tive muito mais. É que estive internada recentemente. Fiquei quase 40 dias no CTI", revela.
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A ELA ficou um pouco mais conhecida por causa do "desafio do balde", em que pessoas aparecem tomando banhos frios e fazendo doações em favor de instituições que tratam do tema. "Sei que teve muita gente que participou para se promover, mas pelo menos as pessoas estão falando mais sobre a doença. Quem sabe as pesquisas avançam, né?", acredita Loraine.

A professora é a caçula de nove irmãos. Seis deles foram diagnosticados com ELA. Duas mulheres já faleceram. "Eu cheguei até a ter esperança porque o meu irmão que veio antes de mim não teve. Nos outros, a doença se manifestou por volta dos 42 anos. Mas o primeiro sintoma apareceu em mim quando eu tinha 45 anos. A gente estava na praia e a casa era um pouco longe do mar. No que eu fui andar, cadê minha perna? Aí comecei a chorar. Pensei: peguei!".

Mas mesmo com o diagnóstico, Loraine procura não se abater. "Eu não posso ficar pensando muito em como será o meu futuro. Tenho é que lidar com bom humor. Se eu parar de rir, aí é que eu vou ficar entregue", explica.
Na rua de cima da casa de Loraine, a um quarteirão de distância, no mesmo bairro Caiçara, na Região Noroeste de Belo Horizonte, vive a irmã Sandra Maria Moreira de Souza, de 66 anos. "Eu não a vejo há quatro anos. Eu não consigo ir lá em cima e ela também não pode vir aqui para baixo. A gente chora ao falar no telefone. Sou muito agarrada a ela. A chamava de mãe", se emociona a professora.


Sandra tem a doença há 20 anos. Antes, ela era uma dona de casa ativa. Gostava de ir à missa e de viajar para apraia com os três filhos. Dos quatro irmãos portadores da ELA, Sandra é a mais debilitada. Os braços e pernas já perderam o tônus muscular. Ela fica muito tempo acamada e é obrigada a usar suportes de espuma nas pernas para evitar as escaras. A dependência da família e a morte do marido, vítima de pneumonia em 2007, a levaram à depressão.
"Eu fico aqui no quarto, olhando a janela. É onde eu vejo um pedaço do mundo. Morri. Estou só respirando", debafa Sandra. "O que eu gostaria é de voltar a ver meus irmãos. Há quatro anos não tenho contato. Sinto saudade da Loraine. Minha irmã tão querida", lamenta.

O único homem portador da ELA entre os nove irmãos é Jorge Heleno Moreira de Souza, de 60 anos. Ele vive a poucas quadras de Sandra e de Loraine. Jorge já trabalhou como cinegrafista e publicitário. Chegou a ter uma academia e até se aventurou como ator no Rio de Janeiro. "Quase estreei na novela 'Espelho Mágico', da Globo, em 1977", conta. Ele só abandonou a carreira por causa da namorada na época que hoje é sua esposa.
A doença chegou para Jorge aos 43 anos de idade. "Estava trabalhando em uma propaganda política quando senti fraqueza nas pernas. Minha esposa ficou desesperada, mas eu mantive a calma e a fé em Deus", disse.
"Eu nunca me perguntei 'porque comigo?'. Nunca me revoltei com a minha condição. Não posso desprezar o meu corpo. Tenho uma família e uma vida maravilhosas. Eu vivo o presente. Amo viver", se emociona. "Tenho fé que serei curado. Depois, vou viajar pelo mundo com a minha esposa", revela Jorge.

No bairro Padre Eustáquio, também na Região Noroeste de Belo Horizonte, vive Maria Elizabeth de Souza Fontes, de 62 anos. Ex-professora de geografia e mãe de quatro filhos, ela foi a primeira a receber o diagnótico correto da doença, já que os primeiros médicos que atenderam sua família disseram que se tratava de atrofia ou distrofia muscular.

"As minhas irmãs que já faleceram receberam respostas equivocadas. Quando eu comecei a ter os sintomas, fui a um médico que me pediu um exame de DNA. Foi aí que soubemos do ELA", conta.

A família Souza tem origens na cidade de Pitangui, na Região Centro-Oeste de Minas Gerais. "A gente sempre tinha notícia de que um tio ou um primo havia morrido da mesma doença. Mas antigamente não se sabia do que se tratava", explica Maria Elizabeth.

Hoje, ela passa a maior parte do tempo no quarto, escutando música, lendo, rezando e vendo televisão. "Vejo tudo quanto é reportagem. Não quero ficar desatualizada", brinca Elizabeth, que venceu um câncer no ano passado e ainda precisa lidar com a diabetes. "Fui premiada, né?", disse bem-humorada.
Campanha

Não há cura, tratamento ou medicação para conter a esclerose lateral amiotrófica. As pesquisas sobre o ELA ainda são muito incipientes.

Mas para tornar a doença cada vez mais conhecida, a família Souza vai promover neste sábado (30), na Praça do Papa, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, um "desafio do balde" coletivo. Quem participar, deverá doar R$ 20.
Todo o dinheiro será encaminhado para a Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica (Abrela)
A idealizadora do projeto é a única filha de Loraine, a relações públicas Débora Souza do Valle, de 22 anos. Como seus primos, a jovem tem chance de desenvolver a doença, mas prefere não pensar muito nisso e viver um dia de cada vez. "Às vezes eu choro muito, mas depois eu penso que tenho apenas 22 anos. Uma vida inteira pela frente. Ainda tenho muita coisa para fazer", disse.

Uma das primas de Débora, Pollyanna Vieira de Souza, de 36 anos, filha de Sandra, divide a mesma opinião. "Eu penso se devo ter filhos. Mas é impossível saber se eles vão ter a doença ou não. Acho que a gente tem que viver intensamente cada momento. É claro que tenho medo, mas também não posso ter medo de viver", defende.


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