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Moradores da Baixada Fluminense revelam estratégia para sobreviver sem água

R7

Enquanto escolas tiveram seus calendários afetados devido à falta de água em Duque de Caxias e Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, moradores dessa região precisam inventar maneiras de realizar tarefas simples, como lavar louça e tomar banho. Eles contam com a solidariedade dos poucos vizinhos que ainda têm água nas torneiras ou são obrigados a chamar carros-pipa. Em bairros dessas duas cidades, o R7 ouviu relatos de moradores que não recebem o abastecimento de água pela Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos). Procurada, a empresa não se manifestou sobre o problema até a publicação desta reportagem.
Para o engenheiro sanitarista José Estell Soares, o problema de falta de água na baixada não é resolvido por falta de vontade política.

— Só falta vontade política e deslocar recursos para isso, simplesmente isso. Não há dificuldade técnica para você implementar rede de esgoto lá [Baixada Fluminense] ou em qualquer lugar. Basta mobilizar recursos. A prioridade deles [políticos] sempre é a questão da água porque ninguém vive sem água e o esgoto passa a ser deixado de lado. Então, é sempre essa desgraça e a saúde pública vai para o brejo.

Um fator apontado pelo especialista para a ausência de saneamento básico nessas áreas é a falta de transparência quanto à responsabilidade por tal serviço.

— [Em Nova Iguaçu e Duque de Caxias] a água é responsabilidade da Cedae e o esgoto é a Deus dará. Oficialmente nem o presidente da Cedae, Wagner Victer, segundo o que eu já li, é o responsável pelos esgotos daquela região. Ele só é responsável pelo esgoto em Belford Roxo.

A moradora de Nova Iguaçu Vera Marques disse que sua conta de água chega, mas a água não. Ela diz que vive um pesadelo.

— É triste abrir a torneira e não ter água. Chega a conta e não tem água, isso é um pesadelo. Eu me considero uma pessoa abandonada. Na eleição é sempre assim: prometem e nada. Eu quero solução. Eu tenho um poço, mas não dá para beber essa água.

Vera aguarda que a Cedae instale um hidrômetro em sua residência.

— Eu quero hidrômetro e água. Se eu não tivesse vizinhos bons, eu ficava com sede.

A comerciante Nanci Pereira, que mora no bairro Cacuia, em Nova iguaçu, com o marido e duas filhas, afirma que sofre com a falta de abastecimento há mais de um ano. Entretanto, conta ela, as contas da Cedae não param de chegar.

— Aqui para mim há mais de um ano não cai água. Há mais de 20 anos é uma luta danada. Eu não tenho hidrômetro, não tenho água e estou devendo mais de R$ 9.000 para a Cedae. Mandam uma conta de quase R$ 300. Em casa e no meu comércio, eu uso água de poço do vizinho para tudo.

Antonio Marcos da Cunha afirmou que na sua rua, localizada também no bairro Cacuia, há anos a água da Cedae chegava à sua casa todo o domingo, mas que há mais de um mês isso não acontece. O comerciário diz que é obrigado a comprar água para beber.

— O povo de Cacuia não se recusa a pagar água, queremos respeito, queremos um hidrômetro. Você vai no posto da Cedae e nada. Eles não vêm instalar nada aqui. A gente só vive de promessa. Eu compro água para beber, são dois galões por semana e cada um custa R$ 7.

A dona de casa Maria de Fátima Ferreira também sofre com a falta de água. Ela conta com a ajuda do poço da casa da filha e faz uma peregrinação diária com suas garrafas de plástico para não deixar de cozinhar, lavar roupa e beber água.

— O poço da minha filha está quase seco. Eu ando quase 20 minutos todos os dias para pegar água aqui. Nem eu e nem minha filha temos hidrômetros. Torneira seca todos os dias. Nem me lembro quando caiu água aqui.

Paulo Nascimento reclama que a estrada da Moendinha, local onde mora, tem um lixão a céu aberto, falta de água e saneamento básico.

— Aqui eu não posso mais usar a água por causa da fossa que ficou no mesmo nível do poço. Asfaltaram boa parte do bairro, mas aqui na Moendinha [um dos principais acessos da Cacuia ao hospital da Posse], não fizeram nada. A Cedae nunca esteve aqui. Se quiser beber água tem que comprar um galão que custa R$ 6 e eu estou desempregado. O que eu faço?

De acordo com a Secretaria de Obras e Serviços Públicos de Nova Iguaçu, a estrada da Moendinha teve um trecho pavimentado recentemente. Entretanto, o restante dela (onde mora seu Paulo e mais 20 famílias) não tem previsão de obras.

Procurada, a assessoria de imprensa da cidade disse que está investindo em saneamento. “Nos últimos 18 meses, Nova Iguaçu recebeu 180 km de obras, em 616 ruas e 39 bairros. É preciso que a população espere mais um pouco pois as intervenções vão chegar”.

Água da chuva salva

Outro lugar que sofre com a falta de água na baixada é o bairro de Saracuruna, em Duque de Caxias. O local que, antes sofria com um racionamento de quinta a domingo — a água só chega de segunda a quarta —, desde o início deste mês não tem abastecimento.

Francisco Martins, conhecido como Biu, contou que junta água da chuva para beber e lavar louça.

— Há mais de 20 dias ou mais não tem água. Aqui, a gente só tem água quando o Papai do Céu manda. Eu apanho água da chuva para poder lavar louça e beber. Há uns cinco anos, a Cedae passou aqui medindo, para trazer água e instalar hidrômetro e nada. Aqui a gente só espera e nada acontece.

Moradores compram água de carros-pipa para não ficarem sem água. Augusto Ferreira diz que gasta R$ 120 abastecendo sua cisterna.

— Aqui em Saracuruna, quem é dono de carro-pipa está fazendo dinheiro. Minha cisterna tem 3.000 litros e os caminhões-pipa cobram R$ 40 por cada 1.000 litros. Eu gasto quase R$ 500 por mês só com água. E a Cedae nenhuma resposta.

Na rua Egito, em Saracuruna, além da falta de água, o esgoto a céu aberto também é uma das reclamações dos moradores. Lucimar da Silva doz que o local onde mora é esquecido.

— Somos esquecidos aqui. Essa vala aqui em frente da minha casa é para onde vai o esgoto. Quando chove, a gente fica em um mar de m*. As crianças vivem doentes e com problemas de pele. Não podem nem brincar.

Procurada, a Secretaria de Obras de Duque de Caxias informou que irá enviar uma equipe até o local para avaliar as vias de Saracuruna e desenvolver um projeto de saneamento básico para aquela região.

Segundo relatos de moradores, após a visita da reportagem do R7 à localidade de Saracuruna, a região recebeu, na noite da última quarta-feira (22), o abastecimento de água da Cedae. Entretanto, o técnico em logística, Douglas Mendonça, morador da avenida do Porto, disse que a cor e o cheiro da água recebida estavam estranhos (foto ao lado).

— Vejam a qualidade da água que mandam para gente depois de quase um mês sem. Olha a cor dessa água. Essa água tem um cheiro forte e se você ligar para a Cedae está tudo bem.
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