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Notícias / Informática & Tecnologia

Facebook pode ser ambiente de debates e papos construtivos

Terra

Você está quase saindo da rede, quando salta a seus olhos aquele comentário radicalmente contrário a tudo que você acredita. O autor pode ser até um desconhecido, mas você encara como uma provocação - ou uma chance de expor suas opiniões, não importa: quando você vê, passaram-se horas de discussão no Facebook.

Das quase quatro horas em média que o internauta brasileiro passa online diariamente não é difícil dedicar boa parte delas conversando - ou batendo boca - com outros usuários. A julgar pelas longas listas de comentários, muitos raivosos, o desgaste pode ser grande, especialmente em véspera de eleições, mas acredite, existe discussão inteligente no Facebook. Para isso, é preciso respeito - igualzinho como acontece na "vida offline". A diferença é que, online, o esforço para ser empático - e contar até 10 - é ainda maior.

Uma prova de que é possível ter uma discussão construtiva nas redes é Edilson Luiz Ales Junior. Profissão: consultor de Tecnologia da Informação. Atividade: debatedor assíduo na rede. Uma discussão por semana é o mínimo da sua rotina, diz. Normalmente são sobre assuntos como violência, racismo e feminismo. “É uma atividade bem cansativa, por não ter elementos como interação de voz, o humor da pessoa, o que ela está te passando realmente, como tem pessoalmente. Mas acredito que as pessoas mudam com informação. Nas redes sociais, você tem de confiar muito na interpretação de texto das outras pessoas.”

Ales Junior ressalta que, muitas vezes, as pessoas interpretam e mesmo se expressam mal nos debates online, principalmente em assuntos que tratam de crenças da sociedade. É só dar uma olhada nas timelines por aí para perceber o quanto é comum receber na defensiva qualquer argumento que confronte a crença do outro. Ales Junior confessa que, apesar de estar interessado em debates construtivos, já perdeu a paciência. “As pessoas interpretam a opinião contrária como confronto. Depois de 50 ou 60 posts, 40 minutos tomando pedradas, se você não tiver autocontrole de parar um pouco, tomar um ar, reler tudo o que foi dito, acaba perdendo a paciência. Então, o melhor é se acalmar e tentar ser empático com a pessoa”, aconselha.

A professora e pesquisadora da Universidade Católica de Pelotas (UCPel) Raquel Recuero reafirma que conversar online pode causar ruídos na comunicação e atrapalhar o bom andamento do debate, tornando-o mais acalorado facilmente. “Online não temos importantes informações. Não sei como o outro está recebendo o que eu digo. Muitas vezes, vejo as respostas muitas horas depois e não consigo corrigir aquela interação rapidamente. Não ouvimos a entonação da pessoa, como quando alguém posta algo que pretendia ser engraçado e outro usuário se ofende, porque não entende o contexto. Tudo isso propicia o desentendimento”, explica.

Além disso, como a rede social conecta milhares de pessoas, entre conhecidos e desconhecidos (no Facebook, muitas publicações estão visíveis a amigos de amigos), pessoas que você nem imagina podem receber suas publicações ou comentários e se ofender com sua posição sobre determinado assunto. São as chamadas audiências invisíveis. “As pessoas querem discutir, sim. Mas esse monte de ruído acaba atrapalhando e as pessoas tendem a ser mais agressivas na rede, porque não estão vendo o outro”, afirma Raquel.

A pesquisadora lembra ainda que, tanto online quanto pessoalmente, as pessoas tendem a buscar concordância, procurando os pontos que têm acordo e minimizando os que não têm. A diferença é que, pessoalmente, em um debate com conhecidos ou amigos, a pessoa sabe até onde pode ir. Na internet, nem tanto. “Acho difícil imitar online essa circunstância contextual. É preciso muito respeito para debater online. Os limites de bom senso não são tão nítidos na internet, as pessoas agem como se conhecessem todos os outros usuários e acabam ficando mais agressivas. É possível ter discussões construtivas, mas é preciso escolher bem essas discussões”, afirma Raquel.

Boa reputação nos debates online
O empresário Igor Oliveira, que afirma ter várias conversas produtivas no Facebook, explica que é uma questão de saber utilizar a ferramenta e identificar as pessoas que não estão dispostas a dialogar. “A regra básica é não dar trela para quem não quer dialogar de verdade. Eu procuro outras pessoas com o mesmo perfil e intensifico a minha interação com elas. As que querem simplesmente brigar, procuro não responder com muita intensidade, para não estimular um ambiente negativo”.

Ele entende por debates uma conversa em que o usuário quer convencer a plateia ou ter o argumento mais forte; diálogos, para Igor, é quando se está disposto a trocar ideias e conversar, e esses são mais produtivos no Facebook. Se você conseguir manter a boa vizinhança, é possível criar uma boa reputação como alguém que sabe dialogar e até ser lembrado nas conversas alheias. “As pessoas me marcam quando querem ouvir minha opinião. Tem épocas que isso se intensifica. Quanto mais energia colocarmos nas interações, mais diálogos surgem”, diz.

Ales Junior lembra de uma discussão sobre o caso do jovem negro acorrentado na zona sul do Rio de Janeiro, em que havia pessoas defendendo o ato e outras condenando. Uma discussão mais acalorada com outro usuário acabou indo para a troca de mensagens privada na rede. Com mais privacidade, a conversa abrandou e tornou-se mais construtiva. “Quando não se está exposto ao julgamento alheio, a pessoa tenta escutar mais o que você está dizendo. Não tem mais medo de ser julgada pelos outros ao perder ou ganhar uma discussão”.
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