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Na delação premiada, Paulo Roberto Costa revela que os contratos da Petrobras eram superfaturados entre 18% e 20%

Época

Em 10 de dezembro de 2009, a Petrobras assinou um contrato de R$ 3,1 bilhões com um consórcio formado pelas empreiteiras Odebrecht e OAS. O contrato, classificado como “reservado” pela estatal, a que ÉPOCA teve acesso, previa que o consórcio trabalharia na construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Foi uma grande vitória para as duas empreiteiras, duas das maiores do país. Mesmo para os padrões delas, era um senhor contrato. Foi também uma vitória especial para três dos personagens que tornaram viável. Dois deles estavam na cúpula da Petrobras: Paulo Roberto Costa, diretor de Abastecimento, indicado por PP, PMDB e PT, e Renato Duque, diretor de Serviços, indicado pelo PT. O terceiro personagem estava na Odebrecht: o engenheiro Rogério de Araújo, diretor da empreiteira. Ele assinou o contrato. Segundo Paulo Roberto confessou aos procuradores que investigam esquemas de corrupção na Petrobras, e ÉPOCA agora revela com exclusividade, o contrato foi superfaturado, num percentual entre 18% e 20%, de maneira a assegurar o pagamento de propina aos envolvidos. Eram pagamentos a funcionários da Petrobras, como ele e Duque; a lobistas que atuaram no negócio; e, finalmente, a diretores das empreiteiras. O contrato, disse Paulo Roberto, só foi fechado após um acerto entre ele e Araújo, o diretor da Odebrecht. O acerto previa pagamento de propina a Paulo Roberto em paraísos fiscais – e o compromisso de “colaboração” financeira às campanhas dos partidos da base aliada, que asseguravam o aparelhamento político na Petrobras.
As informações são inéditas e foram checadas por ÉPOCA com três investigadores que têm acesso às dezenas de horas dos depoimentos prestados por Paulo Roberto à força-tarefa, desde que ele fechou um acordo de delação premiada, no final de agosto. ÉPOCA também obteve documentos que corroboram alguns dos pontos narrados por Paulo Roberto e entrevistou dois operadores do esquema. Sob a condição de permanecer no anonimato, eles confirmaram o teor do que Paulo Roberto disse ao Ministério Público (MP). Segundo a narrativa dele, o percentual de superfaturamento de 18% a 20% aplicava-se à maioria dos contratos fechados por ele com as empreiteiras. Esse dinheiro extra, bancado pelos cofres da Petrobras, era dividido pelos envolvidos. Na divisão do butim de 18%, quem detinha a caneta mais poderosa ficava com um percentual maior. Em primeiro lugar, os políticos dos partidos – PT, PMDB e PP – que garantiam a permanência dos diretores da Petrobras no cargo. Em seguida, diretores como ele, Paulo Roberto. Abaixo deles, o núcleo operacional – lobistas, doleiros e operadores que montavam os negócios e se encarregavam de pagar os superiores, após reter uma comissão.

Paulo Roberto contou aos procuradores que vendia às empreiteiras algo que definiu como um “pacote de serviços”. Em vez de cobrar propina por contrato fechado, preferia vender seus préstimos no atacado e criar uma relação comercial duradoura e profissional. Paulo Roberto disse que a Odebrecht fechara com ele um pacote desses. O pacote fora negociado, disse Paulo Roberto, com o diretor Rogério de Araújo, aquele que assinou o contrato de R$ 3,1 bilhões para a refinaria Abreu e Lima – o contrato e os sucessivos aditivos a ele. Segundo o depoimento de Paulo Roberto, além de lobistas e parlamentares ouvidos por ÉPOCA, os homens da Odebrecht responsáveis por obter os contratos bilionários na Petrobras eram Araújo e Márcio Faria, também diretor da empreiteira. A agenda de Paulo Roberto, apreendida pela Polícia Federal (PF), aponta vários encontros entre eles, em geral em restaurantes discretos no Rio de Janeiro. Os extratos telefônicos de Paulo Roberto também reforçam os contatos frequentes entre eles. Os dois diretores da Odebrecht já são investigados pelo MP.Paulo Roberto afirmou aos procuradores que o pacote da Odebrecht incluía os contratos na refinaria Abreu e Lima e no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, o Comperj. Pelo acordo, cabia a Paulo Roberto (mas não apenas a ele) assegurar que a Odebrecht ganhasse e mantivesse contratos nas duas obras, entre as mais caras da Petrobras. Em contrapartida, Paulo Roberto disse que recebeu US$ 23 milhões, por intermédio da Odebrecht, em suas contas secretas na Suíça. Para que não houvesse óbices aos contratos da Odebrecht, como no caso de outras empreiteiras, era preciso, disse Paulo Roberto, assegurar o “apoio” de Renato Duque, o diretor de Serviços, indicado pelo PT e interlocutor íntimo do tesoureiro informal do partido, João Vaccari. As licitações para as obras nas refinarias passavam por Duque. Qualquer obra média precisava ser aprovada pelos diretores da estatal. Por isso, afirmou Paulo Roberto, era fundamental assegurar “financeiramente” o apoio de Duque e do PT.

Na semana passada, o ministro Teori Zavascki, que relata o caso no Supremo Tribunal Federal, homologou a delação premiada de Paulo Roberto. Graças a sua extensa colaboração com os procuradores, ele deixou a prisão. 

Ficará em prisão domiciliar, monitorado por uma tornozeleira eletrônica. Sua família, que o ajudava no esquema, também ficará livre. Paulo Roberto comprometeu-se a devolver o dinheiro obtido com seus “pacotes de serviços”. São US$ 28 milhões em contas secretas, uma multa de R$ 5 milhões à vista, além de entregar bens, como mansões e lanchas. A delação o obriga a continuar a colaborar com as investigações, à medida que elas avancem e novos casos sejam descobertos. Se alguma informação que ele forneceu se mostrar falsa, ou caso os procuradores avaliem que ele não contou tudo, Paulo Roberto perderá a delação. Voltará para a cadeia. Por isso, a palavra dele tem tanto peso, embora ele seja um criminoso. Paulo Roberto tem todos os incentivos para falar a verdade – e corre todos os riscos se faltar com ela.

Reservadamente, os investigadores afirmam que ninguém será processado apenas em virtude do que disse Paulo Roberto. Será preciso mais. Mas o que ele disse e puder ser provado – ou já estiver provado, diante das provas recolhidas pela PF nos últimos meses – o consagra como a testemunha mais valiosa na história do combate à corrupção no Brasil. Paulo Roberto entregou, além da Odebrecht, maior empreiteira do país, os demais gigantes do setor: Camargo Corrêa, OAS, Mendes Júnior, Queiroz Galvão, entre tantas outras. 
 
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